O globo, n. 31093, 23/09/2018. País, p. 14

 

Aposta de campanhas, aplicativos de celular frustram marqueteiros

Bruno Abbud

23/09/2018

 

 

Em 1922, Arthur Bernardes foi o primeiro candidato em uma disputa eleitoral a usar um telégrafo. Em 1929, Júlio Prestes estreou sua campanha no rádio. Em 1959, Jânio Quadros foi pioneiro na TV. Em 1996, Francisco Rossi inaugurou o uso político da internet. Neste ano, Geraldo Alckmin (PSDB) foi o primeiro presidenciável a apostar em um aplicativo de celular. De todos os meios usados por políticos durante campanhas, o aplicativo é o mais recente — mas também o que mais vem aborrecendo marqueteiros de candidatos.

Aposta de presidenciáveis como Alckmin, Jair Bolsonaro (PSL) e João Amoêdo (Novo) para inflar a popularidade, o uso de aplicativos, até agora, teve adesão abaixo do esperado por desenvolvedores e equipes de campanha. Lançado em abril, o Talckmin, desenvolvido pela agência pernambucana Wololo, esperava alcançar cem mil usuários à época do lançamento. Atualmente, tem cerca de três mil.

—O Talckmin ainda não supriu a expectativa. Tenho uma performance melhor no WhatsApp, no Instagram, no Facebook. Se não tiver espaço na memória do seu celular você vai lá e deleta o aplicativo —diz Fabricio Moser, coordenador da área digital da campanha de Geraldo Alckmin. Segundo ele, a baixa taxa de engajamento é o principal problema nos aplicativos. Dos usuários que fazem o download, cerca de 10% costumam cumprir com as tarefas propostas por meio do canal, como o compartilhamento de notícias mediante prêmios virtuais.

— Consigo ter uma taxa de abertura muito maior quando mando uma tarefa no chatbot do Facebook ou quando envio isso em listas de transmissão no WhatsApp —diz Moser.

O app Voluntários da Pátria 17, desenvolvido em agosto pela agência fluminense AM4 para a campanha de Bolsonaro, espera atingir cem mil downloads, mas até agora conseguiu só 14 mil. — Com a ocorrência do atentado, interrompemos a divulgação e reestruturamos nossa estratégia. Nossa expectativa é que esse número cresça quando publicarmos o vídeo do Bolsonaro falando sobre o aplicativo —diz Marcos Aurélio Carvalho, CEO da AM4. O Novo Mob, do partido de João Amoêdo, também contratou a Wololo com a intenção de chegar aos cem mil usuários. Lançado em julho, teve o maior número de downloads: 45 mil.

O valor pago pelas campanhas por um app varia entre R$ 20 mil e R$ 100 mil, a depender da quantidade de usuários cadastrados. Segundo a prestação de contas, a campanha de Bolsonaro pagou R$ 100 mil à AM4 por serviços na área digital. A maior parte dos aplicativos de campanha, incluindo o de Alckmin, tem contrato até 31 de outubro, logo após o fim do segundo turno. Depois dessa data, serão retirados do ar. No caso do Novo Mob, cuja intenção é manter um canal com filiados ao partido, o contrato vai até dezembro, com possibilidade de renovação.

A última moda entre as campanhas é uma plataforma padrão que incentiva o usuário a curtir e compartilhar conteúdo mediante a premiação com estrelas ou medalhas virtuais. Quanto mais o usuário cumprir com tarefas propostas no aplicativo, mais avança em um ranking virtual. A estratégia é chamada por especialistas de gamificação. No aplicativo de Bolsonaro, por exemplo, o usuário é promovido numa escala que começa em recruta e termina em capitão. Na plataforma também é possível responder enquetes e enviar queixas de serviços públicos, além de acessar as propostas de governo, contribuir com doações e baixar santinhos políticos.

No fim de agosto, a Apple retirou da sua loja virtual, a App Store, 11 apps oficiais de políticos em campanha. Além do Talckmin e do Novo Mob, foram retirados da App Store aplicativos de candidatos a governador, como Paulo Skaf (MDB-SP) e WaldezGóes(PDT-AP)edecandidatos a deputado estadual e federal e senador.

A Apple alegou que os apps infringiam as cláusulas 3.2.2 e 5.0 do regulamento interno da App Store ao “encorajar usuários a realizar tarefas de marketing orientadas”, além de facilitar “uma atividade que não é legal em todos os locais onde o app está disponível”. Todos os aplicativos suspensos foram desenvolvidos pela Wololo. Mas permanecem disponíveis na loja virtual do Google. Por causa da suspensão, a agência pernambucana perdeu os contratos com as campanhas de Paulo Câmara e Paulo Skaf, que desistiram dos aplicativos após a decisão da Apple.

— Nossa briga na Justiça é para que a Apple seja clara no motivo da retirada. Disseram que o aplicaativo não pode falar só de eleição, mas não deram detalhes —diz Eden Wiedemann, CEO da Wololo. No início do mês, os advogados da Wololo impetraram uma ação civil na Justiça paulista, pedindo uma liminar para incluir novamente os aplicativos na loja virtual. O pedido foi indeferido na primeira instância. Os advogados agora aguardam uma decisão do desembargador Erickson Gavazza Marques, relator do processo na 5ª Câmara de Direito Privado.

— O TJ-SP entende que a Apple tem que ser ouvida antes de deferir a liminar. Estamos esperando que isso aconteça — disse o advogado Felipe Caon, que representa a Wololo na Justiça.

TSE não fiscaliza

O aplicativo Voluntários da Pátria 17, de Jair Bolsonaro, ainda não foi liberado pela Apple. Por meio de sua assessoria de imprensa, a empresa americana informou que “o app está em revisão” eque não há prazo para sua liberação. Alei eleitoral proíbe premiações como doações em dinheiro, troféus ou “ajudas de qualquer espécie feitas por candidato” no período entre o registro da candidatura e a eleição, sob pena de detenção de seis meses a um ano, além de cassação de registro do candidato.

— A legislação se aplica no ambiente real e no virtual, embora no último seja mais difícil encontrar dolo — diz Diogo Rais, professor de Direito Eleitoral da Universidade Mackenzie, de São Paulo. O Tribunal Superior Eleitoral(TSE) não fiscaliza ou sode aplicativos na campanha.