O globo, n. 31086, 16/09/2018. Rio, p. 19

 

Crivella vira réu por reunião secreta com pastores

Ana Clara Veloso

Rafael Soares

16/09/2018

 

 

Justiça aceitou a ação por improbidade administrativa movida pelo Ministério Público; no encontro que ficou conhecido pelo ‘fala com a Márcia’, o prefeito ofereceu cirurgias de catarata e ajuda com IPTU aos líderes evangélicos no Palácio da Cidade

O juiz Eduardo Antonio Klausner, da 7ª Vara da Fazenda Pública, aceitou a denúncia do Ministério Público contra o prefeito Marcelo Crivella por improbidade administrativa. A principal alegação do MP no processo é de que o prefeito “usou o espaço público e extrapolou o limite do razoável” ao ter feito uma reunião, em 4 de julho, no Palácio da Cidade, com 250 pastores e líderes de igrejas evangélicas. No encontro revelado pelo GLOBO,Crivella oferecia a ajuda da servidora Márcia a fiéis das igrejas para a marcação de cirurgias de catarata e varizes pelo sistema público e também prometia resolver ‘problemas’ com o IPTU.

— Então se os irmãos tiverem alguém na igreja com problema de catarata,se os irmãos conhecerem alguém, por favor falem com a Márcia. É só conversar com a Márcia que ela vai anotar, vai encaminhar, e daqui a uma semana ou duas eles estão operando — disse ele na reunião. Intitulado “Café da Comunhão”, o encontro foi combinado por WhatsApp. Os organizadores pediram aos presentes que levassem “reivindicações por escrito, relações de suas igrejas e número de membros”. Na época, à reportagem do GLOBO, a prefeitura informou que o encontro teve como objetivo prestar contas e divulgar serviços importantes para a sociedade, entre eles o mutirão de cirurgias de catarata e de varizes.

Em reunião secreta
“Contratei 15 mil cirurgias até o final do ano. Então se os irmãos tiverem alguém na igreja com problema de catarata,(...) por favor falem com a Márcia. (...) ela vai anotar, vai encaminhar, e daqui a uma semana ou duas eles estão operando”
Marcelo Crivella,
“Vamos aproveitar esse tempo que nós estamos na prefeitura para arrumar nossas igrejas. Se vocês quiserem fazer eventos no parque Madureira, está aqui o nosso líder, que é o doutor Valmir. (...) Contem conosco, este palácio está aberto a vocês.”
“Tem pastores que estão com problemas de IPTU. Igreja não pode pagar IPTU (...). Mas, se você não falar com o doutor Milton, esse processo pode demorar. (...) temos que aproveitar que Deus nos deu a oportunidade de estar na prefeitura para esses processos andarem”.

De acordo com o Ministério Público fluminense, neste e em outros atos, no entanto, Crivella feriu o princípio do estado laico, que é a separação entre estado e religião. Como antecipou o colunista Lauro Jardim, o juiz Eduardo Klausner pediu, na última quarta-feira, que o prefeito preste esclarecimentos na Justiça.

Em sua decisão, que tornou Marcelo Crivella réu, o juiz intimou o próprio município e fez referência a decisões da Justiça proferidas sobre o assunto anteriormente, desfavoráveis ao prefeito. Procurada, a Prefeitura do Rio alegou “que a decisão da 7ª Vara de Fazenda Pública configura um rito processual comum, que será respondido no prazo legal” e completou afirmando que “o prefeito Marcelo Crivella recebeu com tranquilidade a notícia. E que tem convicção de que a Justiça só vai comprovar mais um equívoco jornalístico. Aliás, erro grave, que manipulou a opinião pública e atentou contra a democracia.”

Em julho, a Justiça já havia respondido à ação aberta pelo Ministério Público, com uma liminar determinando que o prefeito se abstivesse de praticar atos que privilegiassem a Igreja Universal do Reino de Deus. Foram elencados em 12 tópicos o que o prefeito não poderia fazer, sob pena de afastamento do exercício do mandado até o julgamento final.

Entre as proibições estavam “utilizar a máquina pública municipal para a defesa de interesses pessoais ou de seu grupo religioso”, “conceder privilégios para utilização de serviços e espaços públicos por pessoas ligadas ao seu grupo religioso” e “conceder patrocínio, subsídio, subvenção, financiamento ou qualquer outra forma de estímulo a entidades religiosas fora das hipóteses legalmente previstas”.