Correio braziliense, n. 20192, 02/09/2018. Política, p. 2

 

Futuro do PT será definido na cadeia

Rodolfo Costa

02/09/2018

 

 

ELEIÇÕES 2018 » Acompanhado de advogados, Fernando Haddad vai à Superintendência da Polícia Federal se reunir com Lula para decidir os rumos da corrida eleitoral. Analistas divergem sobre a estratégia de fazer a substituição no fim do prazo

As estratégias recursais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para continuar como candidato do PT à Presidência da República serão decididas na cadeia. O vice-candidato na chapa petista à Presidência da República, Fernando Haddad, irá, acompanhado de advogados, à Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, na segunda-feira, traçar os rumos na corrida eleitoral. A palavra final ficará a cargo de Lula, que precisará tomar importantes decisões. Afinal, cada tática adotada pode se desdobrar em diferentes cenários. A dúvida é quais caminhos serão mais eficientes para atingir o grande objetivo: ganhar tempo para construir uma narrativa que transfira o maior número possível de votos para Haddad.

O plano de guerra do PT está concentrado na esfera jurídica e no horário eleitoral. A orientação é recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ajustar as propagandas do partido, afirma o deputado Carlos Zarattini (SP), vice-líder da legenda na Câmara. “A questão é nos adequarmos à forma estabelecida pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral)”, explica. O entendimento da defesa é de que a decisão da Corte não impede a aparição de Lula como apoiador de Haddad e, sim, a exibição na condição de cabeça de chapa. “Ele ainda pode falar do nosso programa, de tudo o que foi feito antes e o que propomos. Há muitas possibilidades”, pondera o parlamentar.

A definição de quando Lula será substituído por Haddad na chapa é uma das importantes decisões que o ex-presidente precisará tomar. O TSE estabeleceu um prazo de 10 dias, contados a partir de ontem, para fazer a troca. Aliados de Haddad defendem a alteração nos primeiros dias, mas a decisão pode ficar para 11 de setembro, admite Zarattini. “Ainda temos recursos a apresentar. Vamos ver como tudo vai se desenvolver ao longo desse tempo. Pode ser que 10 dias sejam um prazo longo e tenhamos sucesso em nossa apelação”, destaca.

Enquanto Lula não bate o martelo, o PT adota uma tática de afrontamento. Ignorando a decisão do TSE, Haddad declarou, em campanha em Pernambuco, que Lula segue no pleito. Analistas divergem de opinião sobre a hipótese de os petistas deixarem a substituição para o último dia.

Suicídio

Para o especialista em política eleitoral David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB), é um “absoluto suicídio”. “Haddad é pouco conhecido nacionalmente. Se deixarem para decidir no último dia, ele teria pouco mais de três semanas de campanha. É arriscado achar que, rolando os 10 dias, extrairão um pouco de ‘mais valia’ do Lula e que isso ajudará Haddad e o PT a eleger, nos estados, deputados, senadores e governadores”, diz.

O sociólogo e cientista político Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tem avaliação diferente. “O PT adotou uma estratégia eminentemente de risco desde o início, mas que deu certo até agora. Manteve a pré-campanha desde 2017 e intensificou a campanha, mesmo com Lula condenado e preso. Ele aparece em primeiro lugar nas pesquisas e, quando sai do cenário, Haddad aparece com 4%. É muita coisa para um candidato pouco conhecido”, analisa. Para o especialista, a estratégia petista, de retardar a substituição na chapa, pode contribuir para o salto do atual vice-candidato nas pesquisas.

No início ou no fim, os 10 dias serão cumpridos à risca pelo PT, sob risco de ser eliminado das eleições, ressalta o especialista em direito eleitoral João da Fontoura, sócio do Bornholdt Advogados e professor da Universidade de Joinville (Univille). “O descumprimento de uma decisão judicial tiraria toda a coligação do pleito. E aí, todo o tempo de televisão seria redistribuído”, afirma. Em caso de vitória recursal no STF, o TSE seria obrigado a recolocar Lula como o cabeça da chapa.

O PT vai lutar contra o tempo para ter sucesso. O prazo para o TSE programar as urnas com os nomes dos candidatos se encerra em 17 de setembro e, para Fontoura, é remota a possibilidade de o partido conseguir alguma vitória no STF. Isso, mesmo que por meio de um pedido cautelar de efeito suspensivo e de um recurso extraordinário, pondera o especialista em direito eleitoral e constitucional Marcellus Ferreira Pinto, do Nelson Wilians & Advogados Associados.

A estratégia para conseguir uma liminar a fim de suspender a decisão do TSE é a melhor possível, admite Ferreira. Mas ele alerta para as dificuldades. “Em um pleito presidencial, o TSE é a primeira e última instância. Não existe segunda instância, salvo em situações atípicas. A defesa vai tentar demonstrar que esse caso é uma questão extraordinária por envolver matéria constitucional de elegibilidade. Só que, pela regra processual, recurso extraordinário não tem efeito suspensivo”, adverte.

Caso o efeito suspensivo seja concedido, Lula voltaria a ser o cabeça de chapa. Poderia, assim, participar dos debates e do programa eleitoral. No entanto, há riscos. Se o recurso extraordinário for indeferido pelo STF no decorrer do pleito, o registro seria cassado e os votos a Lula não seriam computados. O nome estamparia a cédula, mas não implicaria votos à chapa, nem ao vice. “Se o PT consegue o efeito suspensivo, não substitui Lula por Haddad, e a inelegibilidade é declarada de fato sem mais prazo para substituir a candidatura, todos os votos seriam anulados”, alerta Fontoura.

