O Estado de São Paulo, n. 45578, 01/08/2018. Espaço aberto, p. A2

 

Isolar não é a solução

Luiz Carlos Corrêa Carvalho

01/08/2018

 

 

A atual onda protecionista mundial exige dos agentes privados e das autoridades brasileiras a formulação urgente de uma estratégia que permita ajustes, de maneira que a economia, sobretudo o agronegócio, sofra mínimos efeitos. Acredito que esta deveria ser uma questão central nas discussões da campanha eleitoral na qual estamos mergulhados. De forma resumida, o dilema trazido pelo pleito de outubro é o de ter um modelo estatista versus um reformista na direção de reduzir o custo Brasil, agilizar negócios e abrir-se para o exterior. Apoiar essa agenda de modernização é mostrar senso de urgência.

Não podemos respaldar uma visão que privilegia o mercado interno, ou mesmo retrocessos nas poucas reformas aprovadas até então pelo atual governo, que começa a se perder com a velha política, como confirma a recente questão dos fretes. É urgente, por exemplo, trabalhar a imagem do agronegócio brasileiro no exterior, assim como fundamental é termos uma Marca Brasil para agregar valor às nossas commodities. E atributos não nos faltam para exaltar, mundo afora, nossos produtos e nossa forma de produção sustentável.

Afinal de contas, somos um dos poucos países no mundo com condições de seguir aumentando a produção agropecuária com base em ganhos crescentes de produtividade, sem ampliação expressiva na área plantada, uma vez que nossa evolução agropecuária tem se baseado em ciência, tecnologia e competência do produtor. Foi esse casamento que fez o Brasil, em 40 anos, deixar de ser importador de alimentos para se tornar um expoente em exportação e o primeiro gigante da agricultura tropical no mundo.

E as expectativas de organismos internacionais em relação ao potencial do Brasil são enormes. Recente projeção feita pelo Departamento de Agricultura dos EUA indica que o aumento de produção de alimentos pelo Brasil deve crescer 69% até 2027. É a maior expectativa de expansão entre os principais concorrentes do agronegócio brasileiro, uma vez que para a Argentina a projeção de crescimento, no mesmo período, é de 44%; para a Índia, de 48%; Austrália, 22%; EUA, 12%; Rússia, 34%; e Ásia, 11%.

Vale ressaltar que o agronegócio brasileiro vem conseguindo este nível de crescimento ocupando apenas 7,6% de sua área total com lavouras, enquanto na Alemanha a área ocupada chega a 56,9% do seu território, o Reino Unido ocupa 63,9% e a Dinamarca, nada menos que 76,8%, segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Essa é a maior prova de que o Brasil pratica a agricultura mais sustentável do planeta, pois consegue manter os recursos naturais em níveis bem superiores aos dos demais concorrentes. Com isso, o País se destaca de forma impressionante, ganhando peso na geopolítica global. Precisamos estar preparados para exercer esse papel, uma vez que já temos recebido pressões externas de várias entidades, algumas muito negativas ao agro brasileiro, e, o pior, sem nenhum respaldo científico, ficando patente e clara a defesa de interesses não brasileiros.

Neste caso, vale mencionar diversos estudos que mostram a relevância técnico-científica da reintegração de áreas degradadas e o uso intensivo dos solos tropicais da chamada agricultura de baixo carbono, para a oferta de alimentos e de biocombustíveis. Além disso, tem avançado significativamente o uso do sistema Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF), que se vem mostrando uma excelente ferramenta para uma produção sustentável econômica, social e ambiental, inclusive com o diferencial de proporcionar conforto animal, um item que ganha importância nos mercados externos de proteína animal, sobretudo na Europa.

Outro diferencial favorável ao Brasil no contencioso cenário global: enquanto o produtor americano tem um nível de subsídio de 10% e o chinês na casa de 15%, o agricultor brasileiro tem um subsídio que varia de 3% a 5%. Por estes e outros motivos é que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a FAO, braço para a agricultura da ONU, divulgaram recentes expectativas para as exportações de commodities agrícolas de alimentos, imputando ao Brasil um crescimento pelo menos três vezes maior nas suas exportações do que projetam os próprios produtores locais.

Todas essas vantagens competitivas do Brasil, como player nas relações de trocas internacionais, não tira a importância de organizações como a Organização Mundial do Comércio (OMC), que vem sendo questionada pela administração americana. Ocorre que, com ou sem os americanos, a OMC é fundamental para uma região como a do Mercosul. A verdade é que a marginalização, pelos EUA, do sistema multilateral gera hostilidades como a que ocorre agora entre EUA e China e entre EUA e União Europeia. Segundo dados da OMC, uma guerra comercial poderia fazer recuar o PIB global em mais de dois pontos porcentuais, o que afetaria todas as cadeias produtivas globais, que, segundo o presidente da OMC, o brasileiro Roberto Azevêdo, representam 2/3 das transações comerciais no planeta.

A despeito dessa conjuntura, a verdade que já sabemos é que é fundamental para o Brasil agregar valor às suas exportações, pois estamos estacionados na participação do comércio global. Em 1980, por exemplo, os produtos brasileiros representavam 0,99% do total do comércio mundial, porcentual maior do que o 0,88% que tinha a China. Hoje, os chineses têm uma fatia de 13,8% do comércio mundial e o Brasil segue estacionado em pouco mais de 1%, apesar de todo o avanço registrado pelo agronegócio. E, para agregar valor, temos de usar o potencial de crescimento dos segmentos nos quais temos vantagens competitivas naturais, como é o caso do agro. É com foco exatamente sobre estes aspectos que foi planejada a programação do 17.º Congresso Brasileiro do Agronegócio que a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) promove junto com a B3 no dia 6 de agosto, em São Paulo.

 

PRESIDENTE DA ABAG