Título: Curiosa reunião
Autor: Sifuentes, cpi mensalaoMônica
Fonte: Correio Braziliense, 03/06/2012, Opinião, p. 21

Em Minas se diz que conversa de mais de dois é comício e se colocar mais um vira conspiração. Nascida e criada nesse ambiente político-cultural, confesso ter me causado grande estranheza a notícia acerca de curiosa reunião, da qual participaram três eminentes figuras da nossa República. Consta que nela se discutiu a possibilidade de se adiar o julgamento do “mensalão” — o mais rumoroso caso levado ao Supremo Tribunal Federal nos últimos tempos. A conversa, ocorrida em outra época, lugar e modo, seria considerada apenas uma parte das especulações típicas de Brasília, não fosse o fato de que um dos convivas participará do julgamento, e de que o outro é o ex-presidente da República que teve o seu governo diretamente envolvido no processo. Não menos curioso que, de todo o imbróglio, ainda não se saiba o motivo pelo qual, diante da sua gravidade, os fatos somente fossem divulgados para a imprensa quase um mês depois.

Conta o anedotário político de Sebastião Nery que determinado repórter estava querendo fazer uma entrevista com Benedito Valadares, interventor no estado de Minas Gerais, nomeado pelo presidente Getúlio Vargas. Benedito, muito gentil e cordial, atendeu o jornalista na sua casa, mas não disse nada. Deu-lhe o número do seu telefone, para chamar depois. O rapaz ligou: “Governador, tenho muito prazer em ouvi-lo”. “Eu também, meu filho”, respondeu Benedito. “Mas não tenho nenhum prazer em lhe falar.” E desligou.

Se as relações do Executivo com a imprensa sempre foram complicadas, o que não dizer delas, quanto ao Judiciário. A imprensa brasileira tem prestado enorme serviço ao país, ao denunciar esquemas de corrupção e ao monitorar a vida política nacional, se transformando nos olhos e ouvidos da população. Por seu lado, não se pode descuidar da veracidade das informações, pelo que deve zelar, sempre que cabível, pela busca da verdade, sob pena de contribuir para a eclosão de crise institucional de proporções não desejadas. Quanto às notícias divulgadas durante a semana, a repercussão da conversa, em si, talvez tenha sido bem maior e causado mais impacto do que o seu conteúdo, sobre o qual, aliás, divergem os próprios interlocutores. Vale invocar a perspicácia do Benedito. Fosse a famosa reunião (cuja ocorrência não se desmentiu) evitada, teria sido bem mais saudável para as nossas instituições democráticas que, às vésperas do famoso julgamento, esperam com ansiedade o pronunciamento da mais alta Corte do país.

As implicações do encontro nos remetem a tramas políticas nas quais o Judiciário deveria, por princípio de isenção e imparcialidade, passar ao largo. É preciso que os ministros e ministras que analisarão o processo, em face de toda a celeuma, se empenhem ainda mais em reforçar os pilares do estado de direito, demonstrando, por um lado, que não se intimidam diante das pressões e, por outro, que também não julgam movidos por elas.

Quando era juíza de direito em Minas Gerais, um caso marcou a minha vida profissional. Em determinado acampamento de trabalhadores sem terra próximo à cidade de Sabará houve um homicídio bárbaro em que o assassino, durante a noite, matou o vizinho com várias machadadas na cabeça. Na hora de ouvir as testemunhas, ninguém queria afirmar que presenciara o crime. Uma delas, no entanto, acabou por indicar o companheiro de barraca do falecido, que muito provavelmente teria testemunhado o fato. Chamado o matuto para depor em audiência, perguntei: “Sr. Fulano, o senhor pode me dizer o que ocorreu na noite do dia tal?” “Senhora doutora juíza, ouvi dizer que mataram o Cicrano com um machado.” “Como assim, ouviu dizer, Sr. Fulano? Há testemunhas que dizem que o senhor estava na barraca, junto ao falecido.” “Ah, doutora, estava mesmo. Mas é que eu estava ‘dês costas’”. Como se vê, de frente ou de costas, em qualquer lugar ou classe social, diante de um crime ou de um fato controverso, ninguém quer se comprometer.