O globo, n. 30991, 13/06/2018. País, p. 3

 

Na Esplanada, sem foro

Eduardo Bresciani

13/06/2018

 

 

STF decide restringir benefício de Blairo Maggi, e medida pode atingir outros ministros

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem restringir o foro de processos criminais envolvendo ministros de Estado. A decisão estende o entendimento já aplicado pela Corte a parlamentares do Congresso no começo de maio. Serão mantidos no tribunal apenas casos que tenham ocorrido durante o exercício do cargo e que tenham relação com a função pública. Caberá a cada relator no STF decidir se vai aplicar esse procedimento. Quando determinou a restrição do foro no mês passado, o plenário da Corte havia analisado apenas a situação de deputados e senadores.

Além do ministro da Agricultura Blairo Maggi, quatro integrantes do primeiro escalão do governo Temer são investigados no Supremo: Eliseu Padilha (Casa Civil), Gilberto Kassab (Ciência e Tecnologia), Moreira Franco (Minas e Energia) e Aloysio Nunes (Relações Exteriores).

A decisão de ontem é um precedente para direcionar novos julgamentos, mas os ministros não são obrigados a segui-lo. Ainda não há elementos para se saber se a remessa dos processos vai ou não assegurar a celeridade dos julgamentos. Quando a restrição ao foro foi julgada pela primeira vez no STF, ministros que votaram contra a mudança da regra argumentaram que enviar um caso à primeira instância não seria garantia de julgamentos e punições rápidas.

A decisão de ontem foi tomada no caso do ministro Blairo, denunciado por corrupção ativa por fato ocorrido em 2009, quando era governador de Mato Grosso. No mesmo julgamento, a Primeira Turma entendeu que o processo não deveria ser remetido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que é o foro de governadores e conselheiros de tribunais de contas estaduais. Pela decisão do Supremo, o caso será remetido à Justiça de Mato Grosso. O relator do processo, Luiz Fux, deixou claro em seu voto que a decisão é uma ampliação do posicionamento adotado pelo plenário.

— No caso, não cabe cogitar da competência do Supremo porque o senador (licenciado) e ministro não praticou os fatos no exercício desses cargos — afirmou Fux.

Ele foi acompanhado por Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Marco Aurélio Mello. O presidente da turma, Alexandre de Moraes, ponderou que o caso deveria ser encaminhado a outro foro pelo fato de Blairo ser senador licenciado, destacando que não analisava no momento a condição dele como ministro.

Assim como o titular da Agricultura, o conselheiro do Tribunal de Contas de Mato Grosso Sérgio Ricardo de Almeida foi denunciado. O STF decidiu também sobre como se aplica a regra a quem ocupa esse tipo de cargo. Para Fux, Barroso, Rosa e Marco Aurélio, o entendimento do plenário deve ser aplicado da mesma forma.

— Ficou acertado que as outras hipóteses seriam analisadas à medida que surgissem. Estou entendendo que, no caso de conselheiros, se aplica — disse Barroso, relator do caso inicial no plenário.

Alexandre de Moraes ficou vencido. Ele entendia que o caso deveria ser encaminhado ao STJ, que tem votação em andamento sobre se o precedente do plenário do STF seria ou não aplicado a conselheiros.

Além do relator de cada processo no Supremo ter de decidir se aplica ou não a nova fórmula, há ainda a espera pelos integrantes da Segunda Turma, que não debateram o tema específico e poderão tanto aplicar esse entendimento quanto continuar com o posicionamento anterior e manter os casos no STF.

COMPRA E VENDA DE CADEIRAS NO TCE

O ministro Luís Roberto Barroso destacou que a decisão de ontem tem o mesmo raciocínio da interpretação adotada pelo plenário em relação aos parlamentares. — Esse foi o entendimento da maioria da Primeira Turma. Aplicamos a mesma lógica que o plenário afirmara para parlamentares a ministro de Estado e a conselheiro de tribunal de contas. Isto é: o fato tem que ter sido praticado no cargo e em razão do cargo — observou Barroso, após o julgamento. Ao GLOBO, um outro integrante da Primeira Turma afirmou que, apesar de haver uma tendência de que a decisão seja aplicada como regra, cabe a cada magistrado decidir como procederá porque “não se pode obrigar outro ministro a seguir esse entendimento”.

De acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), Blairo participou de um suposto esquema de compra e venda de cadeiras no tribunal de contas do seu estado. Um conselheiro, Alencar Soares, teria recebido R$ 12 milhões para deixar a cadeira com o objetivo de que Sérgio Ricardo, então deputado estadual, fosse indicado para a vaga na ocasião. Depois, novo acerto foi feito para que o conselheiro desistisse da renúncia porque teria ocorrido um desacordo com quem ocuparia a vaga. Sérgio Ricardo acabou chegando à função de conselheiro em 2012.

