O globo, n.31075 , 05/09/2018. RIO, p.12

Museus apostam em diferentes fontes de recursos

Fernando Eichenberg

Henrique Gomes Batista

 

 

 

Na Europa e nos EUA, grandes instituições combinam receitas de bilheteria e recursos públicos com captação de patrocínio, licenciamento de marcas e aluguel de espaços. Além de curadores de arte, administradores também participam de gestão

Uma das apostas de países que conseguem manter a saúde financeira de seus museus — garantindo a segurança dos seus acervos —é deixar à frente das instituições profissionais que tenham competências tanto de curadoria quanto de gestão. Outra estratégia, que tem garantindo até mesmo a expansão de “marcas globais”, como o Louvre”, é diversificar as formas de financiamento — depender apenas de recursos públicos ou receita de bilheteria é coisa do passado. Os americanos Guggenheim, Moma e Metropolitan, por exemplo, combinam doações de filantropos, patrocínio e receita de ingressos com lojas, licenciamento de marcas e até mesmo aluguel de suas instalações para festas e bailes.

Na França, não é muito diferente. O Louvre, que é público, teve 41 % de sua receita, no ano passado, bancada pelo Estado. Os 59% restantes, num total de € 146 milhões, foram oriundos de recursos da bilheteria (38%), do mecenato e de patrocínios (8%) ou de concessões e aluguéis de espaços (7%). Além disso, o museu francês, um dos mais visitados do mundo, teve uma receita excepcional obtida com a licença de marca para o Louvre Abu Dhabi, que rendeu, em 2017, € 76 milhões.

— A questão do financiamento de museus aflige a todos. Depender de recursos de governos é ruim, pois é difícil colocar a História como prioridade em locais que precisam de hospitais, escolas ou infraestrutura — afirmou Scott Cooper, presidente da Academia de Ciências Naturais da Universidade de Drexel, na Filadélfia, e que antes havia trabalhado no Royal British Columbia Museum, no Canadá, e sido diretor de museus da Qatar Foundation em Doha e presidente do Fulham Palace Trust.

Cooper ontem afirmou estar chocado com a destruição do Museu Nacional, no Rio, que sofria com a falta de verbas e dizia sequer ter recursos para manter uma brigada de incêndio. Ele afirmou que não existe um modelo pronto de financiamento, mas, em sua opinião, o modelo inglês poderia se estudado por outros países, como o Brasil:

— Em 1993, foi decidido que parte dos recursos das loterias do Reino Unido seriam destinados aos museus e instituições de história. O resultado é incrível, pois isso garantiu uma fonte certa de recursos, que permitem planejamento de longo prazo.

Nos Estados Unidos, os museus têm muitos modelos de gestão, afirmou ao GLOBO Laura Lott, presidente da Aliança Americana de Museus, que também emitiu nota de pesar sobre o incêndio do Museu Nacional, afirmando que toda a comunidade internacional sofreu com a tragédia.

— A maioria funciona como entidade sem fins lucrativos, mas também temos muitos museus administrados por governos federais, estaduais ou locais, e muitos fazem parte de uma universidade, corporação ou organização local. Nossa pesquisa, de 2017, mostra que 19% da receita de seus museus vinham de fontes governamentais, sendo o restante proveniente de renda, contribuições e investimentos auferidos —diz Laura.

Uma exceção são os museus da Smithsonian Institute, que administra as principais instituições de Washington, com o Air and Space Museum, o Museu de História Americana e o National Gallery. Cerca de 64% de suas receitas vem do governo federal. Para o orçamento de 2019, por exemplo, a entidade está pedindo US$ 957 milhões (R$ 4 bilhões) para, entre outras coisas, investir em manutenção e expansão.

—Nossa manutenção e segurança são feitas com o dinheiro federal — disse Linda St. Thomas, portavoz da instituição. — Temos uma operação central de instalações e segurança, que se replicam em cada museu. Temos sistemas completos de supressão de incêndios (aspersores) que são necessários em todos os edifícios públicos nos EUA. Além disso, temos uma pequena equipe de manutenção e segurança 24 horas por dia, 7 dias por semana.

Segundo François Mairasse, ex-diretor do museu belga Royal de Mariemont e professor de Museologia e Economia Cultural da Universidade Sorbonne, os grandes museus europeus têm 50% dos seus recursos provenientes do mercado.

—Pode-se dizer que, desde alguns anos, cerca de 50% dos recursos são provenientes do mercado. O Louvre faz parte dos museus superstar, que atraem milhões de visitantes, e a receita com a bilheteria é importante. No museu que eu dirigi, os ingressos correspondiam a cerca de 15%-20%, o que já não era ruim.

 

AJUDA INTERNACIONAL

Mairasse sugere que o Museu Nacional do Rio crie uma associação de amigos para tentar conseguir verba nos Estados Unidos, a exemplo da American Friends of the Louvre (Amigos Americanos do Louvre). Ele também lembra que museus franceses apostam em dois modelos de gestão. O Louvre, por exemplo, mantém a tradição de acolher um presidente-diretor de trajetória reconhecida no meio cultural. Já outros museus optam por nomear dirigentes capacitados em questões de gestão, secundados por um curador reputado no campo das artes.

Segundo Mairasse, a especialização de funções vem ganhando cada vez mais espaço nos grandes museus, seja com presidentes curadores auxiliados por administradores ou vice-versa.

— Em relação aos grandes museus, vemos cada mais marcado o caráter administrativo, principalmente aqui na França. Há um certo número de dirigentes que não são curadores , mas diploma dos na Escola Nacional de Administração (ENA), que comandam estabelecimentos como o Centro Pompidou ou o Palácio de Versalhes. Essa é uma tendência que cresce. Mas é difícil saber qual a melhor fórmula. No fundo, é a personalidade que conta —diz ele. —- Pode-se ter alguém responsável no nível da administração com um péssimo curador e viceversa.