O globo, n. 31079, 09/09/2018. País, p. 14

 

Todos os crimes dos presidentes

09/09/2018

 

 

Investigação continental

A colaboração judicial da Odebrecht a partir da Operação Lava-Jato no Brasil provocou um tremor político na América Latina, e forças tarefas montadas na região, a partir do fim de 2016, já levaram A investigação de dez presidentes e ex-presidentes.

Em abril de 2015, a Odebrecht celebrava o título de maior construtora da América Latina. Tinha obras por toda a região e acumulava lucros recordes. Com o avanço das investigações contra corrupção iniciadas no Brasil na esteira da Operação Lava-Jato, a empresa escolheu o caminho das colaborações judiciais e causou tremores no mundo político latinoamericano ao confessar seus crimes de corrupção em dez países.

O número de presidentes e ex-presidentes investigados, três ano semeio depois,dá uma medida do alcance dos esquemas da empresa: ao menos nove ex-mandatários da região estão na mira das autoridades de seus países, e um presidente já perdeu o cargo. O caso Odebrecht ainda levou a uma onda de investigações sobre presidentes que, embora não tivessem relação com a construtora baiana, também se envolveram em esquemas suspeitos.

Para o procurador do Ministério Público Federal Roberson Pozzobon, que integra a força-tarefa da Lava-Jato, em Curitiba, se antigamente as dificuldades burocráticas e as leis diferentes entre os países permitiam que os crimes transnacionais ficassem impunes, o cenário mudou: — Hoje é possível trocar informações e provas no âmbito de investigações e processos criminais de forma bastante rápida e eficiente, com países mais próximos geograficamente, como na América Latina, ou mesmo na Ásia. Pozzobon diz que antigamente o trunfo das organizações criminosas era a lavagem de dinheiro fora do país de origem, justamente para dificultar o rastreamento de valores. Com as novas regras e tratados de cooperação internacional, a modalidade se tornou “um verdadeiro calcanhar de aquiles” para os criminosos.

No Brasil, a prisão do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva( PT)éomaiorsím bolo do cer codas investigações. O petista já foi condenado em duas instâncias por ter recebido, segundo a acusação, um apartamento reformado pela OAS como compensação por negócios com a Petrobras. Lula nega ter recebido o apartamento ou atuado a favor da companhia.

O patriarca da família Odebrecht, Emilio, revelou à Justiça brasileira que falava com Lula e interlocutores no governo sobre temas de interesse da empresa, como medidas provisórias e linhas de crédito. Informações de Emilio renderam outros processos contra Lula, nos quais o expresidente é acusado de ser beneficiado com a reforma de um sítio em Atibaia, no interior de São Paulo, e com a compra de um terreno para instalar o Instituto Lula.

A defesa do petista diz que o sítio não está registrado em seu nome e que o instituto foi instalado em outro lugar e não teve participação da Odebrecht. As delações da Odebrecht implicaram todos os ex-presidentes vivos do Brasil. Os processos que continham citações contra José Sarney e Fernando Henrique Cardoso, porém, já foram arquivados. Há um inquérito baseado nas delações do grupo contra Fernando Collor de Mello que ainda está em curso.

No Peru, o espectro de mandatários sob a mira da Justiça também é amplo. Quatro ex-presidentes são investigados por suspeitas de corrupção que envolvem a Odebrecht. Alejandro Toledo é acusado de receber US$ 20 milhões de propina da empreiteira por causa da obra da Rodovia Transoceânica. Em fevereiro de 2017, um juiz determinou sua prisão preventiva por 18 meses. Como Toledo está nos Estados Unidos, a Promotoria pediu sua extradição, que foi confirmada pelas cortes superiores. Não houve ainda resposta das autoridades norte-americanas.

Já Alan Garcia é investigado por tráfico de influência em um caso que investiga a concessão à Odebrecht de uma linha do metrô de Lima. Ele teria facilitado que a empreiteira ganhasse a licitação com outras duas empresas. O único dos ex-presidentes peruanos aficar preso foi Ollanta Hu mala, acusado, junto com sua mulher, Nadine Heredia, de lavagem de dinheiro por ter recebido, segundo delatores, US$ 3 milhões da Odebrecht para sua campanha.

Ele ficou nove meses em prisão preventiva, antes que o Judiciário revogasse a medida, no fim de abril. Pedro Pablo Kuczynski, por sua vez, foi o único a perder o cargo. Ele renunciou em março, também suspeito de lavagem de dinheiro em contratos assinados coma Odebrechtp orem presas ligada sael e quando era ministro. Está proibido de sair do país e teve os bens confiscados.

Na Colômbia, as investigações iniciadas pelos acordos coma Odebrechtat ingiram o ex-presidente e prêmio Nobel da Paz Juan Manuel Santos. Em 30 de maio, ele foi liberado de uma investigação na Câmara dos Deputados sob suspeita de receber dinheiro da Odebrecht em suas campanhas de 2010 e 2014. O caso ainda será analisado pelo Conselho Nacional Eleitoral, embora especialistas discordem da competência do tribunal para julgara ação. Há duas denúncias contra o ex-presidente equatoriano Rafael Correa, propostas por um congressista.

O ex-vicepresidente Jorge Glas foi condenado, em dezembro de 2017, aseis anos de prisão e a pagar uma indenização de US $7,5 milhões. Eleéac usado de receber US $3,5 milhões da Odebrechtviap agamentos feitosa um tio. Acusado de receber US$ 1,5 milhão de dólares da Odebrecht em sua campanha para a presidência em 2008, o ex-presidente de El Salvador Maurício Funes está exilado na Nicarágua, para onde foi depois de condenado, em novembro do ano passado, por enriquecimento ilícito e a devolver, junto com o filho, US$ 419 mil aos cofres públicos.

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Denúncias provocaram mudanças institucionais em alguns países

Jailton de Carvalho

Patrik Camporez

09/09/2018

 

 

Os abalos causados na América Latina desde que a Odebrecht fechou um acordo de leniência com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, no qual seus executivos confessaram ter pagado, entre 2003 e 2014, US$ 788 milhões em propinas para conseguir contratos em 11 países da região e da África, só não foram maiores pela falta de independência e estrutura das instituições em alguns países. Mas a dimensão das denúncias foram responsáveis por algumas mudanças de legislação.

No Peru, para dotar de eficácia o processo de colaboração premiada, o Código de Processo Penal passou a permitir que chefes de organizações criminosas tenham suas penas diminuídas ou suspensas nos casos de colaboração com a Justiça. Outra consequência institucional foi a criação no Poder Judiciário de um sistema especializado em casos de corrupção de funcionários públicos.

Na Argentina, onde os executivos da Odebrecht confessaram ter pagado US$ 41,9 milhões para a obtenção de vários contratos de obras públicas, foi aprovada pelo Congresso uma lei de responsabilidade corporativa que permite o julgamento de pessoas jurídicas. Já no México, apesar da falta de um Ministério Público independente do poder político, foram criados um Sistema Nacional Anticorrupção e um Sistema Nacional de Transparência, que têm como prioridade prevenir casos de corrupção. Mas não se conhecem resultados penais das investigações da Procuradoria-Geral da República sobre a atuação da Odebrecht no país.

Na República Dominicana, não houve alterações de leis, mas pela primeira vez na história o tema da corrupção apareceu entre os três principais problemas do país, segundo pesquisas.