O globo, n. 31096, 26/09/2018. Economia, p. 21

 

BOMBA-RELÓGIO

Martha Beck

Manoel Ventura

26/09/2018

 

 

Governo propõe reduzir as 309 carreiras de servidores e a remuneração inicial

A reforma da Previdência está longe de ser o único problema fiscal que o próximo presidente terá de resolver. Segunda maior despesa da União, a folha de salários também cresce de forma preocupante. No governo Temer, ela teve aumento médio acima dos gastos com aposentadorias. Enquanto a folha cresceu 3,5% por ano, a Previdência subiu 3,4%. Diante desse cenário, o ministro do Planejamento, Esteves Colnago, preparou uma proposta de reforma nas carreiras do funcionalismo para entregar ao governo de transição.

A ideia é reduzir o número de carreiras do Executivo (hoje são 309), aumentar o tempo que os servidores levam para chegar aos maiores salários e reduzir a remuneração inicial para que ela fique mais alinhada ao setor privado. Em entrevista ao GLOBO, Colnago explicou que o excesso de carreiras torna difícil a mobilidade entre os servidores de um órgão para o outro. Isso aumenta a realização de concursos públicos, incha a máquina e faz com que o governo enfrente mais pressões por reajustes. É preciso negociar com mais de 200 sindicatos.

GASTO DE R$ 300 BI EM 2018

Além disso, existem distorções na carreiras. Em algumas, o servidor atinge o topo em apenas seis anos. É o caso dos advogados da União. Em outras, o processo leva 20 anos. Quem atinge o maior salário muito jovem acaba fazendo mais pressão por reajustes, pois essa é a única forma de reforçar os vencimentos.

—Nossa ideia é buscar um número menor de carreiras, que sejam mais genéricas e tenham maior amplitude salarial (ou seja, em que os servidores levem mais tempo para se aposentar) — explicou o ministro, acrescentando: — As pessoas chegam (ao topo da carreira) muito rápido. Independentemente de mérito, o salário é destoante da iniciativa privada na grande maioria dos casos, especialmente alguns salários de entrada são muito altos.

O Executivo tem hoje 1,275 milhão de servidores. Deste total, 633.595 estão na ativa, 401.472 são aposentados, e 240.216 são pensionistas. Isso custará aos cofres públicos R$ 300 bilhões em 2018. O valor só perde para a Previdência, que terá uma despesa de R$ 593 bilhões.

Colnago afirmou que foram elaboradas duas propostas para o novo governo. Uma com mais carreiras e outra com menos. Tudo dependerá de qual o ajuste que o presidente que for eleito decidirá fazer. No entanto, esse tema também é urgente, uma vez que 108 mil servidores hoje já estão aptos a se aposentar, o que representa 17% da força de trabalho do Executivo. Hoje, 247 mil estão acima de 50 anos (equivalente a 39% do total de servidores na ativa). Isso significa que será preciso fazer uma renovação num cenário de restrição fiscal.

— Nós temos um conjunto de servidores relativamente envelhecidos. A gente precisa resolver esse problema —alertou o ministro.

O antecessor de Colnago no comando do Planejamento, Dyogo Oliveira, chegou a apresentar, no ano passado, uma proposta de reestruturação de carreiras que incluía mais etapas para se chegar ao topo (ele só seria atingido em 30 anos) e um salário inicial menor, de R$ 5.000. Pelas contas da época, a economia para os cofres públicos seria de R$ 154 bilhões em 15 anos. No entanto, o projeto acabou sendo engavetado.

Agora, a ideia é retomar parte do que foi proposto e ainda avançar mais por meio da redução do número de carreiras. Colnago admite que o assunto é espinhoso:

— Uma mudança como essa é quase tão difícil de ser aprovada quanto a reforma da Previdência.

Mas o ministro alerta para o fato de que as despesas com benefícios previdenciários e funcionalismo são tão elevadas hoje, que o governo caminha para se tornar um mero gestor de folha de pagamentos. Cada vez mais, a despesa com folha tem crescido no Orçamento dos órgãos. No Ministério da Agricultura, por exemplo, ela representava 57,3% em 2008. Em 2017, no entanto, esse valor chegou a 69,9%. Isso em uma pasta que precisa executar programas como fiscalização sanitária. Na Ciência e Tecnologia, o percentual subiu de 22,5% para 46,4% no mesmo período.

INICIATIVA PARA ECONOMIZAR

Enquanto não há uma mudança estrutural nas carreiras, o Planejamento tem adotados medidas de gestão que não demandam lei, mas que trazem uma economia potencial anual de R$ 1,3 bilhão para os cofres públicos. Uma delas foi uma portaria que permite ao Ministério do Planejamento transferir servidores sem o aval do órgão de origem. Os funcionários não são obrigados a trocar de órgão ou de cidade. A ideia é que, se tiverem interesse, possam migrar com maior facilidade.

Outras ações incluem, por exemplo, a digitalização e armazenamento de dados funcionais e a centralização do processo de concessão de benefícios para servidores aposentados. Há cerca de 11 mil funcionários designados apenas para cuidar da folha dos inativos. Todo ocadastroé físico, distribuído em arquivos pelas repartições.

A documentação agora será digitalizada, e a gestão, unificada. Com isso, cairá para 2.000 o número necessário de servidores para esse serviço. Isso libera 9.000 servidores para outros órgãos, o que reduz a necessidade de concursos para a área administrativa. Somente isso resultará numa economia de R$ 919 milhões.

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Lista de funções inclui de inspetor de café a operador de videoteipe

26/09/2018

Martha Beck

Manoel Ventura

 

 

Inspetor de café, mateiro, operador de videoteipe, desenhista e datilógrafo. Essas são algumas das funções exercidas por servidores públicos. O mateiro, por exemplo, é da carreira de auxiliar ambiental que existe em órgãos como o Ibama e o Instituto Chico Mendes. Esses cargos são o exemplo de quão fragmentadas são as carreiras do funcionalismo.

Segundo o ministro do Planejamento, Esteves Colnago, essa quantidade excessiva de funções engessa a gestão pública. Isso porque é comum servidores afirmarem que não podem trocar de área porque foram aprovados em concurso com função específica. No entanto, algumas funções, diz o ministro, poderiam ser terceirizadas.

Enquanto não reforma as carreiras do Executivo, o governo tem realocado servidores entre órgãos. Com isso, funcionários que estiverem sobrando em um órgão podem ir, com a mesma função, para onde há necessidade daquele serviço.

Os remanejamentos, de acordo com o governo, são feitos caso a caso, mediante uma justificativa do órgão de destino, que pode ser “necessidade ou interesse público” ou “motivos de ordem técnica ou operacional”. Esse processo começou no Rio. Foram deslocados 214 vigilantes da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) para a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

O governo quer utilizar esse processo para reduzir a necessidade de fazer concursos públicos para atividades administrativas, e focar as seleções em funções especializadas. Uma portaria permitiu a realocação obrigatória de pessoal, sem anuência do órgão de origem. A avaliação passou a ser feita pelo Ministério do Planejamento.

A unificação das áreas de transporte e almoxarifado dos ministérios, em Brasília, também irá liberar servidores com funções administrativas.