O globo, n. 31084, 14/09/2018. País, p. 8 e 9

 

Encarnando o antipetismo

Jeferson Ribeiro

Fernanda Krakovics

Bernardo Mello

14/09/2018

 

 

Alckmin ataca ‘vários tons de vermelho’ de adversários

Numa tentativa de recuperar terreno entre os eleitores antipetistas, o candidato tucano Geraldo Alckmin mirou nos adversários que se associam ao nome do ex-presidente Lula. E afirmou que o apoio a Jair Bolsonaro (PSL) acaba por fortalecer a candidatura do PT. Por isso, diz que é necessário evitar os extremos na disputa. O ex-governador de São Paulo indica que o ex-capitão do Exército seria um “aventureiro”. E diz que o país não pode ter alguém com perfil “caricato” na Presidência.

—Sou contra esses radicalismos e populismos de esquerda e de direita. Tem de um lado os vários tons de vermelho, o (Fernando) Haddad, a Marina (Silva), o Ciro (Gomes), o (Guilherme) Boulos, e, do outro lado, tem uma coisa meio caricata. E vou levar minha mensagem de que temos que trilhar outro caminho. No fundo, você tem muita gente votando no Bolsonaro porque é contra o PT, e acaba dando passaporte para a volta do PT. O que eu puder fazer para impedir isso, é meu dever fazê-lo. A prioridade do PT não é o Brasil, é o Lula. Lula, Lula, Lula. Essa é a prioridade do PT — disse o candidato, que também incluiu o emedebista Henrique Meirelles, que presidiu o Banco Central durante o governo petista, como outro adversário que tenta se vincular a imagem do ex-presidente.

Apesar das críticas, o tucano voltou a prestar solidariedade à família de Bolsonaro, após o ataque sofrido na semana passada. Porém, ressaltou que não se pode interditar o debate eleitoral em função do atentado, considerando que o país passa por situação “gravíssima”. O candidato ainda usou Bolsonaro como exemplo da necessidade de mudar o sistema eleitoral. Ao defender a implementação do voto distrital ou distrital misto , ele opinou que o candidato do PSL representa um “corporativismo” provocado pelo sistema proporcional.

— O que é o Bolsonaro? Corporativismo puro. Sete mandatos defendendo carreira, defendendo corporação. Vota contra a quebra do monopólio do petróleo e das telecomunicações, contra o Plano Real, contra o cadastro positivo. Tudo corporativismo.

Disputa está aberta e será definida nos últimos dias

Alckmin insistiu que está bem posicionado nas pesquisas, considerando o momento da disputa e as mudanças recentes no quadro eleitoral. Elencou a formalização de Haddad como candidato do PT e o atentado sofrido por Bolsonaro como as principais novidades. Ele acredita que será beneficiado pelo movimento de voto útil na reta final da disputa, quando os eleitores abandonam os candidatos menos competitivos.

—Primeiro, acho que ninguém está garantido no segundo turno. A eleição está totalmente aberta. As últimas eleições já foram assim, com decisão nos últimos sete dias. E 9% (nas pesquisas) até no dia (do voto). Essa é uma eleição que teve o episódio triste do Bolsonaro e na qual o PT só definiu o candidato há dois dias. É completamente atípica. A falta da mudança politica levou a essa fragmentação (de candidaturas). Acho que vai ter voto útil à medida que vai avançando a campanha.

Investigações contra ele e outros tucanos

Para Alckmin, a ação de improbidade administrativa aberta contra ele pelo Ministério Público de São Paulo, na última semana, é um “negócio esquisito”. O tucano lembrou que Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) abriu reclamação disciplinar para apurar a atuação dos promotores responsáveis pela ação, que o acusam de receber R$ 7,8 milhões em caixa dois da Odebrecht nas eleições de 2014.

— Sempre fui defensor do MP e continuo sendo. Mas é preciso ter o cuidado para que a instituição seja forte e independente. Para ficar distante de paixão política —disse Alckmin.

Diferentemente de Haddad, que recentemente também foi denunciado pelo MP-SP e chegou a falar em “uso eleitoral” da instituição, o candidato do PSDB evitou acusar a instituição, e argumentou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já aceitou o argumento de sua defesa, de que o dinheiro se refere a doações de campanha declaradas legalmente.

— É uma posição pessoal de um promotor contra a decisão do STJ e do Ministério Público Federal. Não tem nenhuma prova disso (caixa dois). Nenhuma, nenhuma, nenhuma.

Alckmin adotou ainda um tom cauteloso ao comentar a prisão do ex-governador do Paraná Beto Richa e a operação da Polícia Federal contra o governador de Mato Grosso do Sul, Reinaldo Azambuja, ambos do PSDB.

