O globo, n.31071 , 01/09/2018. Economia, p.19

Recuperação perde fôlego

Rennan Setti

Gabriel Martins 

Marcello Corrêa

 

 

Entre o soluço breve de uma greve de caminhoneiros e o perene do desemprego recorde e do investimento esquálido, a retomada econômica estacionou no segundo trimestre do ano. Segundo informou ontem o IBGE, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu apenas 0,2% entre abril e junho, na comparação com os três meses anteriores. Frente ao mesmo trimestre do ano anterior, o avanço de 1% foi o menor em um ano, indicando esfriamento progressivo da atividade. Especialistas atribuem a perda de fôlego a fatores como incerteza eleitoral ecrise de confiança, de difícil solução no curto prazo eque serão um empecilho, segundo eles, a uma recuperação consistente do emprego e de investimentos nos próximos trimestres, com risco de manutenção deste cenário no começo de 2019. —A recuperação é anêmica. O crescimento do PIB foi muito pequeno, com uma composição fraca. Indicadores importantes do setor privado, como o consumo das famílias e o investimento, ficaram estagnados ou encolheram. Pior: já esperávamos uma recuperação lenta e, ainda assim, nos decepcionamos —lamentou Rafael Cardoso, economista da Daycoval Asset. Segundo o IBGE, a economia avançou 1,4% em 12 meses. Esse tipo de comparação demonstra a perda de força na atividade, uma vez que houve ganho de apenas 0,1 ponto percentual frente ao 1,3% registrado no começo do ano. Assim, o PIB brasileiro segue 6% abaixo do seu maior patamar de produção, no início de 2014. A greve dos caminhoneiros ocorrida em maio teve peso importante nessa desaceleração. O Itaú Unibanco estimou sua influência negativa em 0,3 ponto percentual —ou seja, a economia teria crescido 0,5% no trimestre caso a paralisação não tivesse ocorrido. As principais vítimas da greve foram a indústria, que teve a primeira retração em quatro trimestres (queda 0,6% na comparação com o começo do ano), e, claro, os serviços de transportes, que encolheram 1,4%, pior desempenho desde 2016. Mas os economistas concordam que esses efeitos foram superados e que outros fatores mais duradouros respondem pelo curto fôlego da atividade.

— Foi uma cesta de problemas. O resultado líquido da greve foi negativo. Ela provocou um repique da inflação, e isso prejudicou o consumo das famílias, que ficou praticamente no mesmo patamar do trimestre anterior. Mas claro que fatores como a incerteza eleitoral também contribuíram —explicou Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE.

 

AUMENTO DE ESTOQUES

Respondendo por mais da metade da economia, o consumo das famílias cresceu apenas 0,1% contra o trimestre anterior. No mesmo período de 2017, esse indicador crescia 1,2%, favorecido pela redução dos juros e pela liberação das contas inativas do FGTS. Também parcialmente afetado pela greve, o investimento — medido pela Formação Bruta de Capital Fixo (FCBF) — recuou 1,8% na comparação com o primeiro trimestre do ano. Embora o indicador tenha crescido 3,7% frente ao mesmo período do ano passado, parte dessa expansão se deve a uma fraca base de comparação: esse terceiro resultado positivo seguido aconteceu após 14 trimestres de queda. A taxa de investimentos, que mede o montante de recursos destinados a ampliara capacidade de produção do país no futuro, como proporção do PIB, ficou em 16% —o segundo pior patamar para este trimestre desde 2000. Segundo o economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, a retração do investimento foi umadas principais responsáveis pela queda de 0,2% da demanda doméstica — ou seja, tudo o que os brasileiros consumiram, descontando os efeitos da exportação. E isso em momento de crescimento de estoques. A conclusão de Ramos é que a demanda cresceu em ritmo mais lento que o da já fraca produção, tendência pouco auspiciosa para os próximos trimestres. “A economia ainda está operando com um grande nível de capacidade ociosa. É preciso haver um maior progresso em relação à consolidação fiscal, a nível federal e regional, para ancorar as expectativas do mercado e melhorar a confiança dos consumidores e dos empresários ”, afirmou Ramos, em relatório em que classificou de “medíocre” o desempenho do PIB. — Saímos do fundo do poço, não tem como negar. Entretanto, essa saída tem sido de uma forma muito lenta e não correspondendo às expectativas do início do ano — avaliou Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria. O economista-chefe da Guide Investimentos, João Maurício Rosal, lembrou que o país perdeu o fôlego em duas etapas. Primeiro, no início do ano, quando foram frustradas as expectativas de que o crédito deslancharia; depois, com a greve dos caminhoneiros e a antecipação da discussão eleitoral que esta trouxe à tona. —Falta o agente propulsor, que é a confiança. Os índices de confiança estão em patamares baixos, a despeito do estímulo monetário (juros mais baixos). É preciso que o chamado “espírito animal” (ímpeto dos empresários para investir) volte, mas ele está enjaulado na crise de confiança —ponderou.

Um dos pilares de sustentação do PIB no segundo trimestre foi o setor de serviços, que responde por mais de 70% da economia e avançou 0,3% frente ao início do ano. Frente ao mesmo período do ano passado, o setor de serviços registrou alta de 1,2%.