Título: Poluição calculada
Autor: Ulhoa, Marcela
Fonte: Correio Braziliense, 25/05/2012, Ciência, p. 20

Novo método desenvolvido por cientistas das universidades americanas de Utah e Harvard é mais barato e fornece dados mais precisos para medir emissões de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. Com a Rio+20 batendo à porta e a possibilidade de um acordo entre diversos países para estabelecer metas de redução de emissão dos gases responsáveis pelo efeito estufa, nada mais oportuno do que uma forma de controle eficiente e, o melhor: que caiba no bolso.

O biólogo Jim Ehleringer, um dos autores do estudo, explica que o grande avanço da pesquisa está na possibilidade de estimar a quantidade de gás emitida em uma cidade por meio da mensuração direta do nível de CO2 concentrado próximo ao solo. "O método é direto, pode ser repetido e replicado com o mesmo equipamento científico em todos os países do mundo", garante Ehleringer. Atualmente, a ferramenta de medição utilizada mundialmente por empresas e governos na identificação e gerenciamento de suas emissões dos gases de efeito estufa é o chamado Inventário de Carbono. Nele, cada setor produtivo responde a um formulário anual fornecendo os números referentes à sua emissão individual. Com isso, um cálculo de aproximação é feito cruzando as informações cedidas, por exemplo, por indústrias, montadoras, agentes do setor agropecuário, grandes empresas e usinas termelétricas, entre outros.

O problema é que um retrato das emissões realizado por centenas de instituições, cada uma utilizando métodos distintos para uma variedade de setores, dificilmente representa um panorama satisfatório da quantidade de gases do efeito estufa emitidos por uma nação. O que os pesquisadores norte-americanos fizeram foi achar uma maneira muito mais simples de quantificar o carbono, sem precisar contar com a boa vontade de indústrias, empresas e mais uma infinita lista de colaboradores voluntários. É importante pontuar que, pelo menos no Brasil, nenhum setor é obrigado a fornecer os dados de suas emissões de gases de estufa (leia Para saber mais).

O local escolhido pelos cientistas americanos para realizar os primeiros testes foi Salt Lake Valley, capital do estado de Utah, nos Estados Unidos. O novo método quantifica as emissões de CO2 em centros urbanos a partir de uma simulação de computador capaz de cruzar três tipos de informação. A primeira vem da mensuração da concentração do gás próximo ao solo. Para isso, foram instaladas três estações de monitoramento com base terrestre: uma na Universidade de Utah, outra no centro de Salt Lake City e a última na cidade de Murray.

A segunda medida é formada por dados provindos de estações meteorológicas no vale, que fornecem, por exemplo, a direção e a velocidade do vento, fatores que influenciam na concentração dos gases em cada localidade. Por último, são utilizados dados de satélite que mapeiam os locais com probabilidade de maior emissão de carbono, como as áreas onde estão localizadas indústrias e termelétricas.

O monitoramento foi iniciado em 2002, como parte de um estudo da National Science Foundation. Após 10 anos de coleta e análise de dados, Ehleringer acredita ser possível garantir a viabilidade do projeto, o que não significa a ausência de necessidade de ajustes e melhoras. No estágio atual da pesquisa, o método consegue mensurar variações de 15% em emissões de CO2 na atmosfera, entretanto, a margem de erro recomendada pela Academia Nacional de Ciência dos Estados Unidos encontra-se na faixa dos 5%. Os próximos passos do estudo são, justamente, diminuir essa lacuna, explica o biólogo.

Útil ao Brasil

Segundo Carlos Nobre, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do MCTI, depois de aperfeiçoado, o novo método pode ser um interessante instrumento de mensuração de carbono nos centros urbanos brasileiros, como Rio de Janeiro e São Paulo. O secretário, entretanto, reforça a diferença existente no padrão de emissão do carbono entre Brasil e Estados Unidos. "O método foi pensado dentro da realidade norte-americana, de centros urbanos com indústrias, com uma matriz energética baseada em termelétricas. O Brasil é muito diferente, 80% da nossa energias vem das hidrelétricas, localizadas fora das cidades", explica. Mesmo assim, Nobre acredita que vale a pena o investimento, principalmente por se tratar de um método preciso e economicamente viável.

O estudo americano descreve somente as variações de CO2, entretanto, a mesma abordagem analítica pode ser aplicada a outros gases responsáveis pelo efeito estufa, como o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O). Uma das intenções dos pesquisadores da Universidade de Utah e de Harvard é trabalhar a ferramenta para torná-la útil às cidades, aos estados e às nações em busca de formas mais "verdes" de desenvolvimento, "proporcionando uma melhor qualidade de vida para os cidadãos e um ambiente melhor para atrair novos negócios", aponta Ehleringer.

Para saber mais

Medida de emissões no Brasil

De acordo com a assessoria do Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação (MCTI), para fazer a contabilidade dos gases de efeito de estufa no país, são utilizados diversos padrões, protocolos e metodologias de qualificações, cada um com um grau de precisão distinto. O Brasil, por ser signatário da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, aprovada em 1992 na sede da ONU, em Nova York, tem o compromisso de elaborar e atualizar periodicamente inventários nacionais de emissões antrópicas (relativas às atividades humanas). Para tanto, o país estabeleceu uma equipe que, sob a Coordenação do MCTI, é responsável por elaborar a Comunicação Nacional. No documento, entre outros tópicos, deve constar o inventário de emissões dos principais gases de efeito estufa (CO2,CH4, N2O) em cinco setores: energético, industrial, uso da terra e desmatamento, agropecuária e tratamento de resíduos. A última Comunicação Nacional, lançada em 2010, contou com a contribuição de mais de 1.200 especialistas e centenas de instituições. (MU)