Título: 13 mil mortos e nenhuma solução
Autor: de Luna Thais
Fonte: Correio Braziliense, 28/05/2012, Mundo, p. 12

Conselho de Segurança condena governo por calamidade em Hula, mas fim da crise está distante. Oposição convoca %u201Cbatalha pela liberdade%u201D THAIS DE LUNA

População participa de enterro de vítima da repressão do governo sírio, segundo a oposição: na tentativa de salvar plano de paz proposto pela ONU, Kofi Annan volta hoje ao país

Após uma reunião de emergência que durou três horas, o Conselho de Segurança das Nações Unidas condenou, por unanimidade, o governo da Síria pelas mortes ocorridas durante o fim de semana na cidade de Hula, província de Homs. Os ataques, ocorridos entre sexta-feira e sábado, deixaram 108 mortos e mais de 300 feridos, segundo nova estimativa divulgada ontem pela ONU. Apesar da concordância da Rússia — que já freou tentativas de outros membros do conselho de impor resoluções contra o regime sírio —, a medida ainda não corresponde aos anseios dos opositores do presidente Bashar al-Assad, por não prever nenhuma ação diferente das que já vinham sendo tomadas em relação à crise, que segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH) já fez 13 mil vítimas. Ontem, a oposição convocou uma "batalha de libertação", indicando que a violência está longe do fim.

Apesar de considerar o resultado da decisão "importante", o embaixador britânico junto à ONU, Mark Lyall-Grant, reconheceu que o comunicado emitido pelo conselho é "insuficiente". Na declaração, os 15 membros do órgão também condenaram "o assassinato de civis por tiros a queima-roupa e por abusos físicos graves".

O impasse continua na Síria, com acusações mútuas entre governo e oposição. O gabinete de Assad fez questão de frisar que não foi o responsável pela tragédia. "Negamos totalmente qualquer responsabilidade do governo nesse massacre terrorista", anunciou à imprensa o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Jihad Makdissi, ressaltando que será aberta uma investigação sobre o ocorrido. O porta-voz deu sua versão da história: "As forças terroristas se dirigiram a essa região (Hula), que está protegida pelas tropas governamentais, (...) e atacaram vários postos militares. Centenas de homens armados se reuniram em várias caminhonetes carregadas com armamento pesado, morteiros e metralhadoras". As tropas do governo, então, teriam apenas respondido em legítima defesa à ofensiva, com mísseis antitanque.

Sem atribuir a autoria do crime a ninguém, o general Robert Mood, chefe dos observadores da ONU na Síria, confirmou que, entre sexta-feira e sábado, armas pesadas de tanques de guerra dispararam contra quem estava nas ruas de Homs. Segundo Yezid Sayigh, especialista em Oriente Médio do Carnegie Middle East Center, no Líbano, a tragédia pode ter sido sim causada pelos militares, mas não foi necessariamente por ordens do regime. "A violência pode resultar da política geral do Exército, que aplica métodos próprios para conter protestos", afirmou ao Correio.

Guerra civil Em uma tentativa desesperada de implantar o plano de paz da ONU, o emissário internacional Kofi Annan, que desde abril negocia uma trégua entre governo e opositores, chega hoje à Síria. Um dos pontos do projeto é o cessar-fogo de ambas as partes, que vigora desde 12 de abril, mas foi desrespeitado diariamente. De qualquer maneira, o fracasso do plano de Annan parece iminente, já que o líder opositor Burhan Ghaliun chamou a população para participar de uma "batalha de libertação" contra a ditadura de Assad, no poder desde 2000. "Convoco o povo a travar uma batalha, contando com suas próprias forças, com os rebeldes mobilizados em todo o país e nas brigadas do Exército Sírio Livre (ESL)", anunciou, em uma coletiva de imprensa na Turquia.

Ele acrescentou que sua iniciativa só terá fim quando "a ONU assumir suas responsabilidades sob o capítulo 7 (do Conselho de Segurança)", que autoriza uma intervenção militar quando há ameaça à paz de uma nação. Para Peter Robert Demant, professor do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint) da Universidade de São Paulo (USP), a oposição pode desencadear uma guerra civil, mas dificilmente conseguirá derrubar, por forças próprias, o regime de Assad. "Pelo menos por enquanto, o governo goza do apoio passivo de partes significativas da população, em particular entre as minorias (alauitas, cristãos e curdos), e da burguesia mercantil de Damasco e Aleppo, que temem a vingança dos sunitas", detalhou.

