Título: ONU alerta sobre fugitivos do clima
Autor: Seixas, Maria Fernanda
Fonte: Correio Braziliense, 01/06/2012, Mundo, p. 17

Milhares de pessoas que se deslocam por causa de secas eenchentes estão sem amparo legal

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) decidiu aproveitar a conferência internacional sobre meio ambiente que se reúne neste mês no Rio de Janeiro, a Rio + 20, para chamar a atenção para a ausência deummarco legal para proteger e assistir milhares de pessoas forçadas a se deslocar de onde vivem por causa de enchentes, secas e outras catástrofes naturais.

O relatório do Acnur sobre a situação mundial dos refugiados, lançado ontememNovaYork, dedica um capítulo especial ao tema e o alto comissário António Guterres virá ao país para levar a discussão aos chefes de Estado e governo e outras autoridades que assistirão ao encontro.

O informe dá uma ideia da dimensão do problema nas próximasdécadas, a começar pela dificuldade de fazer previsões. As estimativas sobre o número de pessoas que terão de deixar suas casas ou mesmo seus países por razõesambientais, até 2050, variam de 25 milhões a até 1 bilhão. E, ao contrário dos que se deslocam para escapar de conflitos armados ou perseguições, esses "fugitivos do clima" nem sequer podemser chamados de refugiados: como alerta o texto, essa situação não está coberta pelas leis internacionais sobre o refúgio.

Ementrevista ao Correio, o representante do Acnur no Brasil, Andrés Ramirez, explica que a principal preocupação é alertar a comunidade internacional de que o tema "mudanças climáticas" não se restringe aos cuidados com desenvolvimento sustentável.

E de que as falhas no sistema de proteção aos indivíduos que cruzam as fronteiras pelos impactos do clima precisam ser reparadascomurgência.Ramirez explica que são reconhecidos como refugiados, segundo a Convenção de 1951, apenas aqueles que fogem de conflitos, guerras, perseguições políticas ou religiosas.

Hoje, porém, eles sãoemmenor número que os deslocados pormotivosrelacionadosaomeio ambiente.

"Existeumvazioemtermosde normas que garantam proteção a essas vítimas. É uma grande responsabilidade da comunidade internacional criar esse amparo legal. O mundo precisa reagir de uma forma responsável e humanitária", afirmou Ramirez. Ele cita como exemplo os mais de 6 mil haitianos que vieram para o Brasil após o terremoto de janeiro de 2010. Segundo Ramirez, eles não podiam ficar no país como refugiados, pela falta desse marco legal, mas conseguiramdo governo brasileiro. "A questão é que nem todos os Estados agiriam da mesmaforma", alerta.

Oalto comissário António Guterres, que discursou ontem na ONU, lembrou que o mundo está gerando deslocamentos em ritmo mais elevado do que soluções.

"Isso significa apenas uma coisa: mais pessoas vivendo muito tempo no exílio, impossibilitadas de voltar para casa e de se estabelecer em um lugar ou outro.

Odeslocamento global éumproblema internacional que exige soluções internacionais. E, com isso, quero dizer principalmente soluções políticas", enfatizou.

Além dos que cruzam e cruzarão fronteiras, os deslocados internos também são objeto de preocupação. O relatório aponta que a maioria das 43 milhões de pessoas forçadas a abandonar o lar continuam no país de origem.

Elas são cerca de 26 milhões, contra 16 milhões de refugiados e 1 milhão de solicitantes de refúgio.

Ainda de acordo com o relatório do Acnur, esse novo perfil dificulta o trabalho de agentes humanitários, uma vez que ajudar os deslocados internos é cada vez mais perigoso. Empaíses como Afeganistão, Somália, Iêmen e Iraque, assistir os desabrigados é um desafio que expõe os trabalhadores a sérios riscos.