O globo, n. 31085, 15/09/2018. Economia, p. 21

 

País estagnado

Daiane Costa

Manoel Ventura

Martha Beck

Bárbara Nóbrega

15/09/2018

 

 

 Recorte capturado

Recessão afeta saúde e educação

Pelo segundo ano consecutivo, o Brasil ficou estagnado no ranking de desenvolvimento humano das Nações Unidas, que mede o bem-estar da população considerando indicadores de saúde, escolaridade e renda. Segundo dados divulgados ontem pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), em 2017 o país se manteve na 79ª posição, logo atrás da Venezuela, dentre um conjunto de 189 economias. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) brasileiro é de 0,759. Pelo critério da ONU, quanto mais perto de 1, maior é o desenvolvimento humano. Para Marcelo Neri, economista e diretor do FGV Social, esses resultados mostram que a recessão econômica afetou o IDH para além do dano óbvio sobre a renda, que caiu em relação a 2015. Teve efeito indireto sobre a expectativa de vida e sobre a escolaridade, que praticamente estagnaram nessa mesma comparação. Na primeira, reflexo do aumento da mortalidade, por razões como o surto do vírus zika; e, na segunda, resultado da falta de estímulo ou condições de estudar, devido ao alto desemprego. — Entre os anos 1990 e 2010, o Brasil tinha feito progressos em todas essas dimensões, acima dos resultados mundiais. Agora, estamos vendo toda essa instabilidade econômica afetar o desenvolvimento social, que desacelerou —avalia Neri. Em 2017, a expectativa devida era de 75,7 anos, praticamente ames made dois anos antes (75,3). Na educação, o período esperado para que as pessoas fiquem na escola paralisou em 15,4 anos, e a média de anos de estudo foi de 7,8 anos, frente aos 7,6 registrados em 2015. Já a renda que era de US$ 14.350 em 2015, caiu para US$ 13.755 no ano passado. Por isso, a melhora do IDH do Brasil de 2015 para 2017 foi de 0,002.

O peso da desigualdade

Tiago Macedo, de 24 anos, tem um filho de 4 e está desempregado há seis meses. A esposa, de 23, trabalha de auxiliar de serviços gerais. Mora no Catumbi e concluiu o ensino médio em 2015, mas nem tentou entrar na faculdade, porque a prioridade é trabalhar para sustentar a família.

— Já era pai, não tinha tempo para trabalhar e estudar. Eu gostaria de ter feito Administração para não estar sem emprego agora —conta Tiago, que já trabalhou como atendente, vendedor e estoquista. Desde que foi demitido, participou de duas seleções, mas ainda não conseguiu uma vaga:

—Na hora da entrevista, o fato de não ter faculdade faz diferença. Hoje, você espalha muitos currículos, e só um chama para uma entrevista. E, muitas vezes, você não passa.

O melhor colocado no ranking do IDH continua sendo a Noruega (0,953), e o pior, o Níger (0,354). Quando analisados os dados do Brics (grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), apenas Rússia apresenta um IDH maior que o do Brasil (0,816). Na comparação com a América do Sul, o Brasil é o quinto país com maior IDH. Fica atrás de Chile, Argentina, Uruguai e Venezuela, nesta ordem. Quando a desigualdade é incluída no indicador, o resultado é ainda pior. O Brasil perde 17 posições no desenvolvimento humano. O IDH cai de 0,759 para 0,578, ou 23,9%. De acordo com o Pnud, o maior problema está na renda. A perda provocada pela desigualdade na renda é de 36,7%. Já no caso da saúde, essa perda é de 10,8% e, na educação, de 22%. Entre os países da América do Sul, o Brasil é o terceiro que mais perde no IDH com a desigualdade, atrás do Paraguai (25,5%) e da Bolívia (25,8%).

Indicadores melhores

Ao comentar os dados, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome preferiu destacar a evolução dos números desde 1990. “O governo federal atribui a melhora dos indicadores à correta condução das políticas públicas e à melhor gestão dos recursos dos programas sociais”, informou a pasta em nota.

“A criação e aperfeiçoamento do SUS (Sistema Único de Saúde) e do SUAS (Sistema Único de Assistência Social) neste período, a ampliação do acesso a ações e serviços e à educação, aliados à ampliação da renda das famílias e sua melhor distribuição, contribuíram para o avanço do índice nestes anos, colocando o Brasil entre os países de alto IDH”, acrescentou o ministério. O Ministério da Educação informou que não lhe cabe emitir posição sobre IDH, pois o índice envolve diversos fatores alheios a sua competência. Já o Ministério da Saúde informou, por meio de sua assessoria, que há desafios a serem enfrentados em relação aos indicadores de desenvolvimento humano no país. “No entanto, é importante destacar que ações desenvolvidas resultaram em melhores indicadores, como o aumento da expectativa de vida no Brasil nos últimos anos”. Os dados do Pnud mostram que o Brasil ocupava a 86ª colocação no ranking do IDH em 2012 e subiu posições até 2015, quando estagnou na 79ª. No entanto, considerando a evolução do país desde que o IDH começou a ser calculado, em 1990, o país teve melhoria em todos os indicadores. Os números brasileiros são melhores que a média do planeta. Em todo o mundo, desde 1990, o IDH aumentou 21,7%. O índice médio fechou 2017 em 0,728.

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Venezuela cai 16 posições, mas supera Brasil com escolaridade maior

15/09/2018

 

 

Mesmo com o Brasil empobrecido e saindo com dificuldade de uma longa recessão, soa estranho que o país esteja abaixo da Venezuela no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), divulgado ontem pela ONU. Isso acontece porque o IDH não acompanha em tempo real situações de rápida deterioração como a que acontece no país vizinho. A Venezuela sempre apareceu à frente do Brasil, porque tem uma escolaridade maior, e o petróleo lhe garante uma renda alta, mas vem caindo no ranking: nos últimos cinco anos, o país recuou 16 posições, por conta da grave crise econômica que provoca forte onda de emigração. No mesmo período, o Brasil subiu sete posições.

Segundo a coordenadora da unidade de Desenvolvimento Humano do Pnud, Samantha Dotto Salve, a Venezuela ainda aparece à frente do Brasil no ranking porque, apesar da deterioração, os indicadores venezuelanos se mantêm num padrão alto.

— Hoje, a Venezuela só leva vantagem em relação ao Brasil nos anos médios de estudo. Essa brecha entre os dois países está diminuindo e, se os padrões continuarem os mesmos, a tendência é que o Brasil ultrapasse a Venezuela nos próximos anos —explica.

Bem diferente do desempenho venezuelano foi o da Irlanda. O país europeu foi o que mais subiu no ranking do IDH. A Irlanda, que sofreu um duro golpe da crise financeira global de 2008, recuperou-se e, desde 2012, viu sua posição na lista de qualidade de vida global subir 13 postos. Hoje, a Irlanda é o quarto país com maior IDH do planeta e ostenta uma expectativa de vida de 81,6 anos, uma renda per capita de US$ 53 mil, uma escolaridade média de 12,5 anos e uma projeção de anos de estudo para as crianças de 19,6 anos.