O globo, n. 31096, 26/09/2018. Economia, p. 22

 

‘Estamos na medula’, diz presidente do IBGE

Cássia Almeida

26/09/2018

 

 

Número de funcionários cai de 8 mil em 2010 para 4.900 até o fim deste ano. Pesquisas estão sendo adiadas. Roberto Olinto afirma que o Censo Demográfico de 2020 não está ameaçado, mas o instituto, sim

O IBGE está encolhendo. Já perdeu quase 40% de seus funcionários nos últimos oito anos. Até o fim de 2018, serão 4.900 servidores para dar conta de todas as estatísticas oficiais do país, instrumentos indispensáveis para balizar as políticas públicas, da fixação da taxa de juros até o tamanho da rede escolar e de saúde. Roberto Olinto, presidente do Instituto, diz que já passou da fase de chorar por pessoal.

— Não temos mais gordura para queimar. Passamos do osso, estamos trabalhando na medula —diz Olinto.

O IBGE é responsável por calcular o Produto Interno Bruto (PIB), que mede como anda a economia brasileira, a taxa de desemprego, a inflação, a composição e o perfil das famílias, as características dos lares. Por ter salários inferiores a outros órgãos estatais, como Petrobras e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), sofre com a sangria de pessoal.

— Soube hoje (ontem) que perdemos seis funcionários para a Petrobras. Um técnico da Coordenação de Contas Nacionais demora de cinco a dez anos para ser formado. Pedimos a abertura de concurso para contratar 1.800 funcionários, mas ainda não tivemos resposta —afirma Olinto.

Com isso, pesquisas importantes vêm sendo adiadas ou simplesmente deixadas de lado. As contas econômicas ambientais pararam no cálculo inicial do uso da água. O peso econômico das florestas e da energia está à espera de pessoal. Essas estatísticas já foram feitas por países desenvolvidos:

— Se o Brasil entrar na OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, que reúne países desenvolvidos), vai haver mais demanda por estatística —alerta Olinto.

Foram adiadas a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) e a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar. Num país que convive com mais de 60 mil homicídios por ano, não há certeza se a pesquisa de vitimização será feita no ano que vem. O levantamento sobre o uso do tempo, parâmetro para políticas públicas de educação, saúdee de gênero, corre o risco de ficar na prateleira.

E o número de servidores ainda pode cair drasticamente se todos os 1.750 funcionários hoje em condições de aposentar resolverem deixar o IBGE.

— Se houver uma reforma da Previdência muito ameaçadora, vamos ficar com 3.250 servidores—diz Olinto.

A falta de pessoal obrigou o instituto a fechar oito agências no país. Das 570 existentes ,60 operam com apenas um funcionário:

—Nossa rede está profundamente desfalcada.

VERBA AINDA INSUFICIENTE

Segundo Olinto, o Censo Demográfico, o maior retrato socioeconômico do país, realizado a cada dez anos, está garantido. O custo é de R$ 3 bilhões, sendo que R$ 344 milhões devem ser gastos no ano que vem. No Orçamento da União, a previsão de gastos caiu para R$ 200 milhões, insuficiente para comprar os dispositivos móveis que serão usados pelos 238 mil recenseadores e supervisores na operação que vai investigar as condições de vida de 213 milhões de brasileiros em 71 milhões de domicílios.

— Conseguimos uma emenda parlamentar de R$ 150 milhões para complementar os gastos de 2019. O Censo não está ameaçado, é o IBGE que está ameaçado. —afirmou Olinto.

O presidente do instituto disse que não haverá redução no questionário do Censo e que, pela primeira vez, os quilombolas serão incluídos no levantamento.

O IBGE já deixou de realizar a contagem da população, que atualiza o número de habitantes entre os censos; e a Pesquisa de Orçamentos Familiares, que deveria ter sido feita em 2014, só foi a campo este ano.