Título: Brasileiros devem R$ 2 tri
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 26/05/2012, Economia, p. 12

Financiamentos aumentam, endividamento dos consumidores com o cheque especial chega a R$ 22,8 bilhões em abril e inadimplência cresce

Nunca as pessoas e as empresas se endividaram tanto no Brasil. São R$ 2,1 trilhões emprestados pelos bancos, até abril, para financiar de tudo: da casa própria ao supérfluo, passando pelos recursos para as companhias — um montante capaz de comprar quase metade (49,6%) do Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas produzidas no país) de 2012. Esse endividamento deve crescer ainda mais até o fim do ano, impulsionado pelo anseio do governo de salvar o crescimento a qualquer custo e pela batalha entre o Palácio do Planalto e o setor bancário pela expansão do crédito.

Mesmo com a inadimplência das pessoas físicas alcançando 7,6%, nível próximo do pico histórico de 2009, a equipe econômica tem forçado o sistema financeiro a liberar ainda mais crédito para o consumo. No cheque especial, as famílias bateram um recorde e terminaram abril devendo R$ 22,8 bilhões a uma taxa média de 174,1% ao ano — juro elevado o suficiente para levar o consumidor à bancarrota. Somente no mês passado, a média diária de liberações nessa linha cresceu 9%, movimento favorecido pela redução dos juros, que recuaram 10,9 pontos percentuais. No cartão de crédito, a média diária de operações aumentou 11%, R$ 1,3 bilhão por dia.

O segmento de financiamento de veículos é o único que mostrou desempenho contrário: as concessões diárias caíram 4,6%. Nessa área, beneficiada pelas medidas anunciadas pelo governo nesta semana, o volume de calotes está em 5,9%, patamar considerado alto, que também segue tendência de elevação: a taxa cresceu 0,2 ponto percentual em abril e 2,7 pontos nos últimos 12 meses.

Armadilhas Técnicos do governo, porém, acreditam que o número de maus pagadores deve recuar, sobretudo porque os juros, empurrados pelo governo, estão diminuindo. "Estamos observando uma expansão do crédito a um custo mais barato, e isso deve contribuir para uma queda da inadimplência", argumentou Túlio Maciel, chefe do Departamento Econômico do Banco Central (BC). Ele listou ainda o mercado de trabalho robusto e a expansão da renda como fatores que devem reduzir o percentual de atrasos. Além disso, os juros devem continuar a cair. Em abril, a taxa média do sistema para as pessoas físicas recuou para 42,1% ao ano e, na prévia do indicador até 14 de maio, para 40,1%. Na média do mercado, o juro caiu para 33,7%.

A despeito do custo menor das operações, os consumidores ainda têm caído nas armadilhas do dinheiro supostamente farto. O analista de suporte Lindemberg Rocha Aguiar, 40 anos, está preso às dívidas do cartão de crédito há quatro anos e meio. Ele contou que costumava pagar sempre o valor mínimo das faturas mensais e que, no fim, a conta chegou a R$ 5 mil. "O banco entrou em contato comigo, mas eu não tinha condições de pagar o valor todo", disse.

Pelos cálculos do BC, a fatura total dos brasileiros com o sistema financeiro corresponde a 42,95% da renda anual das famílias — o maior endividamento já registrado. Maciel, no entanto, avalia que ainda não há com o que se preocupar. "O crédito vai crescer, mas não haverá comprometimento da qualidade. Os bancos estão mais seletivos", observou. Segundo o economista, depois de 2010, quando houve uma febre de financiamentos de veículos, seguida de uma elevação da inadimplência , as instituições passaram a avaliar melhor o risco e a concessão de crédito está mais difícil.

Felipe França, economista do banco ABC Brasil, tem visão semelhante. "O grande problema da inadimplência e do crédito vem sendo a parte de automóveis. Os financiamentos para o setor têm impedido uma recuperação mais expressiva do crédito", pontuou. "As demais modalidades têm um nível de endividamento elevado, mas devem responder ao crescimento da renda e à redução dos juros."

Crescimento Para que os níveis de calote recuem a níveis mais toleráveis pelo mercado, na visão de especialistas, o país tem de crescer acima do ritmo atual. Nas previsões mais otimistas, o PIB deve aumentar 3,1% em 2012; nas mais pessimistas, 2,5%. Segundo o Itaú Unibanco, que divulga uma expectativa mensal para o PIB, o primeiro trimestre deve ter tido alta de 0,6%. Os economistas da instituição avaliam que o cenário vai melhorar no resto do ano.

"As medidas anunciadas recentemente para incentivar as vendas de veículos, em especial a redução do IPI, devem ter impacto positivo na atividade econômica", explicou Aurélio Bicalho, economista do Itaú Unibanco. "Os estímulos ao crescimento — aumento do salário mínimo, redução da taxa de juros e elevação das despesas do setor público — vão ter efeito na economia já no segundo trimestre, e, com maior intensidade, na segunda metade do ano, período em que a economia deverá mostrar taxas mais altas de crescimento", disse.

Colaborou Ana Carolina Dinardo