O globo, n. 31083, 13/09/2018. País, p. 10

 

Ciro mira o centro

Ciro Gomes

Fernanda Krakovics

Jeferson Ribeiro

Bernardo Mello

13/09/2018

 

 

Ao participar ontem da série de sabatinas com presidenciáveis organizada pelo GLOBO, Valor Econômico e revista Época, com o apoio da Interfarma, o candidato do PDT, Ciro Gomes, se apresentou como opção de centro-esquerda, com visão mais ampla que ado PT .“Sou um pouco mais largo doque ele”, disse Ciro, referindo-se ao petista Fernando Haddad. Ele também criticou o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, que representaria “uma destruição da nação brasileira”.

Ciro afirmou que, se eleito, o Banco Central levará em conta a inflação e o nível de emprego para determinar a taxa de juros.

O candidato foi sabatinado pelos colunistas do GLOBO Ancelmo Gois, Bernardo Mello Franco, Lauro Jardim, Merval Pereira, Míriam Leitão e pela diretora de Redação da Época, Daniela Pinheiro.

Haddad não conhece o Brasil, e Lula perdeu a percepção da realidade

De olho nos votos do eleitorado de centro, Ciro elevou o tom contra a candidatura do PT à Presidência e afirmou que sua proposta para o país é mais ampla do que a de Fernando Haddad, porque iria além da esquerda. Ele criticou ainda a radicalização do debate político:

— Eu acho que sou um pouco mais largo que ele (Haddad), porque a proposta que tenho fala à centroesquerda. Eu quero, inclusive negando o PT, que o Brasil saia dessa contradição odienta que está descambando para violência. Não é assim que vamos sair dessa encalacrada social e econômica grave que o país está.

O candidato do PDT disse que rejeitou o convite para ser vice na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva porque o Brasil não suportaria outro presidente indicado, como Dilma Rousseff.

— O Brasil não precisa de um presidente por procuração. O Brasil não aguenta outra Dilma, nesse sentido de uma pessoa indicada só porque todo mundo quer fazer a vontade do Lula.

Questionado se esse também seria o caso de Haddad, ele disse que sim:

— Não tenho a menor dúvida disso. Não é por demérito do Haddad, mas ele não conhece o Brasil e não tem experiência.

Ciro atribuiu a insistência de Lula em registrar candidatura, mesmo sabendo que seria impugnado, ao fato de estar cercado de “puxa-sacos”, o que teria prejudicado sua percepção da realidade

— O Lula a gente tem que relativizar porque ele está muito isolado. É muito doído para mim. Mas agora o Lula está com um problema, ele perdeu grandes amigos, o Márcio Thomas Bastos morreu, o (Luiz) Gushiken morreu, o José Dirceu sofreu esse constrangimento, o (Antonio) Palocci está aí preso e fazendo denúncias cabeludas contra o próprio Lula, ele perdeu a dona Marisa. De maneira que hoje o Lula está cercado de puxasacos. Ele perdeu um pouco a percepção genial que tinha da realidade.

Ciro voltou a dizer que o PT não pensa no país. Segundo ele, os petistas estão expondo o Brasil ao risco de ter que escolher entre “a direita radical e a direita soft”.

—Vamos combinar, todos eles sabiam que o Lula não poderia ser candidato. E o que fizeram ao invés de respeitar a inteligência do povo? Manipularam até anteontem a ideia do Lula vítima. O PT só pensa em si.

Bolsonaro representa “a destruição da nação brasileira”

Ciro também atacou o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, que lidera as pesquisas:

—Ele representa uma destruição da nação brasileira, não estou exagerando. Eu vou lutar no limite das minhas energias para proteger o Brasil desse desatino.

E classificou a conduta política de Bolsonaro de “protofascismo”:

— Um camarada que é misógino, que faz apologia ao racismo, contra as populações LGBTI, que acha que deve ganhar menos que o homem porque engravida. Qual é o nome disso?

O candidato do PDT criticou ainda o comportamento de Bolsonaro após o atentado em Juiz de Fora (MG). A campanha do presidenciável do PSL divulgou uma foto, na UTI do Hospital Albert Einstein, na qual ele faz o gesto de uma arma:

—O cara dentro do hospital não aprendeu nada. E esses filhos dele, estranhíssimos. Esse general (Hamilton) Mourão, como é que ele disse? “Nós somos os profissionais da violência”. Olha para quem estamos ameaçando entregar o país.

Ciro disse que sairá da política caso Bolsonaro seja eleito:

— Vou desejar boa sorte a ele, cumprimentá-lo pelo privilégio de representar a maioria dos brasileiros e depois vou chorar. Eu saio da política. A minha razão de estar na política é a confiança no povo brasileiro.

