Título: Brunelli atrás das grades
Autor: Tahan, Lilian
Fonte: Correio Braziliense, 28/05/2012, Cidades, p. 17

Ex-distrital acusado de desviar pelo menos R$ 1,7 milhão em emendas se entrega na 5ª DP. De acordo com o mandado temporário, ele deve ficar detido por cinco dias, mas a polícia pode pedir a prisão preventiva, o que o deixaria na cadeia por pelo menos mais um mês » LILIAN TAHAN

Depois de quatro horas de depoimento na 5ª DP, o preso foi encaminhado ao Instituto Médico Legal para o exame de corpo de delito

O ex-distrital Júnior Brunelli dormiu na prisão. Conseguiu a prerrogativa de ficar sozinho em uma cela, de entrar e sair pela garagem e, assim, não ser exposto publicamente. Mas não se livrou das grades. Desde ontem, quando se entregou, por volta das 13h, Brunelli ficou detido na 5ª Delegacia de Polícia (DP), área central de Brasília. Só saiu de lá para fazer o exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML), voltando em seguida para a DP, onde cumpre mandado de prisão temporária de cinco dias. Conhecido como o deputado da oração da propina na Operação Caixa de Pandora (leia Memória), o ex-parlamentar é acusado, em uma outra linha de investigação, de crimes como formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, peculato e uso de documento falso. Inquérito da Polícia Civil aponta Brunelli como o chefe um esquema de desvio de, pelo menos, R$ 1,7 milhão em emendas parlamentares destinadas a ações sociais para idosos (leia Para saber mais).

Até o início da tarde de ontem, Brunelli era considerado foragido. Na sexta-feira, agentes da Divisão Especial de Combate ao Crime Organizado (Deco) cumpriram mandado de busca e apreensão na casa do ex-deputado, na Superquadra Brasília. Ele deveria ter sido preso na ocasião, mas escapou antes de a polícia chegar. Desde então, os advogados se mobilizaram para fazer valer as prerrogativas de Brunelli, que é formado em direito. Entre as regalias, ficar em uma sala de Estado-Maior, privativa, sem grades e com banheiro. Também queriam evitar holofotes e algemas.

Brunelli conseguiu, em parte, algumas das condições apresentadas por seus advogados — eram quatro que o acompanhavam ontem. Durante o tempo em que esteve na 5ª DP, não foram permitidas imagens do ex-deputado. Ele prestou depoimento por quatro horas. Ao deixar o prédio em direção ao IML, usou a garagem e saiu com a cabeça coberta por uma jaqueta. Os carros da polícia fizeram uma barreira para que ele não ficasse exposto às câmeras. Se fosse um preso comum, Brunelli teria seguido do IML para o Departamento de Polícia Especializada (DPE), onde as celas chegam a reunir até 20 presos.

A Polícia Civil avaliou que, por uma questão de segurança e para atender à prerrogativa de advogado, Brunelli deveria ser mantido na 5ª DP. "Hoje (domingo), foi a solução administrativa que achamos melhor. Amanhã (segunda-feira), ele poderá ser transferido. O local para onde será levado está sendo decidido pela direção da Polícia Civil", informou o delegado Henry Peres. Ele chefia a Deco e coordena a Operação Hofini, da Polícia Civil, que prendeu Brunelli. De acordo com o delegado, há possibilidade de o ex-distrital ser transferido para a DPE, mas, se isso ocorrer, ou ele ficaria sozinho em uma cela, ou com determinados tipos de presos, como os que cumprem mandados por não pagarem pensão alimentícia.

Privada entupida

Embora Brunelli esteja sozinho em uma cela da 5ª DP, os advogados dele não gostaram das instalações do cárcere. Reclamaram de o lugar não ter chuveiro e de a privada estar entupida. O ex-distrital chegou à delegacia carregando uma bolsa com mudas de roupas e um colchão. Também levou a própria refeição. "Hoje, foi permitido que ele comesse a comida que trouxe de casa, mas, amanhã, vai entrar na marmita", informou Henry Peres. A cela de Brunelli tem por volta de 8 metros quadrados.

O chefe da Deco disse que, apesar de um pouco abatido, Brunelli respondeu às perguntas do interrogatório com tranquilidade. O delegado afirmou que, por enquanto, o teor do depoimento será mantido em sigilo. "Existem pontos a serem esclarecidos, interessantes para a investigação, mas que necessitam de confirmação, por isso o teor será resguardado no sigilo", disse Henry Peres. Não está descartado ainda que a polícia peça a prisão preventiva para Brunelli, o que estenderia a detenção dele por, pelo menos, mais 30 dias.

