O Estado de São Paulo, n. 45578, 01/08/2018. Política, p. A8

 

Defensor dos direitos humanos e da ética na política

01/08/2018

 

 

 

Bicudo era procurador quando enfrentou o Esquadrão da Morte; rompeu com PT após mensalão e assinou impeachment de Dilma

Morreu ontem em São Paulo, aos 96 anos, o jurista e político Hélio Bicudo, procurador de Justiça que combateu o Esquadrão da Morte nos anos 1970. Figura histórica do PT, se distanciou do partido após o mensalão e foi autor do pedido de impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff. Bicudo não resistiu a meses de complicações cardíacas.

Natural de Mogi das Cruzes – nasceu em 5 de julho de 1922 –, formou-se em direito pela Faculdade do Largo São Francisco, da USP, em 1942. Cinco anos depois, ingressou no Ministério Público do Estado. Como chefe da Casa Civil, o advogado Bicudo integrou a administração do governador Carvalho Pinto (1959-1963) e chegou a substituí-lo no Ministério da Fazenda, ocupando interinamente a pasta durante o governo do presidente João Goulart (1961-1964).

Depois, se tornou um dos mais importantes ativistas pelos direitos humanos no País, especialmente no regime militar. Na época, como procurador de Justiça de São Paulo, combateu o Esquadrão da Morte, grupo de extermínio envolvido na tortura e assassinato de criminosos comuns. Ao todo, o esquadrão teria sido responsável por 168 assassinatos no Estado.

Bicudo foi designado para apurar os crimes. Entre 1970 e 1971 denunciou 35 policiais envolvidos no grupo, entre eles o delegado Sérgio Paranhos Fleury –, seis foram condenados. Fleury não era qualquer policial. Era o símbolo da repressão política do regime inaugurado em 1964.

A atuação de Bicudo foi acompanhada pelo Estado e pelo Jornal da Tarde. No prefácio de seu livro Meu Depoimento sobre o Esquadrão da Morte, o jornalista Ruy Mesquita escreveu: “Embora seja improvável que o principal elemento da quadrilha (Fleury), erigido em herói da luta contra a subversão, venha um dia a ser condenado por algum dos incontáveis crimes que praticou, não há dúvida de que os resultados da ação de Hélio Bicudo revelam que ainda há condições para se deter o processo de gangrena institucional a que o Brasil está submetido, para que se restabeleça aqui o estado de Direito.” De fato, Fleury morreu em 1979, antes de acertar as contas com a Justiça.

Em agosto de 1975, Bicudo publicou no suplemento do centenário do Estado o ensaio O Direito e a Justiça no Brasil, depois transformado em livro. Dedicou a obra à memória do dr. Julio de Mesquita Filho, que “soube imprimir a esse grande jornal a orientação democrática, a qual, mantida a todo custo por Julio de Mesquita Neto e Ruy Mesquita, constitui a grande característica desse órgão da imprensa brasileira”.

 

PT. Na história recente do Brasil, Bicudo também teve participação ativa no impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff, sendo um dos signatários do pedido de abertura do processo contra a petista – juntamente com a advogada Janaina Paschoal e o jurista Miguel Reale Júnior. Ex-petista – ingressou no PT poucos meses depois da criação da sigla, em 1980 –, Bicudo se tornara um crítico do partido a partir de 2005, após a revelação do escândalo do mensalão.

Desligou-se então da legenda, pela qual se elegeu deputado federal e exerceu mandato entre 1991 e 1999, com a justificativa de que “o partido se afastou dos ideais éticos e morais”. Ontem, a direção nacional da legenda não se manifestou sobre sua morte. A presidente do partido, Gleisi Hoffmann, informou apenas que enviou condolências à família.

Pelo PT, também foi candidato a vice-governador, em 1982, na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso na Lava Jato. Em 1986, o jurista foi candidato ao Senado, ficando em terceiro lugar. Fez parte da gestão da então prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, eleita pelo PT em 1988, como secretário de Negócios Jurídicos.

Foi vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara e autor do primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), lançado em 1996, no governo Fernando Henrique Cardoso. Também foi autor do projeto que retirou da Justiça Militar os crimes dolosos contra a vida cometidos por militares em serviço contra civis.

Em 1998, o advogado não se candidatou à reeleição. Eleito vice-prefeito de São Paulo em 2000, foi presidente do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos Humanos na gestão da hoje senadora Marta Suplicy (MDB). Antes da eleição municipal, em fevereiro de 2000, foi escolhido presidente, com mandato de um ano, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), com sede em Washington.

Em 2003, Bicudo foi um dos criadores da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos. A entidade encerrou suas atividades em 2013, por problemas financeiros. Bicudo se casou com Déa Pereira Wilken Bicudo, que morreu no dia 16 de março, aos 96 anos, e com quem teve sete filhos. 

 

Repercussão

“Ao longo de sua vida, pudemos conhecer toda sua trajetória de defesa dos valores democráticos. Minhas sinceras condolências aos seus familiares.”

Michel Temer ​, PRESIDENTE DA REPÚBLICA

 

“Hélio Bicudo dedicou a vida à luta em defesa da justiça e dos direitos humanos. Meus sentimentos a todos os familiares e amigos.”

Márcio França

GOVERNADOR

 

“Minhas condolências à família de Hélio Bicudo pela perda de um brasileiro democrata e grande defensor dos direitos humanos.”

Marta Suplicy

SENADORA (MDB-SP)

 

“Fui amigo e companheiro, na Comissão de Justiça e Paz, do valente advogado Bicudo. Ele simboliza a luta que foi travada pelos direitos humanos. Sua marca foi a coragem e a inteligência, sempre a serviço dos mais fracos.”

José Carlos Dias ​, EX-MINISTRO DA JUSTIÇA

 

“Parte da esquerda de ontem e de hoje, sem o trabalho de Hélio Bicudo, estaria morta. Muitos que lhe devem a sobrevivência sabem que digo o certo.”

Roberto Romano ​, PROFESSOR E EX-PRESO POLÍTICO