— O que todos nós queremos, e a sociedade brasileira quer, é que se investigue, se apure, se puna os culpados e se absolva os inocentes. Isso vale para todo mundo. Pessoas citadas devem se explimudam car. É claro que foi uma grande surpresa. Vamos aguardar as investigações. Não passamos a mão na cabeça de ninguém.

A Operação Lava-Jato investiga um suposto esquema de corrupção na gestão de Richa, que envolveria irregularidades em licitações e desvios de recursos. No caso de Azambuja, as denúncias estão fundamentadas em delações premiadas de executivos da J&F. A suspeita é de um esquema criminoso para concessão de créditos tributários.

Geraldo Alckmin minimizou o fato de o ex-governador de Minas Eduardo Azeredo e o senador Aécio Neves (MG) — o primeiro preso, e segundo investigado por corrupção — continuarem no PSDB. O presidenciável disse que Eduardo Azeredo está afastado da política, e que Aécio ainda não foi julgado. Apesar de ser presidente do partido, afirmou que não tem liderança dentro da legenda.

— Nunca tive (liderança no partido), nunca participei de vida partidária, passei oito anos me dedicando à política de São Paulo. ‘Fui contra entrar no governo Temer’

Na tentativa de ser visto como adversário do governo Temer, que é o mais impopular desde a redemocratização, o tucano disse que ficou contra participação do PSDB na gestão emedebista.

— Eu fui contra entrar no governo, totalmente contra. Eu defendia na época que devíamos aprovar as medidas de interesse do país. Não precisamos ter ministério para isso.

E jogou sobre o PT a responsabilidade pela qualidade da gestão de Temer, que assumiu após o impeachment de Dilma Rousseff.

— É evidente que o impeachment é traumático. Quem assume não tem a força do voto. Aliás, de novo a culpa é do PT. O PT que escolheu o Temer, não fomos nós.

Sobre os vídeos divulgados pelo presidente Michel Temer na última semana, quando reage à campanha de Alckmin contra o governo do MDB e pede ao tucano para que “conte exatamente a verdade” no horário eleitoral, o candidato tucano disse que achou o presidente “meio fora do tom”.

— Quem recebe (crítica) fica “pê” da vida, mas a gente amadurece e vai entendendo melhor. Achei a postura dele (Temer) meio fora do tom, porque não fiz uma crítica pessoal. Era uma crítica administrativa. O governo não funciona. O problema não é de ministro. É do presidente, que não tem liderança. Isso é um fato.

Governo federal precisa cobrar ressarcimento pelo uso do SUS

Alckmin defendeu o atendimento universal gratuito, pilar do Sistema Único de Saúde (SUS), e argumentou que pretende trazer mais recursos através do ressarcimento de seguradoras privadas cujos clientes foram atendidos nas unidades públicas. Dados da Agência Nacional de Saúde (ANS) mostram que as operadoras tinham, em julho, uma dívida de cerca de R$ 2 bilhões com a União.

— Em São Paulo, 18% do pessoal que nós atendemos têm seguro de saúde, e nós não recebemos nada. Quem tem que cobrar é o governo federal, que é um péssimo cobrador. Só aí dá para fazer uns R$ 3,5 bilhões, e ajudar o financiamento do SUS — disse Alckmin, citando também os gastos em disputas judiciais com as seguradoras: —São Paulo gastou R$ 1,6 bilhão com judicialização. Com isso, resolveríamos os problemas de todas as Santas Casas. Precisamos de câmaras técnicas. Nem precisa entrar na justiça: se está no protocolo, não tem discussão.

Alckmin negou, contudo, que possa propor a recriação da CPMF para aumentar o financiamento do setor.

— Não pretendo aumentar carga tributária. Minha tese é: apertar o cinto do governo para não apertar o da população.

‘Vou cortar gastos para valer’

O tucano disse que pretende zerar o déficit primário, que será de R$ 139 bilhões em 2019, em dois anos. Para isso, prometeu fazer um forte ajuste fiscal, privatizar e fechar estatais e aprovar as reformas da Previdência e tributária.

— Em dois anos (será) zerado (o déficit). Ajuste imediato, porque isso traz confiança. Há uma crise de confiança, e aí o investidor não investe porque não confia, o consumidor não consome porque está preocupado com o futuro. Então, primeiro é cortar gasto. E eu vou cortar gastos para valer. O pessoal não ideia do ajuste fiscal que vai ser feito.

Alckmin também falou que vai rever as desonerações tributárias, mas não revelou quais setores da economia vão perder benefícios.

