O globo, n. 31098, 28/09/2018. País, p. 4

 

MAIS UMA CRISE

Jussara Soares

28/09/2018

 

 

Mourão critica 13º salário, e Bolsonaro vai à internet para desautorizá-lo

Uma nova crise se instalou na campanha do candidato à Presidência do PSL, Jair Bolsonaro, após mais uma declaração polêmica de seu vice, general Hamilton Mourão (PRTB). Dessa vez, o militar da reserva criticou o pagamento de 13º salário e do abono de férias aos trabalhadores. Ele já havia dito que casas com apenas mães e avós seriam uma “fábrica de desajustados”, assim como defendeu uma nova Constituição, elaborada apenas por notáveis.

O mais recente episódio envolvendo Mourão na campanha presidencial deixou Bolsonaro contrariado. Interlocutores do PSL afirmam que o general já havia sido advertido outras três vezes pelo cabeça de chapa para que fosse mais comedido em suas palestras e evitasse temas controversos par apoupara candidatura.

A crítica de Mourão ao pagamento do 13º salário e do abono das férias ocorreu na última quarta-feira, durante uma palestra na Câmara de Dirigentes Lojistas de Uruguaiana (RS). Na ocasião, o militar comparou os benefícios trabalhistas a “jabuticabas brasileiras.” Ou seja, algo que só existe no Brasil.

Mourão também afirmou que é preciso enxugar o tamanho do Estado e fazer um ajuste nas contas públicas, hoje deficitárias. Para isso, defendeu, é preciso “procurarmos formas de renegociarmos os juros da dívida pública”.

—Temos algumas jabuticabas que agentes abeque são uma mochila nas costas de todo empresário. Jabuticabas brasileiras: 13º salário. Se a gente arrecada 12 (meses), como é que nós pagamos 14? É complicado. E (o Brasil) é o único lugar em que a pessoa entra de férias e ganha mais —disse Mourão, no evento.

Logo que a notícia foi divulgada, o presidenciável ligou para seu companheiro para repreendê-lo. Em seguida, foi ao Twitter para desautorizá-lo e expor publicamente sua contrariedade .“O 13° salário do trabalhadores tá previsto no art .7° da Constituição em capítulo das cláusulas pétreas (não passível de ser suprimido sequer por proposta de emenda à Constituição). Criticá-lo, além de uma ofensa a quem trabalha, confessa desconhecera Constituição ”, escreveu o presidenciável, que pela primeira vez manifestou contrariedade publicamente com o vice.

Segundo Bolsonaro, Mourão tem quedar explicações e defende rate sede que suas declarações eram de cunho pessoal, e não um posicionamento da campanha. Agora, o candidato quer que o vice compareça a debates para que explique suas declarações públicas. Durante o dia de ontem, a campanha chegou a cogitar afastá-lo dos eventos com os adversários. Mourão é esperado, segunda-feira, no programa “Roda Viva”, da TV Cultura. No dia seguinte, o SBT promove um debate com os candidatos a vice.

O presidente do PSL, Gustavo Bebianno, reforçou que a crítica aos benefícios é uma posição pessoal do militar, e não um plano de governo:

— Essa não é uma proposta da campanha do Jair Bolsonaro ou do Paulo Guedes. Não há nada sobre acabar com o 13º salário ou férias. Isso é uma posição pessoal do (General) Mourão.

No final da tarde, o vice de Bolsonaro divulgou nota amenizando suas declarações. Afirmou que acrítica feita ao 13º salário e ao adicional de férias não significa uma proposta de mudar os benefícios. Mourão reclamou que afala terias ido “descontextualizada ”.“O contexto foi em torno do planejamento gerencial necessário para que o 13º salário seja pago, ou seja, governos e empresários devem reservar, ao longo do ano, recursos de modo afazer frente à despesa. Trata-se de um custo social, que faz parte do chamado custo Brasil”, diz trecho da nota.

Entre assessores próximos de Bolsonaro, o entendimento é que Mourão não age por “deslealdade” ou por “conspiração”, mas por “ingenuidade política”. Apesar de causar mal-estar, nenhum integrante da campanha disse que a escolha de Mourão possa ter sido umer roem razão dese uprot agonismo enquanto Bolsonaro está internado. Uma possível substituição também não foi cogitada na campanha. Segundo a legislação, são válidas substituições de candidatos somente se o pedido for apresentado até 20 dias antes da eleição, exceto em caso de falecimento de candidato.

ALTA ADIADA

Entre generais do Exército, entusiastas da candidatura de Bolsonaro, anova polêmica envolvendo Mourão foi considerada “horrível”, “desnecessária” e “desastrosa”. Eles passaram o dia discutindo a necessidade de Mourão afastar-se da campanha, já que, no entendimento deles, o vice está “atrapalhando”.