Blairo Maggi afirma que provará sua inocência. “Quando decidiu abrir mão em fevereiro de 2018 de disputar à reeleição ao Senado, antes do julgamento do STF restringindo o foro, o ministro Blairo Maggi fez uma opção consciente por desconsiderar qualquer hipótese de se valer de foro privilegiado em julgamentos. A remessa do caso à Justiça de Mato Grosso é um desdobramento natural da investigação. O ministro reafirma sua confiança na Justiça, onde provará sua inocência”, diz nota divulgada por ele.

Blairo responde ainda a mais dois inquéritos na Corte. Ele é acusado de ter recebido de forma irregular R$ 12 milhões da Odebrecht em sua campanha para a reeleição 2006. Esse caso está sob a relatoria de Edson Fachin. Há ainda outro procedimento em relação à sua atuação como governador, sob a relatoria de Fux, que tem como base a delação de Silval Barbosa, sucessor de Blairo como governador. O ministro é acusado de envolvimento com empréstimos simulados e na tentativa de corrupção de uma testemunha. Blairo também nega as acusações.

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No Superior Tribunal de Justiça, nove têm 52 processos

Daniel Salgado

13/06/2018

 

 

Corte ainda não tomou decisão final sobre restrição de foro privilegiado

Enquanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não toma uma decisão final sobre a restrição ao foro privilegiado, pelo menos nove governadores e exgovernadores respondem a processos na Corte. De acordo com a assessoria do STJ, os chefes dos estados são alvos de 52 processos, sigilosos ou não, no tribunal: 16 ações penais, 26 inquéritos e dez sindicâncias. Algumas das investigações, porém, correm em sigilo, o que pode aumentar o número.

Entre os nomes que aguardam deliberações do STJ, que decide não apenas sobre os casos mas também se devem ser rebaixados para instâncias inferiores, estão os governadores Luiz Fernando Pezão (MDBRJ), Fernando Pimentel (PTMG), Waldez Goés (PDT-AP), Ricardo Coutinho (PSB-PB), Wellington Dias (PT-PI) e Robinson Faria (PSD-RN).

Além deles, três ex-governadores que recentemente abriram mão de seus respectivos cargos para poder concorrer nas eleições fazem parte da lista: Beto Richa (PSDB-PR), Marconi Perillo (PSDB-GO) e Confúcio Moura (MDB-RR).

No STJ, há casos de denúncias por fraude em licitações, improbidade administrativa e até crimes eleitorais, contra o meio ambiente e homicídio, as duas últimas feitas contra o governador do Piauí, Wellington Dias. Ele chegou a depor no STJ sobre o caso e é acusado de homicídio culposo pelo Ministério Público Federal (MPF) por negligência envolvendo a Barragem Algodões I, que desabou em 2009, durante seu segundo mandato, e deixou nove mortos. Para o MPF, o governador agiu irresponsavelmente ao permitir o retorno das famílias que moravam no entorno da represa, descumprindo uma ordem judicial que determinou o afastamento delas do local.

A última decisão monocrática sobre a ação penal, do ministro Felipe Salomão, expedida no dia 8 de maio, determinava que o MPF e a defesa se manifestassem sobre a competência do STJ de julgar a questão. A decisão levava em consideração a mudança de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), determinando que o foro privilegiado se limite a crimes praticados no exercício e em razão da função pública.

Citado por 14 delatores, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, é um dos campeões de processos no STJ. Alvo de quatro ações penais, o petista foi denunciado na última semana pela quarta vez pelo MP com base nas investigações da Operação Acrônimo.

Outro governador alvo de várias ações é Pezão. O emedebista teve um inquérito arquivado no fim de março, no qual era acusado de crimes contra a administração pública e lavagem de dinheiro a partir de denúncias do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.

AINDA SEM DECISÃO

O governador do Rio, no entanto, passou a ser investigado, em maio, em novo inquérito no STJ, sob a relatoria do ministro Felix Fischer. A ação é baseada na delação do operador Carlos Miranda, que acusa o governador de receber uma “mesada” de R$150 mil entre os anos de 2007 e 2014, quando ainda era vice de Cabral.

Assim como o STF, que decidiu por restringir o foro privilegiado de deputados e senadores para crimes exercidos durante o mandato, o STJ continua hoje o julgamento sobre a restrição de foro para as autoridades que julga. Ou seja, se ações contra governadores, integrantes de tribunais de contas e desembargadores devem se manter dentro do tribunal.

Também são assunto hoje na pauta da Corte Especial uma ação penal e um inquérito contra Waldez Góes e Marconi Perillo, respectivamente. Ambos os casos também exemplificam questões ainda discutidas pela Corte quanto ao alcance do foro privilegiado para os governadores.