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Sai Lula, entra Haddad

Luiz Carlos Azedo

02/09/2018

 

 

Não se pode dizer ainda que a estratégia eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para levar o PT de volta ao poder tenha fracassado, uma vez que a impugnação de sua candidatura pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estava escrita nas estrelas e na Lei da Ficha Limpa. Entretanto, estão dadas todas as condições para o PT transferir os votos cativos de Lula para o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, com a decisão daquela Corte de permitir que o ex-presidente da República, mesmo impugnado e preso, apareça como apoiador de seu substituto nos programas eleitorais de tevê, rádio e internet.

Lula não é um proscrito político num regime de exceção, como pretende fazer crer o PT e muita gente acredita, principalmente no exterior. Lula está preso porque foi condenado a 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá, ou seja, por receber vantagens indevidas no cargo de presidente da República e ocultar seu patrimônio, o que não é incomum na política brasileira. É o mais ilustre condenado pela Operação Lava-Jato, que mandou para a cadeia outros ex-dignatários. Por essa razão, insistir na narrativa do “preso político” no horário eleitoral será uma afronta à democracia e à Justiça eleitoral.

“O Brasil é um Estado democrático de direito. Não estamos sob regime de exceção. Todas as instituições estão em funcionamento regular. O Poder Judiciário é independente. Os juízes de primeira e segunda instâncias são providos em seus cargos por critério exclusivamente técnico, sem vinculação política. A defesa pode perfeitamente alegar erro judiciário, mas não se mostra plausível o argumento de perseguição política”, disse o ministro Luís Barroso, relator do caso, no julgamento que entrou pela madrugada de ontem, em resposta aos argumentos da defesa em favor da candidatura de Lula.

Com o único voto divergente do ministro Édson Fachin (a favor de uma autorização provisória para que Lula concorresse, apesar de considerar o petista inelegível por conta da Lei da Ficha Limpa), a candidatura de Lula foi impugnada por seis a um na sessão extraordinária do TSE. Os ministros decidiram evitar que Lula aparecesse como candidato nos programas oficiais do PT de rádio, tevê e internet, iniciados ontem. De certa forma, o julgamento frustrou as intenções petistas de utilizar todos os prazos possíveis para Lula permanecer na mídia como candidato. Mas isso, como já dissemos, não significa que a estratégia eleitoral do PT tenha fracassado. Vejamos:

A última pesquisa semanal XP-Ipespe que monitora o cenário eleitoral e tem grande influência no mercado financeiro, no último dia 29 de agosto, demonstrou que a capacidade de transferência de votos entre os candidatos do PT é significativa. No cenário com Lula, o petista liderava a disputa com 33% de intenção de votos, seguido por Jair Bolsonaro (PSL), com 21%. Ciro Gomes (PDT) tinha 8%, Marina Silva (Rede) e Geraldo Alckmin PSDB) empatavam com 7%; João Amoedo (Novo), 4%, e Alvaro Dias (Podemos), 3%. Henrique Meirelles (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL), 1%. Com Lula fora da disputa, Bolsonaro subia para 23%, Marina Silva para 13%, Ciro para 10%, Alckmin para 9% e Haddad aparecia com apenas 6%, à frente de Alvaro e Amoedo, empatados com 4%. Boulos e Meirelles não se mexiam; o Cabo Daciolo aparecia pela primeira vez, com 1%.

O substituto

Entretanto, quando o nome de Haddad é apontado com o indicado por Lula para substituí-lo, o quadro se altera completamente: Bolsonaro reflui para os 21% do primeiro cenário e Haddad aparece em segundo, com um índice cabalístico: 13% de intenções de votos. Ciro e Marina empatam com 10%, Alckmin com 8%, Alvaro e Amoedo com 4%, Meirelles, Boulos e Daciolo com 1%. Vê-se que a narrativa de “vitimização” de Lula neutralizou as denúncias de corrupção em seu governo e sua condenação por crime de colarinho branco. A capacidade de transferência de voto do petista, pela simples indicação de seu substituto, às vésperas do julgamento, estava em 32%. Espontaneamente, porém, em 11% dos votos de Lula se deslocam para Ciro e aproximadamente 7%, para Marina Silva.

Mesmo preso em Curitiba, Lula se manteve na mídia e conseguiu ser o líder absoluto das pesquisas de intenção de voto, o que corroborou a narrativa de perseguição política. Com a decisão do TSE, essa presença será ampliada, pois Lula poderá aparecer de forma recorrente nos programas eleitorais como apoiador de Haddad. Entretanto, não poderá se passar por vítima de perseguição, porque isso certamente será contestado pelos adversários, que quererão tirar os programas do ar na Justiça Eleitoral.

Como aquele copo meio cheio, meio vazio, com 13% de intenções de votos, Haddad não terá um passaporte garantido para o segundo turno, mas estará mais próximo disso do que os demais concorrentes de Bolsonaro. Vamos ver se esse cenário se confirma na próxima semana. A campanha será brevíssima, mas há outras variáveis. A primeira delas é a mudança no ambiente eleitoral, que se deslocou das redes sociais para as ruas e as casas dos eleitores, por causa dos telejornais e da propaganda de tevê e rádio. Por ora, somente Bolsonaro e Ciro vêm mantendo uma agenda de rua quase diária, os demais candidatos estão mais circunscritos aos ambientes fechados. Alckmin, Haddad e Meirelles têm mais tempo de televisão e rádio, mas só agora saberemos o peso real dessa vantagem estratégica nas eleições. Uma surpresa é Amoedo, que se destacou nas redes sociais, na qual predominavam Bolsonaro e Marina.