O globo, n. 31091, 21/09/2018. País, p. 9

 

Partidos usam vices mulheres para aplicar cota

Mateus Coutinho

21/09/2018

 

 

Ao menos três campanhas presidenciais já adotaram manobras contábeis para tentar garantir, por meio das candidatas a vice-presidente, a aplicação do percentual mínimo de 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para candidatas mulheres. Os diretórios nacionais do PDT, PSDB e PSOL fizeram doações nominais para candidatas a vice de suas chapas mesmo sem precisar, uma vez que as prestações dos candidatos a presidente e a vice são conjuntas. Mas, na prática, isso permite incluir estes gastos na cota de 30% determinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Apesar de os candidatos a presidente e a vice possuírem um CNPJ e uma conta bancária cada, na prática as declarações de gastos e receitas dos dois são apresentadas e analisadas conjuntamente. Com isso, as candidatas a vice poderiam utilizar as doações à campanha presidencial para bancar suas agendas e atividades de campanha. Os recursos que os partidos declararam doar para Kátia Abreu (PDT), Ana Amélia (PP) e Sônia Guajajara (PSOL) poderiam ser utilizados para outras campanhas femininas.

O diretório nacional do PDT declarou ter doado R$ 7,5 milhões para a campanha de Kátia Abreu, valor que corresponde a 14% do total doado pela sigla até agora, só inferior aos R$ 12,5 milhões do candidato à Presidência Ciro Gomes. Já o diretório nacional do PSDB declarou doação de R$ 1,5 milhão para Ana Amélia, candidata a vice de Geraldo Alckmin (PSDB), valor que supera, por exemplo, o que foi doado para o senador e candidato do partido à Presidência na última eleição Aécio Neves (PSDB), que hoje disputa uma vaga na Câmara dos Deputados e recebeu R$ 1 milhão da sigla. Já o PP, partido de Ana Amélia, não declarou nenhuma doação para ela.

A assessoria de Ana Amélia disse que o valor doado pelo PSDB é direcionado a cobrir os gastos que ela está tendo na campanha, “pois vem cumprindo agendas diárias em várias regiões do país”.

A candidata a vice-presidente do PSOL, Sônia Guajajara, recebeu R$ 1,7 milhão do partido. A doação só é menor que a feita ao próprio candidato à Presidência, Guilherme Boulos, que recebeu R$ 4,1 milhões.

Nos três casos, as doações para as vices acabaram sendo contabilizadas nas prestações entregues pelos candidatos à Presidência como doações para eles. O tesoureiro da campanha do PSOL, José Ibiapino, disse que, no caso do partido, Sônia Guajajara tem uma estrutura própria de campanha, separada de Boulos, e tem realizado agendas diferentes. Ele, no entanto, admitiu que a iniciativa da doação nominal para ela foi também uma forma de a sigla se prevenir contra futuros questionamentos.

—Como o TSE não se posicionou sobre o assunto, estamos tentando fazer as doações de forma preventiva, para que não sejamos questionados por não ter utilizado os 30% — explicou o tesoureiro.

PT ainda sem gastos

O PDT também admitiu, por meio de sua assessoria, que os recursos para Kátia Abreu fazem parte dos 30% determinados pela Justiça Eleitoral. Já o PSDB afirmou, também pela assessoria, que os recursos “foram distribuídos conforme prioridades decididas pelo Secretariado da Mulher do PSDB”.

A campanha presidencial de Fernando Haddad (PT), que tem Manuela Dávila (PCdoB) como candidata a vice-presidente ainda não declarou seus gastos e tampouco recebeu doações dos diretórios nacionais do PT ou do PCdoB, pois o registro de candidatura do exprefeito ainda não foi julgado pelo TSE.