Acompanhado por quatro advogados, entre eles o criminalista Eduardo Toledo, que é conselheiro da Ordem dos Advogados, seccional do DF (OAB-DF), Brunelli deve se tornar alvo de ação no Tribunal de Ética e Disciplina (TED) na OAB-DF. O presidente da Ordem no DF, Francisco Caputo, disse ao Correio que, na opinião dele, há elementos suficientes para a abertura de processo cujo desfecho pode ser até a expulsão de Brunelli da entidade e a perda das prerrogativas de advogado. A OAB-DF vai pedir hoje à polícia uma cópia do inquérito sobre o caso. Os defensores de Brunelli não quiseram falar com a reportagem.

Prerrogativa A sala de Estado-Maior, em geral, fica em um quartel das Forças Armadas. Costuma ser um espaço sem grades, com sofá, banheiro e, em alguns casos, até chuveiro. A Lei nº 8.906, de 1994, prevê que advogados inscritos na OAB têm a prerrogativa de, quando presos em condição temporária, ficarem abrigados em sala de Estado-Maior. Na falta de uma, há um dispositivo (Inciso 5º, do Artigo 7º) que autoriza a prisão domiciliar.

Desvio de dízimos O nome Hofini é em referência ao filho de um sacerdote que desviava dízimos de fiéis. Comandada pela Polícia Civil, essa operação é o resultado de investigações que começaram em 2010.

Para saber mais

Atendimento a idosos Iniciado em 2010, o inquérito sob a responsabilidade da Divisão de Combate ao Crime Organizado da Polícia Civil (Deco) investiga um esquema de corrupção que teria o ex-deputado Júnior Brunelli como líder. Segundo os investigadores, o ex-distrital roubou em 2009, com a ajuda de três supostos comparsas, pelo menos R$ 1,7 milhão do dinheiro de emendas parlamentares destinadas à Associação Monte das Oliveiras (AMO). A entidade é administrada por familiares de Brunelli e foi beneficiada com o dinheiro liberado pela Secretaria de Desenvolvimento Social que deveria subsidiar quatro programas voltados para o atendimento a idosos.

Em vez de melhorar a qualidade de vida desse público da terceira idade, no entanto, o dinheiro recebido pelo governo era desviado com a ajuda do assessor Adilson de Oliveira, responsável por lavar o dinheiro. Para justificar os gastos com a AMO, Brunelli pegava notas fiscais em nome de duas empresas de fachada de Adilson, além de usar firmas de fachada. Teria adulterado até notas que justificariam o lanche para os idosos.

Em alguns casos, as notas eram clonadas e os valores, adulterados. Spartacus Savite seria o empresário que recebia os cheques em nome da instituição e devolvia os valores em dinheiro para Brunelli. Já a missão de Carlos Antônio Carneiro na suposta quadrilha era organizar e declarar os documentos à Secretaria de Desenvolvimento Social, que em 2009 era chefiada pela deputada distrital Eliana Pedrosa. Na sexta-feira, a polícia prendeu Adilson, Spartacus e Carlos Antônio. Detidos em Taguatinga, eles foram levados para o Departamento de Polícia Especializada.

Memória

Maior crise política do DF Júnior Brunelli foi um dos protagonistas da Operação Caixa de Pandora, que, em 2009, iniciou a maior crise política que o Distrito Federal já viveu. Deputado distrital à época, ele foi flagrado em um dos vídeos gravados pelo ex-secretário de Relações Institucionais do GDF Durval Barbosa. Em uma das gravações, Brunelli recebe dinheiro de Durval, que confessou ao Ministério Público e à polícia que a origem dos recursos era criminosa, do pagamento de propina de empresas contratadas pelo governo. Em uma segunda fita, o ex-distrital aparece abraçado ao ex-colega Leonardo Prudente e a Durval, ocasião em que puxa uma oração pedindo a Deus que os defendesse contra os inimigos políticos. A cena rendeu a Brunelli o apelido de o deputado da oração da propina. Desgastado com o escândalo, ele foi obrigado a renunciar para evitar um processo de cassação de mandato. Filho do pastor Doriel de Oliveira, que fundou a Casa da Benção, ele estava em seu segundo mandato, conquistado com muitos dos votos de fieis da igreja de seu pai.