Título: Golpe de Brunelli pode chegar a R$ 3,6 milhões
Autor: Tahan, Lilian
Fonte: Correio Braziliense, 30/05/2012, Cidades, p. 21

A partir de uma investigação iniciada há pouco mais de dois anos, a Polícia Civil concluiu que o ex-distrital Júnior Brunelli (sem partido) era o chefe de uma quadrilha montada para desviar recursos públicos, em geral de emendas parlamentares. Segundo o inquérito comandado por investigadores da Divisão de Combate ao Crime Organizado (Deco), o rombo teria sido de, no mínimo, R$ 1,7 milhão. Esse é o valor apurado em 2009, período em que os delegados concentraram seus levantamentos. Mas, antes disso, a Associação de Assistência Social Monte das Oliveiras (AMO), comandada por familiares do ex-deputado, e apontada como o meio pelo qual os recursos públicos eram extraviados, já havia recebido uma bolada de dinheiro do governo. Portanto, se os supostos métodos fraudulentos tiverem sido adotados como rotina, antes de 2009, o rombo aos cofres públicos pode chegar a R$ 3.664.745,60.

Esse é o total de cinco ordens bancárias repassadas para a AMO. A entidade começou a receber dinheiro público em 2005 e, até 2010, os valores foram sempre crescentes. No primeiro ano, a associação comandada por parentes do ex-deputado — que na época estava em seu primeiro mandato na Câmara Legislativa —, foi beneficiada com modestos R$ 10 mil. A quantia foi paga pelo Fundo de Arte e da Cultura (FAC), ligado à Secretaria de Cultura do DF.

Nesse mesmo ano, em 2005, Brunelli apresentou o Projeto de Lei nº 2.040 que, conforme mostrou o Correio em sua edição de ontem, tornava a AMO como entidade de utilidade pública. O título aprovado com a ajuda dos colegas distritais em plenário da Câmara Legislativa ajuda a diminuir a burocracia para a negociação de patrocínio, de contratos com dispensa de licitação e para o repasse de emendas. Já com status de entidade sem fins lucrativos e com interesse social, em 2006, a transferência do GDF para a AMO começou a aumentar. Naquele período, a entidade foi contemplada com mais R$ 174.745,60 do FAC (veja fac-símile).

A partir de 2007, as cifras ficaram ainda mais robustas. Aí, a unidade pagadora mudou. Já não era mais o fundo ligado à cultura e, sim, à Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest), que liberou R$ 600 mil para a associação ligada a Brunelli. Um ano depois, a bolada praticamente dobrou (R$ 1,18 milhão). E, em 2009, ano de referência para a Operação Hofini da Polícia Civil (leia Entenda o caso), os repasses atingiram R$ 1,7 milhão. A partir de evidências de que a AMO não prestava atendimento aos idosos, público-alvo dos programas beneficiados com recursos da Sedest, a Deco estima que os desvios chegaram ao total do valor que o Executivo aplicou na entidade vinculada ao ex-distrital naquele ano.

Dos mais de R$ 3,6 milhões repassados à AMO, boa parte refere-se a dinheiro de emendas parlamentares liberadas pelo Executivo. O dispositivo é de uma rotina de iniciativa da atividade dos deputados. Eles têm o direito legal de opinar onde o governo deve aplicar parte do orçamento reunido a partir de impostos. Do total pago à AMO, uma parte foi repassada diretamente pelo Executivo, sem a ponte das emendas.

Prisão

Júnior Brunelli está preso desde o último domingo na 5ª Delegacia de Polícia (área central). Ele cumpre mandado de prisão temporária, decretada pela Justiça a pedido da Deco. No domingo, dia em que foi detido, o ex-distrital prestou depoimento de quase quatro horas ao chefe das investigações, delegado Henry Peres. Um dos personagens centrais da Operação Caixa de Pandora — ocasião em que foi flagrado recebendo dinheiro das mãos de Durval Barbosa e puxando a famosa “oração da propina” —, Brunelli tornou-se o pivô da Operação Hofini, que agora o acusa de crimes como formação de quadrilha, uso de documento falso, lavagem de dinheiro e peculato. Se condenado, ele pode pegar mais de 10 anos de cadeia.

