O globo, n. 31095, 25/09/2018. Economia, p. 17

 

Argentina

Janaína Figueiredo

25/09/2018

 

 

Macri busca mais US$ 5 bi e enfrenta greve

Enquanto o presidente Mauricio Macri pede mais US$ 5 bilhões de empréstimo ao FMI, greve geral deve parar a Argentina hoje, pela quarta vez em seu governo. Enquanto o governo Mauricio Macri tenta ampliar seu acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), de US$ 50 bilhões, entre US$ 3 bilhões e US$ 5 bilhões, a Argentina enfrenta hoje a quarta greve geral em menos de três anos. A paralisação afetará todo o transporte (aéreo e terrestre) e custará cerca de 32 bilhões de pesos (cerca de US$ 850 milhões) à economia argentina, segundo cálculos do governo divulgados pela imprensa local. E a população, que vem enfrentando a disparada dos preços de produtos básicos, vem apelando para clubes de troca e supermercados atacadistas.

Os recursos extras servirão para cobrir os vencimentos da dívida de 2019 e 2020, disseram fontes do governo ao jornal argentino La Nación. Macri e o ministro da Fazenda, Nicolás Dujovne, estão em Nova York. Além de participar da Assembleia Geral das Nações Unidas, o objetivo do governo é tranquilizar investidores de Wall Street e discutir valores com representantes do FMI. Macri disse ontem a uma TV local que as negociações estavam avançando eque “tinha grandes expectativas”. Ele ainda descartou o risco de um novo calo teda dívida pública( o último foi em 2002). À noite, o presidente argentino participou de um jantar de gala coma diretora-gerente do Fundo, Christine Lagarde, onde recebeu, do Atlantic Council, o prêmio Cidadão Global.

A paralisação foi convocada pela Central Geral de Trabalhadores (CGT) e pela Central de Trabalhadores da Argentina (CTA), entre outros sindicatos, que questionam o acordo com o Fundo e o ajuste econômico que consideram “asfixiante”. Eles exigem medidas emergenciais dec om bateà inflação, estimada oficialmente em 42% para este ano, e ao desemprego. Segundo dados do Indec (o IBGE local), no segundo semestre a taxa de desemprego está em 9,6%, bem acima dos 8,7% registrados no mesmo período de 2017. Isso significa que 1,850 milhão de argentinos não tem emprego.

Contra o orçamento

O cenário econômico para 2018 é sombrio. O governo Macri iniciou o ano com meta de crescimento de 3%, mas todas as projeções indicam que o PIB argentino registrará queda de até 2%. O peso passou por várias maxidesvalorizações, e o dólar, em agosto, chegou a ser cotado a 42 pesos. Desde janeiro, amoeda americana, que ontem fechou em 38,14 pesos, já acumula valorização de mais de 100%.

Ontem já ocorreram bloqueios de ruas e avenidas de Buenos Aires, organizados por movimentos sociais e partidos políticos, em uma antecipação da greve geral. O metrô suspendeu seu funcionamento às20h,eà meia-noite todos os meios de transporte deixaram de funcionar. À noite, no fim de uma manifestação,uma delegacia foi atacada com um coquetel molotov.

—Não é o momento oportuno par afazer uma greve— declarou o ministro da Produção, Dante Sica, ressaltando que o país está em um esforço “para superar crises recorrentes”. — Temos de ser muito cautelosos, estamos enviado sinais ao mercado, quete ma intenção de ir afastando as dúvidas sobre nossa política monetária, cambial e fiscal.

Mas os sindicatos argentinos estão firmes na luta contra o governo Macri e prometem parar o país por 24 horas.

— Esta será uma das maiores greves dos últimos anos —disse Pablo Moyano, filho do líder dos caminhoneiros Hugo Moyano, da CGT.

Os sindicalistas pedem, ainda, que o Parlamento não aprove o projeto de Orçamento da Casa Rosada, que prevê zerar o déficit fiscal em 2019. O resultado da votação, ainda sem data marcada, é crucial para as negociações do governo com o FMI e para recuperar a confiança dos mercados. O documento projeta inflação de 17% em 2019, com crescimento de 2%.

Atacado e Escambo

Este ano, segundo o Indec, a inflação acumulada entre janeiro e agosto foi de 24,3%. No caso dos alimentos básicos, a alta é muito mais perceptível com os picos registrados pelos preços da farinha (115%), dos ovos (56%) e de óleos (40%). A população faz oque pode para driblara alta de preços.

—Está complicado fazer todas as compras em um único lugar. Caminhamos o dia todo para encontrar os melhores preços —explica Agustina Saravia, atriz, em uma feira livre em um bairro de classe média baixa de Buenos Aires.

Outra forma encontrada pelos argentinos para se defender da inflação são as compras no atacado, modelo no qual muitas redes se especializaram nos últimos anos.

— Quem paga pela crise são os pobres, que não recebem em dólar —afirma a estudante de enfermagem Vanessa Ledesma, mãe de quatro filhos, comprando dois pacotes grandes de arroz.

Em um espaço verde, atrás da estação de trem em Monte Grande, acerca de 40 quilômetrosde Buenos Aires, pode severo ou trolado das compras no atacado. Uma jovem de 28 anos, que não quis ser identificada, trocava alguns pacotes de açúcar, comprados no atacadohá alguns meses, por conservas, tomates e roupas.

Sem emprego e com uma filha para sustentar, o velho escambo tornou-se o único meio deli darcom acrise:

— Há dois meses que não vou ao supermercado. Compro tudo por escambo, troca.

Surgidos na crise de 2001, os clubes de troca voltaram a ganhar força, agora ajudados pelas redes sociais.

— Nós nos organizamos via Facebook —conta Miriam Silva, uma das administradoras do grupo Solidarity Exchange MG, que faz encontros semanais em Monte Grande.

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País é hoje mercado onde Uber registra maior crescimento

25/09/2018

 

 

Motoristas argentinos, porém, não conseguem repassar parte das comissões

O mercado de maior crescimento do Uber no mundo agora é a Argentina, afirmaram ontem executivos da empresa, atribuindo a expansão à profunda crise econômica do país, que elevou o desemprego e derrubou o poder de compra dos argentinos. Dados mostram que 20% dos motoristas da companhia em Buenos Aires, a única cidade argentina onde ela opera, estavam desempregados antes de ingressar na empresa.

O Uber diz que nos últimos três meses teve 55 mil motoristas ativos e 1 milhão de usuários ativos em Buenos Aires. A cada dia, são contabilizados entre 300 e 400 novos motoristas e 7 mil novos usuários.

O Uber opera na Argentina desde 2016, quando enfrentou resistência agressiva de taxistas e autoridades governamentais, incluindo disputas legais que levaram à proibição de pagamentos com cartão de crédito, a não ser que seja emitido no exterior — o que poucos argentinos têm.

Ainda que reconheça que a desaceleração da economia ajudou, a empresa diz não temer que uma recessão impulsione o número de motoristas sem alta equivalente na demanda. As projeções para a economia este ano apontam retração de até 2%.

Andrew Macdonald, diretor do Uber na América Latina, atribui o aumento da demanda na Argentina à escassez de opções de transporte público, lembrando que o crescimento foi maior nos bairros com menos serviços de ônibus e trem.

O problema é que a legislação local impede a cobrança da comissão de 25%, única fonte de receita do Uber. Quando o pagamento é em dinheiro, os motoristas não têm como repassar o valor, ficando em dívida com a empresa.

O enigma de não lucrar com seu rápido crescimento na Argentina reflete um problema maior para o Uber, que luta para provar que pode ser lucrativo antes de sua abertura de capital, prevista para 2019.