Correio braziliense, n. 20196, 06/09/2018. Economia p. 8

 

Nova ameaça à regra de ouro

Rosana Hessel

06/09/2018

 

 

CONJUNTURA » Ao manter os recursos previstos para o Bolsa Família no Orçamento de 2019, equipe econômica cogita condicionar gasto com a folha de pagamento para tentar aprovação de crédito extra. Para cobrir despesas sem infringir a lei, projeto precisará ser enviado ao Congresso

Ao condicionar metade dos recursos do Bolsa Família a uma autorização do Congresso Nacional para se endividar mais e depois voltar atrás, o presidente Michel Temer, conseguiu evidenciar sua fragilidade de fim de mandato e sofreu mais um desgaste, na avaliação de especialistas. O Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2019, enviado ao Legislativo no fim de agosto, condicionou uma série de despesas ao cumprimento da regra de ouro, que somam R$ 285,2 bilhões, nos quais os R$ 15 bilhões do programa voltado para as famílias mais pobres estavam listados.

A decisão de Temer em manter integralmente a previsão dos R$ 30 bilhões para o Bolsa Família em 2019 atendeu ao pedido do ministro do Desenvolvimento Social, Alberto Beltrame, que alegou que a restrição geraria instabilidade no programa. A mudança exigirá uma mensagem modificativa do Ploa, que precisará ser enviada ao Congresso, de preferência, antes da votação na Comissão Mista do Orçamento (CMO).

O ministro do Planejamento, Esteves Colnago, sinalizou que pode incluir gasto com pessoal no lugar do Bolsa Família na lista de despesas condicionadas à autorização do Congresso. “Dado o espaço que nós temos, talvez tenhamos que caminhar para folha de pagamento, mas estamos vendo as possibilidades que existem”, disse, ontem, após entregar o Orçamento ao presidente do Congresso, o senador Eunicio Oliveira (PMDB-CE).

O economista e especialista em contas públicas Leonardo Ribeiro, assessor do senador José Serra (PSDB-SP), defendeu o condicionamento do deficit da Previdência à regra de ouro e avisou que o governo poderá se desgastar mais se usar o gasto com pessoal no lugar do Bolsa Família. “Todos sabem que o maior desafio fiscal daqui para frente é a Previdência e os parlamentares precisarão se conscientizar de que vão ter que se voltar para as despesas obrigatórias, que consomem 95% dos gastos correntes”, explicou.

Prevista na Constituição, a regra de ouro é uma medida de austeridade fiscal que proíbe que o governo se endivide para pagar despesas de custeio, como salários e benefícios previdenciários, acima dos gastos com capital. O descumprimento dessa norma acarreta crime de responsabilidade fiscal do Executivo. Para cobrir o rombo previsto, será necessário o envio de um projeto de lei pedindo a autorização do Congresso para um crédito suplementar, que deverá ser feito via emissão de títulos da dívida.

A equipe incluiu o Bolsa Família como condicionante, achando que isso aceleraria o processo de aprovação desse crédito suplementar. Nessa lista de condicionantes foram incluídos R$ 201,7 bilhões de benefícios da Previdência; R$ 30 bilhões dos pagamentos de Benefícios de Prestação Continuada (BPC);  e R$ 9 bilhões de subsídios.

Para William Baghdassarian, coordenador do Ibmec-DF, os números revelam o tamanho do problema fiscal. “O país está atravessando um momento desafiador, porque há descasamento entre despesas e receitas, gerando deficits. Se o governo não resolver esse problema, continuará não conseguindo investir nem prestar melhores serviços, como na saúde e na segurança. Todos serão prejudicados”, resumiu.