Militares fora da política e general Mourão como ‘jumento de carga’

Diante do destaque dos militares nessa campanha, por causa da plataforma de Bolsonaro, Ciro disse que, em seu eventual governo, eles não teriam papel na política:

— Sob a ordem da Constituição, eu mando, eles obedecem. Quero as Forças Armadas modernas, poderosas, mas, no meu governo, militar não fala em política.

O presidenciável criticou declaração do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, que vê o risco de a legitimidade do novo governo ser questionada.

— (No meu governo) Estaria demitido e provavelmente pegaria uma “cana”. Agora deixa eu explicar: ele está fazendo isso, e eu o conheço bem, para tentar calar a voz das cadelas no cio que embaixo dele estão se animando com essa barulheira — disse Ciro, referindo-se ao “lado fascista da sociedade brasileira”.

O candidato do PDT ainda atacou o vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão:

— Esse general Mourão, que é um jumento de carga, e bem arriado, tem uma entrada no Exército e agora se conmulher sidera tutor da nação. Os brasileiros têm que deixar muito claro que quem manda no país é o nosso povo. Negócio de sargento se metendo, querendo ir para cá ou para lá, comigo isso não acontecerá.

‘Banco Central será subordinado a mim’

Ciro defendeu uma mudança na política monetária para que o Banco Central leve em conta a taxa de inflação e também o nível de emprego para determinar a taxa de juros. Ele não vê necessidade de independência institucional do BC. Segundo ele, o país não pode mais privilegiar uma “casta” que vive do “rentismo”.

— No meu governo não vai ter esse papo furado de meta de inflação dita anos antes e que vai aumentar taxa de juro para sancionar preço que subiu por causa da taxa de câmbio. O Banco Central, conforme as melhores práticas internacionais, será orientado para perseguir a menor inflação a pleno emprego. Portanto, estará com um olho na taxa de juros e outro no nível de atividade econômica e no nível de inflação.

Quando houver alta da inflação, será analisado se a solução é o aumento de juros.

—Aí a gente vê a causa dela e enfrenta. A gente governa. O Banco Central será subordinado a mim.

Protecionismo econômico com exemplo de Trump

Ciro afirmou que, se eleito, alguns setores serão protegidos pelo governo. Ele citou o de petróleo, os complexos industriais da saúde e da defesa, fertilizantes e defensivos agrícolas.

— Eu estava meio solitário no debate brasileiro, mas agora estou chamando o testemunho do Mr. Trump (presidente dos EUA, Donald Trump). O Mr. Trump proíbe a China de comprar uma empresa de semicondutores, o Mr. Trump faz tarifas contra o aço brasileiro, contra o o alumínio brasileiro, contra o aço europeu. E o Mr. Trump está errado e nós brasileiros estamos certos? Eles são a maior indústria do planeta Terra e nós, um país que está se desindustrializando de uma forma selvagem.

Dissolução do acordo entre Boeing e Embraer

Ciro voltou a defender a dissolução do acordo em que a Boeing comprou 80% da área de aviação comercial da Embraer por ser contrário, segundo ele, aos interesses nacionais.

—Aqui é questão de protagonismo tecnológico. Só temos Petrobras e Embraer neste momento, mais nada.

Ele chegou a enviar uma carta para os presidentes das duas empresas:

—Pedi humilde e respeitosamente que, estando o Brasil a 40 dias de escolher seus rumos estratégicos através da eleição do presidente, não se consumasse esse negócio que tem efeitos graves sobre a segurança nacional.

Novos tributos e redução de isenções fiscais

Ciro Gomes disse que não pretende aumentar a carga tributária para conter o déficit fiscal, apesar de prever a criação de impostos sobre lucros e dividendos e sobre grandes heranças. Segundo ele, esses novos tributos serão compensados por reduções de alíquotas da tributação sobre o consumo e no reajuste da tabela de Imposto de Renda, por exemplo. O pedetista disse que quer zerar o déficit primário (estimado em R$ 139 bilhões para 2019) em dois anos, mas quer dar previsibilidade ao mercado sobre seu plano antes disso. Ele também quer promover uma redução de pelo menos 15% no volume de desonerações tributárias.

— A tributação que estou propondo vem em linha com as melhores práticas internacionais. Vou passar pente-fino nas despesas, vou dar uma olhada com lupa severa nas dispensas de imposto, que hoje são de R$ 354 bilhões. Vou mostrar tecnicamente como viro o déficit primário imediatamente. Quero mostrar que o Brasil pode virar o jogo, porque as expectativas têm uma força muito grande. Se mostro consistência programática, que tenho solução para virar o déficit, posso sinalizar para os agentes econômicos externos e internos para onde está indo o Brasil.

Ele acredita que haverá mais receita decorrente de redução das desonerações, que não abarcariam os incentivos da Zona Franca de Manaus nem do Simples.