Entenda o caso

Dois dias foragido

Na última sexta-feira, a Divisão de Combate ao Crime Organizado (Deco) da Polícia Civil do Distrito Federal deflagrou a Operação Hofini — nome dado em alusão ao filho de um sacerdote que desviava dízimos de fiéis. Na ação, os agentes prenderam três homens acusados de integrar um esquema que seria liderado pelo ex-deputado Júnior Brunelli. De acordo com os investigadores, o ex-parlamentar teria desviado pelo menos R$ 1,7 milhão de recursos públicos que foram repassados à AMO, em 2009, para programas sociais voltados para os idosos. Durante a operação, os policiais cumpriram mandados de prisão e de busca e apreensão em diversos locais, entre eles a casa de Brunelli, na Superquadra Brasília, às margens da Estrada Parque Taguatinga (EPTG). Os investigadores não encontraram o ex-distrital no amplo apartamento. A suspeita é de que tenha ocorrido vazamento de informações e que Brunelli tenha escapado antes da chegada dos policiais, por volta das 6h. Ele ficou dois dias foragido e se entregou na 5ª DP (área central) no último domingo. Entre os objetos apreendidos na casa do ex-parlamentar estão joias e relógios de luxo, como um rolex, além de um livro em que a última letra da palavra Deus é um cifrão, como sinal de “prosperidade”. Brunelli começou a ser investigado, pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), em 2010. A prisão dele foi expedida pela 2ª Vara Criminal de Taguatinga, há pouco mais de uma semana.

Funcionáriosna mira

Um dos responsáveis por atestar a regularidade da prestação de contas e autorizar o repasse de recursos públicos à AMO, o ex-chefe da Unidade de Administração Geral (UAG) da Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest), Ruither Jacques Sanfilippo, é um velho conhecido no bastidor político da capital. No âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Cemitérios, em 2008, ele aparece entre os suspeitos de participar de esquema de extorsão com o objetivo de emitir autorizações provisórias para o funcionamento de funerárias no DF. Hoje, ele volta a ser investigado por suposto desvios de recursos públicos. Auditoria do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) apura o trabalho dele quando chefiou a UAG, entre julho de 2007 e janeiro de 2011.

Relatório do TCDF, ao qual o Correio teve acesso, aponta que Sanfilippo e outros seis funcionários da Sedest não teriam acompanhado com rigor a liberação e aprovação dos recursos repassados à AMO para a execução de programas sociais conveniados com o governo. Segundo a investigação do tribunal, a Sedest nem sequer monitorava a correta aquisição e distribuição de materiais necessários à execução dos contratos. Conforme o documento, o Núcleo de Prestação de Contas da secretaria dava como regulares as contas fraudadas da AMO e depois encaminhava para a assinatura de Sanfilippo, então chefe da UAG.

De confiança

Protocolo normal entre parlamentares que querem agilizar a liberação de emendas, o ex-distrital Júnior Brunelli ia constantemente à Sedest enquanto a distrital Eliana Pedrosa (PSD) comandava a pasta, entre janeiro de 2007 e dezembro de 2009. “Nunca dei tratamento especial às emendas de Brunelli. Meu trabalho sempre foi o de executar o orçamento previsto em lei. Se as notas apresentadas pela AMO eram falsas, nós não tínhamos condições de descobrir naquela época”, defende a deputada. Foi dela a indicação de Sanfilippo para a chefia da UAG.

Além de ter trabalhado na Sedest, Sanfilippo atuou em diversos cargos e funções na Câmara Legislativa. A primeira passagem dele no Legislativo local foi entre abril de 1993 e abril de 2007. A segunda, entre março e junho de 2011. Homem de confiança da deputada distrital Eliana Pedrosa (PSD), chegou a trabalhar para a deputada como assessor e, posteriormente, como chefe de gabinete da parlamentar. Ele não foi encontrado ontem para comentar as denúncias do TCDF.

Prazo

A investigação do TCDF teve início em 2007. Entre as irregularidades apontadas, a AMO foi incapaz de comprovar a realização dos programas voltados para idosos de baixa renda. Sedest e a associação ligada à família de Brunelli têm 30 dias para se manifestar. No mês passado, os advogados pediram mais 60 dias para apresentar a defesa do ex-distrital.