O globo, n. 31093, 23/09/2018. País, p. 11

 

Doações de pessoas físicas privilegiam Legislativo

Igor Mello

23/09/2018

 

 

Diferentemente das eleições passadas, quando destinavam verbas generosas para presidenciáveis, dez maiores doadores apostam em postulantes ao Congresso, muitos identificados com suas áreas de atuação; repasses chegam a R$ 22 milhões

Alista dos maiores doadores desta eleição, povoada quase exclusivamente por grandes empresários, revela uma mudança na lógica do financiamento de campanhas. Entre os dez mais generosos no repasse de recursos, quase todo o dinheiro está indo para candidatos ao Legislativo.

Dos R$ 22 milhões doados até a manhã de anteontem, nenhum centavo foi para campanhas presidenciais. Praticamente 70% desse montante foi para candidaturas de senadores e deputados federais e estaduais.

Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), esse grupo de doadores foi responsável por repassar recursos para 23 dos 35 partidos. Foram financiados por eles 126 candidatos e 12 siglas. Todos os grandes doadores despenderam até aqui pelo menos R$ 1 milhão.

O maior deles até o momento é Rubens Ometto, fundador e presidente do conselho de administração do grupo Cosan. O empresário — que atua nos ramos de combustíveis e açúcar — gastou quase R$ 6,2 milhões para ajudar na eleição de 48 candidatos filiados a 14 legendas.

Embora o espectro ideológico entre eles seja amplo, para muitos desses candidatos há um ponto em comum: 11 são deputados federais e integram a Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, responsável por avaliar as propostas legislativas sobre o setor de combustíveis, no qual atua a Cosan.

Ao responder se a participação dos parlamentares na comissão influenciou em suas decisões de apoio, Ometto limitou-se a dizer, por meio de nota, que “as doações eleitorais foram realizadas em caráter pessoal e seguem as regras estabelecidas pelo Tribunal Superior Eleitoral e demais normas aplicáveis”. Outro exemplo na distribuição de recursos é Rubens Menin,f undador da construtor a MRV.

O empreiteiro, terceiro que mais doou, destinou R$ 2,3 milhões para 13 candidatos e dois diretórios partidários. Entre os políticos, as maiores contribuições — de R$250 mil cada—foram para dois ex-ministros das Cidades: Bruno Araújo (PSDBPE), que tenta se eleger senador, e Aguinaldo Ribeiro (PPPB), que disputa uma vaga na Câmara.

A MRV é a maior operadora do programa Minha Casa Minha Vida, gerido pelo Ministério das Cidades. Até o fim de 2017, a construtora recebeu R$ 136 milhões por obras na Faixa 1 do programa, voltada para famílias de baixa renda, segundo dados obtidas pelo GLOBO por me ioda Leide Acesso à Informação. Porém,é nas faixas 2 e 3 que a MRV mais atua.

Os repasses nessas faixas não são divulgados, segundo a Controladoria Geral da União (CGU), por se tratarem de financiamentos incluídos nas regras de sigilo fiscal. Menin foi procurado, mas não respondeu às perguntas enviadas pelo GLOBO. Em entrevista ao “Valor Econômico”, ele elogiou o Minha Casa Minha Vida, e comentou as doações feitas nesta campanha: “Não podemos falar de política partidária. Mas eu apoio e ajudo candidatos do Congresso. Meu sonho é melhorar o Congresso. Se eu puder colocar dez deputados de bom nível já é muito”.

Para especialistas, as doações de pessoas físicas estão reproduzindo, ainda que com valores menores, as práticas das doações empresariais, em vigor até a eleição de 2014. Entre elas, estão o financiamento de políticos para a defesa de interesses de grupos econômicos e a pulverização de doações por um amplo espectro partidário. —Com o modelo de financiamento que nós temos, as candidaturas majoritárias recebem financiamento do fundo eleitoral.

Os partidos priorizam as candidaturas presidenciais e aos governos estaduais. Quem mais depende de orçamento nesse novo sistema são os candidatos ao Legislativo. Não espanta que o volume maior de doações seja exatamente para eles.

Quem vai defender as pautas específicas desses empresários é o Congresso Nacional, que inclusive pressiona o presidente. O mesmo se dá na relação das assembleias legislativas com os governadores — analisa o sociólogo Paulo Baía, professor da UFRJ. Já o cientista político Ricardo Caldas, professor da UnB, destaca que a lógica de influenciar na formação das bancadas por interesses econômicos agora convive com repasses de perfil ideológico, que visam a fomentar a eleição de políticos que defendam certas premissas:

— Na época das doações de pessoa jurídica, era basicamente o interesse empresarial que pautava as escolhas. Agora que é pessoa física, há também financiamento de caráter ideológico, como os empresários que vêm financiando esses movimentos com a bandeira da renovação política. As duas coisas coexistem.

Família Rocha

Dona das lojas Riachuelo, a família Rocha mostra que não desistiu de influenciar a política depois que Flávio Rocha desistiu de sua précandidatura à Presidência pelo PRB. Três integrantes da família, Nevaldo, Lisiane e Elvio, doaram juntos R$ 4,7 milhões. Eles auxiliaram 25 políticos de 12 siglas. Grande parte deles está em partidos que compõem a base do governo do presidente Michel Temer — além do PRB, ao qual Flávio Rocha é filiado, MDB, PR, PSDB, PSC e SD. Também há recursos destinados para nomes do PSL do presidenciável Jair Bolsonaro.

Cerca de 42,5% dos recursos são destinados a Gabriel Kanner, candidato a deputado federal pelo PRB em São Paulo. Embora o sobrenome Rocha fique fora da urna, ele é sobrinho e braço-direito de Flavio Rocha na Riachuelo. Aos 28 anos, Kanner defende a mesma plataforma do tio, de redução do tamanho do Estado. Sua campanha será integralmente bancada com recursos familiares.