— Temos que analisar primeiro o mérito e o custo benefício para a população brasileira. Nós vamos analisar no momento adequado.

O tucano disse ainda que quer aprovar uma Reforma da Previdência que equipare os benefícios dos servidores públicos ao teto dos aposentados da iniciativa privada. E o funcionário federal que quiser receber acima disso terá que pagar um valor complementar ao sistema. Já na área tributária, ele quer criar um único imposto (IVA), que substituiria IPI, ICMS, ISS, PIS e COFINS.

Candidato contesta avaliação do Ideb

Ex-governador de São Paulo, Alckmin tentou minimizar o resultado negativo do estado no ranking no Índice de Desenvolvimento da Educação (Ideb) de 2017, divulgado no último dia 3. O estado, comandado por ele até abril, perdeu a liderança tanto nas duas etapas do ensino fundamental quanto no ensino médio. Confrontado, ele preferiu destacar que, em termos absolutos, São Paulo avançou nos anos iniciais e finais do ensino fundamental. No ensino médio, a rede estadual também caiu de 3,9 para 3,8 pontos na avaliação. Neste caso, ele contestou a metodologia do Ideb, que não considera o ensino técnico.

— Eles tiraram do exame nossos melhores alunos. É um absurdo — afirmou, antes de completar: —Não sou candidato a governador, sou a presidente da República.

Se eleito, ele afirmou que pretende priorizar o investimento na educação básica, em detrimento ao ensino superior. Na sua opinião, alunos de programas de especialização oferecidos na pós-graduação de universidades públicas, o que inclui os cursos de MBA, devem pagar pelos estudos.

Promessas para o trabalhador

Questionado sobre a manutenção da lei que prevê reajustes do salário mínimo acima da inflação, cuja validade expira este ano, Alckmin se comprometeu a não modificar a regra de remuneração.

— Ele vai ter a inflação e um ganho real que pode ser do PIB, da produtividade.

E disse ainda que pretende permitir que os trabalhadores possam escolher onde aplicar até metade do (FGTS) e aumentar a rentabilidade do Fundo de Garantia.

— Nos últimos anos, o dinheiro do trabalhador rendeu menos do que a inflação. Ele derreteu.

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

As duas ofensivas sobre o voto de Bolsonaro

Pedro Dias Leite

14/09/2018

 

 

O candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, tenta avançar sobre os eleitores de Jair Bolsonaro (PSL) em duas frentes, como mostrou na sabatina de ontem. Em primeiro lugar, tenta reafirmar suas credenciais antipetistas. A declaração de que seus adversários são todos “50 tons de PT” (em uma variação, por ironia, de uma frase do psolista Guilherme Boulos) e “adoradores de Lula” elencou os óbvios Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede), mas incluiu também estrategicamente outro ex-ministro do petista e do governo de Michel Temer, o economista Henrique Meirelles.

O candidato do MDB, com apoio num eleitorado que poderia migrar para o tucano, marca 3%, percentual baixo, mas que pode significar a diferença entre ir para a disputa no segundo turno ou ficar para trás, em uma eleição tão acirrada como a atual. Um dos vários fatores a segurar Alckmin em um patamar baixo nas pesquisas é justamente a dispersão de votos “tucanos” entre candidatos de perfil semelhante ao dele, como João Amoedo (Novo) e Alvaro Dias (Podemos), que também alcançam 3% cada um.

A segunda ofensiva sobre o eleitor bolsonarista é mais pelo lado racional: votar em Bolsonaro, raciocinou Alckmin, seria colocar o governo federal de novo nas mãos dos petistas. O argumento tem uma base real. Embora haja divergências entre as pesquisas, em algumas delas o petista fica empatado com o candidato do PSL, enquanto os outros concorrentes conseguiriam derrotá-lo.

Esse ponto do voto útil foi, aliás, admitido abertamente pelo tucano, que defendeu que o eleitor escolha seu candidato só mais perto da data do segundo turno, em 7 de outubro —quando, ele espera, as pesquisas o mostrarão embolado para superar o primeiro turno e com um desempenho contra Fernando Haddad (PT) melhor que o de Bolsonaro num possível segundo turno.

Quando sai do discurso antipetista (“a prioridade do PT não é o Brasil, é o Lula, Lula, Lula”, repetiu), o ex-governador insiste num discurso técnico. A tática o levou ao comando do governo de São Paulo, mas deve ser difícil angariar votos ao criticar a “iatrogenia” —problema de saúde que não existia e que foi causado pelo próprio tratamento médico, explicou o candidato.

O resultado da disputa de de 7 de outubro vai mostrar se o tratamento deu certo ou se a campanha tucana pode fracassar pelos erros provocados por sua própria atuação.