Sem uma abordagem política comum vinda do Conselho de Segurança e outras nações ligadas à Síria, Sayigh acha difícil o fim da violência no país. "Se esses combates continuarem e se ampliarem, provavelmente vão afetar seus vizinhos, como o Líbano", alertou. Demant, por sua vez, considera que a responsabilidade da comunidade internacional é proteger os direitos humanos dos sírios, motivo pelo qual é a favor de uma intervenção feita por diversas nações, "não apenas as ocidentais".

Novos confrontos Ontem, ocorreram novos confrontos violentos na cidade de Hama, no centro do país. Pelo menos 30 pessoas morreram quando tanques do regime invadiram bairros residenciais que serviam de base para os rebeldes, disseram ativistas da oposição citados pela agência Reuters. Outros dois homens foram mortos em protestos em Yalda e Daraya, subúrbio de Damasco. Desde o início da revolta contra o regime de Assad, mais de 13 mil pessoas perderam a vida, de acordo com o OSDH. Das vítimas, 9.183 são civis, 3.072 são das forças do governo e 794, opositores.

Entenda como se desenrolou a crise síria

26 de janeiro de 2011 A revolta na Síria começou com uma série de protestos populares, seguindo a Primaver Árabe, iniciada na Tunísia e no Egito. O povo sírio marchou nas cidades exigindo mais liberdade.

18 de março de 2011 A população da cidade de Deraa exigia a libertação de 14 estudantes presos e torturados por escreverem em uma parede o slogan que iniciou a Primavera Árabe: "As pessoas querem a queda do regime". No primeiro protesto contra o governo, forças de segurança abriram fogo e mataram quatro pessoas.

21 de abril de 2011 O presidente Bashar al-Assad revogou a Lei de Emergência, em vigor havia 48 anos, mas forças do governo continuaram a abrir fogo em protestos e a deter pessoas sem mandatos de prisão. O número de mortos chegou a mil, depois que os protestos antigoverno se espalharam.

Outubro de 2011 Grupos de oposição declararam apoio às exigências dos manifestantes, levando à formação do Conselho Nacional Sírio. Liderada pelo cientista político Burhan Ghalioun e com o apoio da Irmandade Muçulmana, a organização apoia a derrubada do governo Assad.

Novembro de 2011 A Liga Árabe, que já pedia pelo fim da violência no país, aprovou a suspensão da Síria do grupo. O país recebeu ainda sanções econômicas por hesitar em receber uma missão de observação para supervisionar a retirada de tropas e tanques das ruas.

26 de fevereiro de 2012 Uma nova constituição foi aprovada em referendo popular. O documento determinou a inclusão de outras legendas políticas e derrubou o artigo que fazia do partido governista "líder do Estado e da sociedade". O mandato presidencial ficou limitado a dois períodos de sete anos.

3 de fevereiro de 2012 Tem início um bombardeio de 27 dias contra o Exército da Síria Livre, na região residencial de Baba Amr. Cerca de 700 pessoas foram mortas na ofensiva. O representante das Nações Unidas Kofi Annan sugeriu um cessar-fogo que teria de ser cumprido até 10 de abril. No entanto, o governo sírio declarou dias antes do prazo que o exército permaneceria nas ruas até que os protestantes dessem garantias de que "dariam um fim à violência". Os rebeldes se recusaram a cumprir a demanda.

Março de 2012 O presidente Assad adiou para 7 de maio as novas eleições. Descrentes com o plano de paz da ONU, com a nova constituição e com as eleições, a maioria dos grupos protestantes declarou o Conselho Nacional Sírio o novo "interlocutor e representante do povo sírio".

7 de maio de 2012 As eleições parlamentares terminaram com a vitória do partido líder conservador Baath, que ficou com 60% dos 250 assentos do parlamento.

25 de maio de 2012 Um bombardeio à cidade de Hula matou 108 pessoas. Ontem, o Observatório Sírio de Direitos Humanos divulgou que o conflito sírio já causou a morte de 13 mil pessoas. Entre as vítimas, quase 9,2 mil eram civis.