Título: Disparos contra a ONU
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Fonte: Correio Braziliense, 08/06/2012, Mundo, p. 15

Um carro com membros da equipe de observadores internacionais das Nações Unidas (ONU) foi alvejado ontem, minutos após ser barrado pelo Exército sírio na estrada que leva ao vilarejo de Al-Qubair, em Hama. O local foi palco de uma violenta chacina na última quarta-feira, quando 86 civis — inclusive crianças e mulheres — foram assassinados pela milícia Shabiha, conhecida pelo apoio ao regime de Bashar Al-Assad. A ONU afirmou que os disparos não deixaram vítimas e que os observadores, que apurariam os detalhes do massacre, retornaram em segurança para a cidade de Morek, a 40km do vilarejo. De acordo com fontes da oposição, o governo estaria sabotando a entrada dos monitores internacionais em Al-Qubair.

Segundo o general Robert Mood, chefe da missão de paz, os observadores estavam a caminho da vila, quando foram parados pelas tropas e obrigados a retornar. "Eles estão sendo retidos nos postos de controle do Exército sírio e, muitas vezes, têm que voltar. Algumas patrulhas são até mesmo paradas em áreas civis", afirmou, por meio de um comunicado.

"Estamos recebendo informações de moradores no local de que a segurança de nossos observadores corre risco, caso eles entrem em Al-Qubair. Apesar dos desafios, eles ainda vão investigar fatos (sobre a chacina)", afirmou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. A missão — da qual 10 militares brasileiros desarmados fazem parte — fará hoje uma nova tentativa de chegar ao vilarejo.

O episódio aumenta as desconfianças de organismos internacionais de que o regime sírio possa estar envolvido na chacina de anteontem. Enquanto a agência de notícias estatal Sana — ligada ao presidente — divulga que apenas nove pessoas morreram no vilarejo de Hana e que os ataques foram feitos por terroristas, a oposição assegura que foram 86 mortes, todas provocadas pela milícia pró-Assad.

Rebeldes sírios posam para fotos durante funeral, na província de Idlib

Horrorizado O enviado da ONU e da Liga Árabe para a Síria, Kofi Annan, se disse horrorizado pelos massacres e pediu "um novo nível" de ação internacional para pôr fim à violência brutal. Nos últimos 15 meses, cerca de 13 mil pessoas morreram. "Devo ser franco e confirmar que o plano (de cessar-fogo implantado no último dia 12 de abril) não está sendo respeitado", declarou. Annan disse à Assembleia Geral que, caso não ocorra uma mudança radical, "é provável que o futuro seja de repressão brutal, massacres, violência sectária e inclusive uma guerra civil aberta".

Os Estados Unidos e o Reino Unido condenaram com veemência o massacre em Hama e classificaram os assassinatos de "ultrajantes". Em nota, a Casa Branca alertou que a chacina "é uma afronta à dignidade humana". A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, foi incisiva e sugeriu a Al-Assad que abandone a Síria. "Se o plano de Annan não funciona, então temos de voltar ao Conselho de Segurança da ONU para propor medidas mais robustas e eficazes", sugeriu Willian Hague, chenceler britânico.

O Conselho de Segurança, por sua vez, enfrenta mais imposições por parte da Rússia e da China — dois dos cinco membros permanentes que têm poder de veto —, com relação a uma possível intervenção direta. O ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, pontuou que Moscou vetará qualquer texto que proponha uma intervenção externa. Na Assembleia Geral da ONU, o representante da China, Li Baodong, reafirmou a oposição chinesa a uma intervenção armada externa e qualquer tentativa de forçar a mudança de governo.

Três perguntas para ...

Ausama Monajed, integrante do Conselho Nacional Sírio (CNS), o único órgão de oposição na Síria

Muitos criticam o Conselho de Segurança da ONU por não intervir de forma mais eficiente na Síria. Como o senhor vê possíveis intervenções externas? A responsabilidade de proteger a doutrina exige da ONU intervir e proteger civis sob ataque indiscriminado. O Conselho de Segurança falhou em não condenar a violência na Síria com mais eficácia, em não conseguir interromper o carregamento de armas para o país e, sobretudo, em não conseguir deter a matança. A intervenção externa tem muitas formas, incluindo a criação de uma zona segura, de corredores humanitários e de outras opções.

A presença dos observadores interfere de alguma forma na dinâmica da violência? O regime de Bashar Al-Assad está determinado a ignorar o povo da Síria e do mundo inteiro, desde que tenha garantias de que ninguém vai questioná-los sobre seus crimes. A matança indiscriminada continuou, mesmo sob presença dos observadores da Liga Árabe e das Nações Unidas. Um total desrespeito...

O aumento da violência pela oposição é uma resposta às ações do exército? Depois de vários meses sem a ação da comunidade internacional contra Al-Assad e seu regime, as pessoas foram forçadas a se defender. Quanto mais a comunidade internacional atrasar esse assunto, mais complicada a situação se tornará. A revolução continua a ser uma grande medida não violenta, com enormes manifestações pacíficas organizadas diariamente. (MFS)