— Vamos ter que tirar de onde se estimula o consumo dos produtos de multinacionais, que não estão investindo nada, que estão com capacidade instalada ociosa e mandando essa renúncia fiscal em forma de lucro e dividendo para o estrangeiro sem pagar um centavo, como a indústria automobilística. Qual o sentido de estimular consumo de automóvel no Brasil?

Bancos públicos para forçar redução de tarifas

O candidato do PDT defendeu o aumento da concorrência no setor bancário para diminuir as taxas de juros e tarifas cobradas dos clientes. Um dos instrumentos seriam os bancos públicos. Outras medidas seriam a regulamentação de Fintechs (bancos digitais) e o estímulo a cooperativas de crédito.

— Ainda bem que o Brasil não cometeu o desatino de privatizar o Banco do Brasil e a Caixa Econômica. Os dois estão no cartel. Basicamente, as direções estão hoje em um pit-stop, em uma transição, para trabalhar nos bancos privados. É preciso tirar o Banco do Brasil e a Caixa (do cartel) e começar com eles a competição.

Alertado que a presidente Dilma tentou fazer isso, sem sucesso, disse que o governo da petista foi “desastrado”:

— Por favor, quando comparam as minhas ideias com as da Dilma eu me sinto ofendido. Olha aí como funciona esse negócio de indicar pessoas que não têm treinamento.

Refinanciamento das dívidas com o SPC

Uma das promessas de maior destaque na campanha de Ciro é a de tirar 63 milhões de endividados do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC). Ele defende a medida como forma de estimular o consumo das famílias e aquecer a economia. A proposta é fazer um leilão público para refinanciar essas dívidas. A garantia de pagamento seria o aval de outras pessoas na mesma situação.

— Não vou dar o dinheiro, não vou dispensar nada, vou simplesmente refinanciar o saldo.

Possível extinção de agências reguladoras

Questionado sobre o preenchimento de agências reguladoras por indicações políticas, Ciro indicou que não pretende apenas rever o loteamento, mas a própria existência de alguns desses órgãos. Na avaliação do pedetista, a criação de agências no governo Fernando Henrique Cardoso contradiz o discurso de enxugar a máquina pública.

— O PSDB ocupava tudo com tucano, aí o PT entra e ocupa tudo com petista. Ou pior, com seus aliados bandidos. Isso tudo está exigindo no Brasil uma faxina, uma desratização geral. Todas as agências vão passar por pente-fino. Quem não for salvável, será fechado.

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Ataque ao PT, poupando Lula, é estratégico

Pedro Dias Leite

13/09/2018

 

 

O candidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes, deixou claro na sabatina de ontem os caminhos que planeja percorrer, tanto na política quanto na economia, para chegar ao segundo turno.

Na política, vai tentar ao mesmo tempo buscar os eleitores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por um lado, e bater no PT, pelo outro; além de se colocar como o anti-Bolsonaro. Na economia, Ciro detalhou com franqueza pontos que significam um claro aceno à esquerda, sob uma ótica, ou ao intervencionismo, sob outra. De qualquer forma, um firme contraponto às propostas apresentadas pelo polo formado, nessa área, por Jair Bolsonaro (PSL) e Geraldo Alckmin (PSDB), mais pró-mercado.

O malabarismo para defender Lula e criticar o PT ao mesmo tempo pode ser resumido na declaração de que o ex-presidente “está isolado”, o que é “muito dolorido” para Ciro, para chegar à conclusão de que o petista “está cercado de puxa-sacos e perdeu a visão genial que tinha da realidade”.

A toda oportunidade, o pedetista lembrou que foi aliado e amigo de Lula, mas se afastou de todo o resto, em especial de seus “postes”. Para Fernando Haddad, agora oficializado candidato do PT à Presidência, as críticas de que “não conhece o Brasil”. Para a ex-presidente Dilma Rousseff, as palavras mais duras: “Quando comparam as minhas ideias com as da Dilma eu fico ofendido”, disse, “mesmo”.

O posicionamento pode ser genuíno, mas é antes de tudo estratégico. Uma análise do diretor do Datafolha, Mauro Paulino, sobre os dados da pesquisa indicou que o maior potencial de crescimento de Ciro é nos redutos lulistas (por isso os elogios ao expresidente), mas também em estratos mais de centro, como eleitores de Geraldo Alckmin (daí as críticas ao PT).

Na economia, Ciro foi claro como poucas vezes, e aí suas ideias se tornam muito menos de centro e mais incisivas. Defendeu uma política industrial com incentivos e proteção a alguns setores da economia brasileira; afirmou (e repetiu) que o Banco Central será “subordinado” a ele; manifestou a intenção de usar os bancos públicos para forçar a queda de juros e das tarifas das instituições financeiras e prometeu um “pentefino” nas agências reguladoras, até com o fim de algumas delas.

Depois dessa sabatina, se a tática de Ciro der certo e ele chegar ao Palácio do Planalto, pode-se criticar suas posições, mas jamais alegar desconhecimento sobre elas.