O globo, n. 31095, 25/09/2018. País, p. 9

 

Delator: propina a Eunício por obras contra seca

Aguirre Talento

Bela Megale

25/09/2018

 

 

Ex-superintendente da Galvão Engenharia, Jorge Valença contou ter feito pagamentos a políticos do MDB em troca de liberar recursos do Departamento Nacional de Obras contra a Seca; presidente do Congresso nega acusações

Em delação premiada homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-superintendente regional da Galvão Engenharia Jorge Henrique Marques Valença afirmou que pagou ao menos R$ 1 milhão em “propina” ao presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), em troca da liberação de recursos em obras contra a seca.

A colaboração também aponta outros três emedebistas como beneficiários de propina dessas obras: o senador Fernando Bezerra e os ex-ministros Henrique Alves e Geddel Vieira Lima. Eunício atualmente é candidato à reeleição pelo Ceará. Todos negam as acusações.

Na delação, mantida sob sigilo e obtida com exclusividade pelo GLOBO, Valença relatou que existia um pedágio de “7% a 8%”, a ser pago a título de propina a políticos do MDB, nos contratos do Departamento Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs), órgão federal sob influência política de Eunício, segundo o delator. A Galvão Engenharia, porém, considerou o valor alto e acertou um percentual de 5%, repassado à medida que a empreiteira recebia os pagamentos. A propina delatada por Valença foi na obra da Barragem Figueiredo, construída pela Galvão no interior do Ceará para o abastecimento de água de municípios afetados pela seca, concluída em 2013.

Valença não menciona encontros pessoais com os políticos, apontando que negociava com operadores que diziam falar em nome deles. O executivo anexou recibos de doações dos anos de 2012 e 2014, que qualifica como “pagamentos de propina”, para o diretório nacional do então PMDB, que tinha Eunício como tesoureiro. As doações totalizaram R$ 1 milhão. O delator não apresentou um valor total das entregas em dinheiro e citou ter pagado, em espécie, ao menos R$ 50 mil destinados a Eunício.

O delator afirmou que recebeu a cobrança pelos repasses por meio do empresário Ênnio Ellery, que seria o responsável por operar o esquema no Dnocs com ajuda de um sócio. Segundo Valença, eles “afirmavam que os valores arrecadados seriam partilhados, num primeiro momento, entre Eunício Oliveira, Henrique Alves e Geddel, na proporção de 1,66% para cada”, disse. Segundo ele, os operadores recebiam em dinheiro e faziam a divisão e as entregas aos políticos.

Valença disse que, a partir de 2011, passou a negociar a propina para Eunício através de um ex-assessor do parlamentar chamado César Pinheiro, que pediu os repasses via doações oficiais. Pinheiro, segundo o delator, foi indicado por Eunício para comandar a Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará durante o governo de Cid Gomes (2007-2014). O Dnocs, segundo Valença, também era composto por indicados de Eunício. Hoje, Pinheiro chefia a Companhia Docas do Ceará.

Um dos episódios citados pelo delator teria ocorrido quando Pinheiro era secretário. Valença relata que precisou solicitar a liberação de R$ 18 milhões devidos à Galvão pela obra do Eixão das Águas, sob responsabilidade da pasta. O então secretário teria dito que os recursos só sairiam após pagamento ao MD B. SegundoValença, Pinheiro teria dito: “O Eunício me mata se ficar sabendo que eu autorizei um pagamento desse sem uma participação para nós. Não dá para passar um valor desses na minha secretaria sem nenhuma participação”.

O delator afirmou ainda que, em 2011, quando o senador Bezerra assumiu o Ministério da Integração Nacional substituindo Geddel, passou a ser o destinatário do percentual de propina, que seria paga por meio de dinheiro vivo entregue a um assessor de Bezerra em um shopping em Fortaleza. Os repasses a Henrique Alves e Geddel, segundo o delator, eram operados por Ellery em dinheiro vivo, mas Valença não forneceu detalhes do valor repassado.

O que dizem os citados

Procurado, Eunício negou as acusações por meio de nota: “Muitas delações carecem de provas que as sustentem e várias estão sendo anuladas pela Justiça. O senador não conhece os delatores. As doações de empresas ao MDB, feitas na forma da lei e quando isso tinha abrigo em nosso sistema político-partidário, estão declaradas ao TSE e aprovadas pela Justiça Eleitoral”.

Pinheiro foi procurado por meio da Companhia Docas do Ceará, que informou que ele estava de férias e que não era possível localizá-lo. A defesa de Bezerra afirmou que “o senador segue tranquilo e confiante na Justiça, pois todos esses inquéritos instaurados com base apenas na palavra do colaborador são meras ilações e serão arquivados, como já tem decidido reiteradamente o STF”. A defesa de Henrique Alves negou as acusações. A defesa de Geddel e o empresário Ênnio Ellery não responderam.