Correio braziliense, n. 20194, 04/09/2018. Opinião, p. 11

 

Verdades e mitos sobre terceirização

Almir Pazzianotto Pinto

04/09/2018

 

 

Passará à história a decisão do Supremo Tribunal Federal que encerra o debate em torno da terceirização de atividade-fim. Foram 7 votos a favor e 4 contrários ao reconhecimento de que a contratação de empresa prestadora de serviços é fato positivo, que prejuízo algum causa a terceirizados. Pondo fim à antiga e injustificável controvérsia, o julgamento restabelecerá segurança jurídica nas relações individuais e coletivas de trabalho, com reflexos positivos para toda a economia.

Ausente norma legal impeditiva, a ilegalidade da contratação de empresa prestadora de serviços foi determinada em 29/9/1986 pela extinta Súmula 256, aprovada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), integrado, à época, pelo ministro Marco Aurélio. Decretou a ilegalidade da terceirização, exceto nos serviços de vigilância e no trabalho temporário, por serem atividades objeto de regulamentação e deslocou o vínculo empregatício do prestador para o tomador de serviços. A Súmula 331, de 16/11/1993, procedeu à revisão da Súmula 256 a fim de permitir a contratação de terceirizados para serviços especializados “ligados à atividade meio do empregador”. Vedou a terceirização de atividade-fim e excluiu da transposição do vínculo empregatício a órgãos da Administração Pública indireta, pela exigência de concurso público, instituído pelo artigo 37, II, da Constituição de 1988.

O vácuo legislativo foi preenchido pela Lei nº 13.429, de 31/3/17, que dispõe especificamente “sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros”. A Lei nº 13.467, de 13/7/17, sobre a reforma trabalhista, afastou eventuais dúvidas e disciplinou a matéria de forma conclusiva.

Passando ao largo de questões processuais, solucionadas pelo STF, convido o leitor a voltar atenções para a vida real antes de tomar posição na matéria. Mais de 13 milhões de pessoas válidas (12,4% da População Economicamente Ativa) foram desempregadas pela crise econômica que há mais de três anos paralisa o país. Cerca de 4,8 milhões perderam as esperanças de encontrar trabalho. Entre os estudiosos de economia ninguém acusou a terceirização. O fenômeno do desemprego não é novo. Desde a Primeira Revolução Industrial, o temor da desocupação atormenta o operariado. As causas são outras. Hoje, além da desindustrialização, temos a informatização, a robotização, o microcomputador e a globalização econômica, provocando a invasão do Ocidente por produtos chineses, japoneses, coreanos, que vão de roupas a navios, máquinas e automóveis.

O custo final do produto brasileiro leva a massa consumidora de artigos populares a optar por artigos que entram legal ou ilegalmente no mercado interno. Quem compra não olha a etiqueta para saber onde foi produzido. Analisa o preço. Se estiver dentro do seu poder aquisitivo não deixará de adquirir por ser produto estrangeiro. Ao fazê-lo deu emprego à mão de obra asiática, mexicana, americana, alemã.

A produção industrial obedece a dois principais modelos: o modelo integrado ou verticalizado, e o modelo descentralizado, com forte presença da terceirização. Expoente do primeiro foi o velho Henry Ford, fabricante de automóveis populares e idealizador da linha de montagem. Movido pela obsessão de produzir tudo, em 1927 montou fábrica de borracha na Amazônia, destinada à fabricação de pneus. Investiu pesadamente no plantio de seringueiras, na construção de confortável vila para os trabalhadores e em grande unidade industrial. O fracasso está documentado nas ruínas da Fordlândia.

Os automóveis modernos são frutos da terceirização. A produção de aço, plásticos, motores, transmissões, lubrificantes, suspensões, amortecedores, sistemas multimídia, vidros, retrovisores, rodas e pneumáticos é contratada com terceiros. A montadora participa com a carroceria, a montagem e a pintura. Operários especializados instalam painéis, cabos elétricos, bancos. Todo processo industrial se desenvolve com a utilização de máquinas automáticas e robôs. A publicidade, comercialização e assistência pós-venda são de terceiros.

Grande terceirizador é o administrador público. Abandonou a elaboração de projetos e a construção direta de edifícios, estradas, aeroportos, portos, ferrovias, usinas hidroelétricas, para contratar prestadores de serviços, utilizando a Lei nº 8.666/93 inspirada no Decreto-Lei nº 200/1967. Ignorar realidade é um dos pecados mais cometidos em Brasília. As consequências recaem sobre 210 milhões de brasileiros.

» ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho