O globo, n. 31086, 16/09/2018. País, p. 4
Dinheiro carimbado
Natália Portinari
16/09/2018
Aos 38 anos, Flávia Arruda é candidata a deputada federal pela primeira vez e entrou no seleto grupo de dez parlamentares que mais receberam recursos de seus partidos para fazer campanha. No caso de Flávia, foram R$ 2,4 milhões transferidos pelo PR do Distrito Federal até a semana passada —total bem próximo do teto de R$ 2,5 milhões de gastos estipulados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para os candidatos à Câmara dos Deputados no DF. Numa campanha eleitoral que começou sob a expectativa do surgimento de outsiders para mudar uma política abalada por sucessivos escândalos, a candidata do PR é exemplo de como a renovação, se depender da distribuição do fundo eleitoral feita pelos partidos, dificilmente ocorrerá. Levantamento do GLOBO revela que, dos R$ 843 milhões distribuídos pelos partidos para as campanhas ao Congresso Nacional, R$ 563 milhões, 67%, foram para as mãos de quem tem ou já teve mandato como senador ou deputado federal.
O grupo que ficou com os 33% restantes, porém, também está povoado por figuras carimbadas, como a expresidente Dilma Rousseff (PT-MG, R$ 2,7 milhões), ou apadrinhadas por profissionais da política, como Flávia Arruda e Danielle Cunha (MDB-RJ, R$ 2 milhões), filha de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara preso por corrupção e lavagem de dinheiro. A principal credencial eleitoral de Flavia Arruda é ser mulher do ex-governador José Roberto Arruda, que a lançou como candidata por estar impossibilitado de concorrer pela Lei da Ficha Lima — ele foi condenado em segunda instância por improbidade administrativa. — Realmente, tem que investir em pessoas que nunca tiveram cargo. Por ter que destinar 30% do fundo às mulheres, o partido mandou essa verba para mim — afirmou Flávia, que disse ter sido surpreendida pelo valor recebido. —É a única forma de fazer campanha, já que não somos empresários, mas talvez a gente nem utilize o valor inteiro.
Ao gosto do freguês
A lei que criou o fundo eleitoral de R$ 1,7 bilhão, em outubro de 2017, não especificou como o dinheiro do Tesouro Nacional seria distribuído. Os critérios foram elaborados por cada sigla e entregues ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em julho deste ano. À exceção de algumas campanhas presidenciais, a maioria dos partidos privilegiou a transferência de dinheiro para deputados federais e senadores que tentam a reeleição e não estipulou um mínimo para os demais candidatos. Pelas vias oblíquas da distribuição de dinheiro, os partidos acabaram criando uma versão do voto em lista. Até a última quinta-feira, 2,8 mil de 8,8 mil candidatos ao Congresso haviam recebido verba dos partidos, segundo o TSE. Desses, 736 já foram senadores ou deputados; 367 têm mandato hoje e concentram 40% do dinheiro público. Quem não faz parte desta lista de agraciados não tem dinheiro para imprimir panfletos ou produzir programas de TV. Dessa verba, 91% são oriundos do fundo eleitoral. Os restantes 9% saíram do fundo partidário, que existe para manter as atividades dos partidos durante todo o ano. A distribuição mais desigual ocorre no MDB, DEM e PSDB, que destinaram mais de 80% da verba para quem já teve mandato no Congresso Nacional. Eunício Oliveira, presidente do Senado, concorre à reeleição com uma doação de R$ 3,3 milhões. A verba do senador, que está no MDB desde 1972, quase corresponde ao teto de gastos de campanhas ao Senado no Ceará, R$ 3,5 milhões. O presidente do partido, Romero Jucá, que já foi ministro dos governos
Lula e Temer e governador de Roraima, recebeu R$ 2 milhões para tentar se reeleger ao Senado Federal. — Quem tem mandato é que tem influência no partido para ter acesso a essa verba, já que a decisão cabe à cúpula — analisa o cientista político Carlos Melo. —Precisava haver uma regra em que a distribuição não passasse pela direção partidária. Ou, então, precisamos discutir se é justo poder ficar vários mandatos no mesmo cargo. Precisamos institucionalizar mecanismos que favoreçam a renovação. O fundo eleitoral é só uma de diversas medidas da reforma política de 2017 que dificultam a renovação, segundo Leandro Machado, cofundador do Agora, grupo que lançou 17 candidatos neste ano. A redução do tempo de TV para nanicos e
o calendário eleitoral reduzido de 90 dias para 45 também são apontados como fatores que impedem a divulgação de novos nomes. —A reforma foi feita para alcançar esse objetivo mesmo, fechar as portas para o novo — afirma Machado. —Os partidos fizeram uma lei bem feita para proteger os interesses da velha política e empoderar os seus caciques.
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Novos candidatos reclamam de falta de verba
16/09/2018
Sem recursos de seus partidos, nomes que estreiam nas urnas sofrem com dificuldades básicas para fazer campanha
Candidatos que tentam um mandato parlamentar pela primeira vez se queixam de que, sem o apoio de seus partidos, não conseguem imprimir material publicitário nem divulgar suas campanhas na TV.
—Os partidos sufocam os candidatos novos de segmentos mais periféricos — reclama Hamilton Moura (MDB-MG), candidato a deputado federal que não recebeu verba.
—Se o dinheiro é público, o direito de todos deveria ser igual Moura é presidente licenciado do Sindicato dos Trabalhadores de Carga de Belo Horizonte e vereador na cidade. Em um movimento com outros candidatos a deputado federal pelo partido no estado, planeja ingressar com uma ação no TSE para pedir que todos os candidatos tenham acesso ao fundo eleitoral.
A média de dinheiro público recebido por quem nunca teve mandato no Congresso Nacional é de R$ 116 mil. Entre os que já tiveram mandato, essa média sobe para R$ 766 mil. No Espírito Santo, o deputado federal Foletto (PSB), por exemplo, tem R$ 1,3 milhão para tentar se reeleger, enquanto Felipe Rigoni, candidato à Câmara que nunca teve mandato, não obteve um centavo.
—Os partidos têm o listão dos amigos, de quem aparece na TV e recebe fundo — diz Marcos Gonçalves, candidato a deputado federal pelo PV em São Paulo, que nunca teve mandato e não recebeu repasses.
—Sou obrigado a fazer campanha com as minhas redes sociais, usando Instagram e ferramentas gratuitas. Não é fácil divulgar meu trabalho sem dinheiro. Na prática, o fundo é um instrumento para perpetuar quem já está no poder, afirma Pedro Duarte Júnior, candidato a deputado estadual no Rio pelo PSDB e integrante do RenovaBR, que forma jovens para participar da política. O movimento lançou 120 candidatos por diversas siglas.
—Partidos que têm projetos de país, como o PSDB e o próprio PT, destinam uma parte muito grande do fundo para candidaturas presidenciais e sobra menos para as eleições proporcionais — avalia Duarte.
—Já legendas que não concorrem às majoritárias podem cooptar deputados federais oferecendo um fundo maior, para fazer bancada. Como o fundo é calculado pelo número de deputados do partido, quanto mais verba para proporcionais, mais fundo terão no futuro.