O globo, n. 31096, 26/09/2018. País, p. 6

 

Telegrama relata ameaça de deputado a ex-mulher

Bruno Góes

26/09/2018

 

 

Registro aparece em documento produzido pelo Itamaraty após Bolsonaro pedir informações sobre filho na Noruega

Telegrama diplomático, encaminhado ao Itamaraty em 2011, revela que a ex-mulher do candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, Ana Cristina Valle relatou à diplomacia brasileira ter sofrido ameaça de morte do deputado. O caso teria ocorrido em meio à disputa pela guarda de um filho. O documento foi revelado pelo jornal “Folha de S.Paulo”, e seu teor foi confirmado pelo GLOBO. De acordo com o ex-embaixador da Noruega Carlos Henrique Cardim, o relato de Ana Cristina foi coletado pelo vice-cônsul do Brasil naquele país, após conversa com a ex-mulher, que também pensava em pedir asilo.

À época, Bolsonaro e a ex-mulher estavam em disputa judicial pela guarda do filho do casal, Renan Valle, então com 12 anos. Ana Cristina viajou para o país com o filho, e Bolsonaro buscou, junto à diplomacia brasileira, informações sobre o paradeiro de ambos no exterior.

Recentemente, Ana Cristina se reaproximou do ex-marido e agora é candidata a deputada federal no Rio pelo Podemos. Ela inclusive usa o sobrenome “Bolsonaro” na campanha. A candidata já disse ter superado os problemas conjugais.Procurada, a assessoria de Bolsonaro não respondeu aos contatos do GLOBO.

Carlos Henrique Cardim diz que apenas registrou os fatos que foram narrados ao vice-cônsul:

— Justamente nesse telegrama está escrito isso: o oficial de chancelaria tinha conversado com a senhora mulher do deputado, Ana Cristina. Ele (oficial) narrou essa situação da ameaça de morte e possível pedido de asilo. Os assuntos consulares têm uma rotina. Tratamos os brasileiros de uma maneira equânime. O consulado não é uma delegacia de polícia — disse o diplomata.

O diplomata relata que Bolsonaro chegou fazer contato telefônico para que sua então mulher fosse localizada. E que o fato ocorreu poucos dias depois de um atentado ocorrido em Oslo. Em julho daquele ano, o norueguês Anders Breivik assassinou 77 pessoas em um atentado na capital do país.

— Lembro que ele (Bolsonaro) me ligou. Uma circunstância trágica. Tinha acabado de ocorrer o atentado nazista (...) Como começou o caso? Recebi, em Oslo, a ligação do deputado Bolsonaro. Eu falei com o próprio: esse assunto é importante para o senhor falar também com o setor consular para cuidar deste assunto.

Cardim afirma que, após o vice-cônsul ter ouvido a ex-mulher de Bolsonaro, a diplomacia brasileira na Noruega registrou o acontecido e informou ao Itamaraty, em Brasília. Além disso, ressalta que houve esclarecimentos sobre a legislação de ambos os países para Ana Cristina Valle.

— O nosso papel, neste caso, era mesmo informar a legislação da Noruega e do Brasil. E as pessoas, nestes casos, atuam de acordo com o que querem fazer.

O telegrama transcrito pela “Folha de S.Paulo” relata: “A senhora Ana Cristina Siqueira Valle disse ter deixado o Brasil há dois anos (em 2009) ‘por ter sido ameaçada de morte’ pelo pai do menor (Bolsonaro). Aduziu ela que tal acusação poderia motivar pedido de asilo político neste país”.

Em vídeo divulgado ontem nas redes sociais, a ex-mulher de Bolsonaro nega que tenha sido ameaçada de morte. Na gravação ela diz estar “indignada” com a reportagem.

“Venho aqui indignada falar da matéria suja da “Folha de S. Paulo”, aonde diz que ele me ameaçou de morte. Jamais, jamais. Bom pai, bom filho e foi um bom marido”, diz Ana Cristina.