Título: Presente com cara de passado
Autor: amado, Guilherme
Fonte: Correio Braziliense, 27/05/2012, Brasil, p. 12
O sertão mineiro não é o mesmo dos tempos de Guimarães Rosa. Saem os lances gloriosos outrora protagonizados pelo jagunço Riobaldo e entram DVDs, micro-ondas e tapetes com estampa de oncinha pendurados nos varais. Mas a alma sertaneja ainda está por ali. Joaquim Ângelo da Silva, 43 de seus 49 anos escrutinando cada arbusto da região, até poderia ser confundido com um personagem do livro Grande Sertão: Veredas. Mas basta conhecer sua rotina para ver que se está bem longe do Brasil do século passado.
Guia do Parque Cavernas do Peruaçu, coletor de sementes do cerrado e proprietário de um pequeno bar e de uma pousada familiar, Quincas também voltou a estudar, nas noites de sexta-feira. De seu revezamento depende a sobrevivência da mulher e do casal de filhos. Conta com orgulho que a menina cursa psicologia e que o rapaz acabou de entrar no Ensino Médio. O dia a dia seria mais fácil se o governo cumprisse a promessa de dotar o parque de infraestrutura para a visitação pública.
Chefe do parque, Evandro Pereira da Silva, representante do Instituto Chico Mendes na região, jura que, de 2013, não passa. O problema é que a mesma afirmação já foi feita em 2010, 2011, 2012. "A gente está dando tiro no escuro. Tem morador que está cansando de esperar e já pensa em encher o parque de gado. É um empurra-empurra tremendo. Muitos moradores, acreditando no governo, investiram em pousadas na região. Até hoje, nada", constata Quincas, desesperançado.
Alheia às promessas, a moradora mais antiga do parque, Sebastiana José de Souza, 87 anos, 4 filhos, 18 netos e 6 bisnetos, recorda o dia em que uma onça atacou uma porca na sala de sua casa. Ou quando viu pela primeira vez a famosa Gruta do Janelão, uma das maiores na região. E dos tempos em que o volume de água do Peruaçu era tanto que os moradores preferiam construir as casas longe do curso do rio. "A água vinha até no pé de gameleira perto daqui de casa. Agora, tá tudo seco. As coisas mudam muito rápido, filho. Se a gente não faz nada, quando vai ver, mudou tudo pra sempre." (GA)