Ontem, a equipe médica do hospital Albert Einstein decidiu que Jair Bolsonaro permanecerá mais um ou dois dias internado para continuar um tratamento prolongado de antibióticos. A alta estava prevista para hoje.

Os médicos informaram que foi constatada uma infecção bacteriana, diagnosticada após a retira dado cateter .( colaborou Vinicius S assine)

“Temos algumas jabuticabas que a gente sabe que são uma mochila nas costas de todo empresário. Jabuticabas brasileiras: 13º salário. Se a gente arrecada 12 (meses), como é que nós pagamos 14?É complicado. E (o Brasil) é o único lugar em que a pessoa entra de férias e ganha mais”

Hamilton Mourão, Vice na chapa de Bolsonaro

UM GENERAL SEM FREIO

Fábrica de desajustados

Em 17 de setembro, durante palestra na cidade de São Paulo: “A partir do momento em que a família é dissociada, surgem os problemas sociais. Atacam eminentemente nas áreas carentes, onde não há pai e avô. É mãe e avó. E, por isso, torna-se realmente uma fábrica de elementos desajustados que tendem a ingressar nessas narcoquadrilhas”.

Constituição sem os eleitos pelo povo

Em 13 de setembro, em Curitiba: “Já tivemos vários tipos de Constituição que vigoraram sem ter passado pelo Congresso eleito”.

‘Autogolpe’

Em 7 de setembro, durante entrevista à GloboNews: “O próprio presidente é o comandantechefe das Forças Armadas. Pode decidir isso. Ele pode decidir empregar as Forças Armadas. Aí você pode dizer: ‘Mas isso é um autogolpe’. É um autogolpe, você pode dizer isso”.

Indolência e malandragem

Em 6 de agosto, em ato no R S: “Está aí essa crise política, econômica e psicossocial. Temos uma certa herança da indolência, que vem da cultura indígena. E eu sou indígena, meu pai era amazonense. E a malandragem é oriunda do africano. Então esse é o nosso caldinho cultural”.

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Adversários reagem à declaração de candidato a vice

28/09/2018

 

 

‘Imperdoável’, ‘inacreditável’, ‘ataque à Constituição’, dizem candidatos; Alckmin faz ajuste de última hora e leva polêmica para a TV

Os adversários de Jair Bolsonaro na disputa presidencial reagiram às declarações do general Hamilton Mourão no Rio Grande do Sul, quando defendeu o fim do 13º salário e do abono de férias. Ontem à noite, Geraldo Alckmin (PSDB) levou ao programa de TV uma referência ao tema, inserida de última hora: “Ele não, 13º sim”. A partir de hoje, a fala do general passará a ser explorada em inserções ao longo da programação no rádio e na TV. Pela manhã, Alckmin já havia dito que a proposta não era “razoável”.

— Não é possível achar que o trabalhador que sua a camisa e muitas vezes é até explorado não tenha direito a um 13º salário. Não é razoavel — afirmou Alckmin, após deixar um evento evangélico em São Paulo em que foi hostilizado por eleitores de Bolsonaro.

Em nota, a Comissão Executiva Nacional do PT afirmou que o 13º “é uma conquista histórica da classe trabalhadora, assim como a gratificação de férias”. O partido disse que é “inacreditável que alguém se candidate a governar o país propondo massacrar ainda mais os trabalhadores”. O candidato da legenda, Fernando Haddad, é o segundo colocado nas pesquisas, atrás de Bolsonaro.

Ciro Gomes (PDT), que está em terceiro, afirmou que quem não tinha motivos para não votar no candidato do PSL agora ganhou, e destacou a possibilidade de Mourão vir a ser presidente.

—Imagine que esse homem pode virar presidente da República, como acabou acontecendo com três vices na História recente do Brasil, entre eles Sarney e Temer. Se você ainda não tinha um motivo para não votar no Bolsonaro, agora tem — disse Ciro, em vídeo divulgado nas duas redes sociais.

Marina Silva (Rede) escreveu em sua conta no Twitter que Mourão “atacou a Constituição” e afirmou que os eleitores precisam ter atenção com os vices de cada chapa.

“Vice do Bolsonaro, Mourão atacou a Constituição quando ‘jabuticabou’ a importância do 13º salário e férias. Além de analisar os candidatos, PRESTEM MUITA ATENÇÃO NO VICE. Já sabemos o que a escolha mal feita de um vice pode fazer ao país”, disse Marina.

Para Alvaro Dias (Podemos), que também se pronunciou pelo Twitter, a “fala de Mourão contra 13º e férias é imperdoável, porque defende um retrocesso, especialmenteparaotrabalhador,que tem sofrido demais com uma política draconiana do governo, que esmaga o setor produtivo com extorsão tributária que impede os cidadãos de ganharem o que merecem”.