O Estado de São Paulo, n. 45666, 28/10/2018. Política, p. A8

 

Campanha termina sem planos detalhados

Tulio Kruse

28/10/2018

 

 

Eleições 2018 Propostas / Falta de clareza de como Bolsonaro e Haddad realizariam promessas frustra especialistas

A falta de detalhes nos planos de governo apresentados pelos candidatos à Presidência da República frustrou especialistas e deixou sem resposta alguns dos principais desafios do próximo governo. Da Previdência à agenda de inovação para o setor produtivo, há pouca clareza de como Jair Bolsonaro (PSL) ou Fernando Haddad (PT) realizarão algumas promessas em uma eventual gestão.

Após a oportunidade de debater soluções na campanha ter se perdido, representantes de entidades setoriais – que entregaram agendas de prioridades a partidos ao longo do ano – dizem que será necessário resgatar discussões com o governo eleito. Eles apontam para a falta de sintonia entre o que foi dito pelos candidatos, as propostas de especialistas, e medidas já em estudo pelo atual governo.

“Não dá para ter clareza do que eles estão propondo”, diz o diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), Bernard Appy, sobre as propostas para a área tributária nos dois programas. “Vai ter de ser feita depois da eleição, essa discussão.”

Nenhum dos candidatos tratou da reforma na cobrança do PIS/Cofins, sinalizada pela equipe econômica do presidente Michel Temer desde o começo do ano. Os planos também não tratam da redução do imposto de renda para empresas. Para Appy, as duas questões são as mais urgentes para a área.

Nas últimas três semanas, os dois presidenciáveis também mudaram de rumo em relação a seus programas originais. Em seu novo plano de governo, protocolado há dez dias, Haddad incluiu um compromisso com reformas estruturais no controle das contas públicas. “Ainda que genérica, (a promessa) sinaliza que estaria disposta a discutir questões como Previdência, eventualmente despesa com funcionalismo, que são as grandes despesas”, afirma Appy.

Bolsonaro, por sua vez, sinalizou que pode rever a proposta de reunir as áreas de Meio Ambiente e Agricultura em um só ministério, registrada no documento que entregou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Superficial. Mesmo na área de segurança pública, um dos temas que mais mobilizou o eleitorado na campanha, a avaliação é de que o debate foi superficial. Para o diretor do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, faltaram propostas sobre financiamento e políticas de prevenção contra crimes violentos.

“A arma de fogo ganhou uma ‘hiperatenção’, foi inflacionada ao extremo como solução”, diz Marques, para quem esse não é o principal problema de segurança do País – e sim a estrutura precária das polícias e a coordenação da política de segurança. “Ninguém falou em facção criminosa no debate, foi como se elas não existissem.”

Temas como a agenda de tecnologia e inovação ficaram apagados, apesar da ênfase que entidades deram ao tema. O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) elaborou um documento que propõe o incentivo à inovação através da abertura comercial e da importação de tecnologia, entre outras sugestões. Para o instituto, o Brasil já está atrasado em relação a outros países emergentes por causa da recessão – e os riscos à competitividade do País só aumentam.

“(Inovação) é uma das colunas vertebrais das estratégias de desenvolvimento econômico de longo prazo. Essa é uma discussão que praticamente não existiu”, afirma o economista do Iedi Rafael Cagnin.

 

DESAFIOS

JAIR BOLSONARO (PSL)

PREVIDÊNCIA

● O plano apresentado ao TSE promete a introdução do siste- ma de capitalização, quando a aposentadoria de cada trabalhador é resultado do que ele poupou ao longo da vida, ao me- nos para algumas faixas de renda. A equipe do candidato ainda não definiu como será a transição para o novo modelo.

 

EMPREGO

● Em seu programa de governo, Bolsonaro diz que deve propor permissão legal para que o trabalhador escolha entre sindicatos, para viabilizar uma “competição” entre as entidades. “O sindicato precisa convencer o trabalhador voluntariamente a se filiar”, diz o plano. É contra o imposto sindical.

 

DIPLOMACIA

● O programa de governo fala em um “novo Itamaraty” em que o governo deixaria de “louvar ditaduras assassinas” ou “atacar” democracias. Promete ênfase em acordos bilaterais e fomento ao comércio exterior. Bolsonaro tem indicado que quer aproximar relações com países vizinhos “liberais”.

 

INOVAÇÃO

● O plano propõe parcerias entre universidades e empresas para criar centros de inovação. Fala em requalificar a força de trabalho para a “nova economia”, sem dar detalhes. O programa argumenta que o modelo de pesquisa e desenvolvimento “centralizado” em Brasília está “esgotado”.

 

SAÚDE

● Propõe criar a carreira de Médico do Estado, destinada a atender áreas “remotas e carentes” do País, e a inclusão de profissionais de Educação Física no programa de Saúde da Família, e treinamento para saúde preventiva. Argumenta que o volume de recursos atual na área é suficiente.

 

ENERGIA

● Bolsonaro propõe descentralizar o setor, diminuir a judicialização e acelerar o licenciamento ambiental de Pequenas Centrais Hidrelétricas, entre outras medidas de um “choque liberal” no setor. Cita o fomento a energia eólica no Nordeste, um dos poucos pontos de convergência com Haddad.

 

ÁREA SOCIAL

● O plano fala em estabelecer bases para a criação de um pro- grama de renda mínima, que seria pago “acima do valor do Bolsa Família”. A campanha não deu mais detalhes da propos- ta após a apresentação do documento, mas Bolsonaro chegou a afirmar que implementará um 13º. salário do programa.

 

FERNANDO HADDAD (PT)

PREVIDÊNCIA

● O programa aposta na retomada da arrecadação, através da criação de empregos e combate à sonegação, para equilibrar as contas da Previdência. Passou a admitir a necessidade de “reformas estruturais” na área fiscal e prega que todas União, Estados e municípios tenham as mesmas regras.

 

EMPREGO

● Promete revogar a reforma trabalhista aprovada no governo Temer e substituí-la por um “Estatuto do Trabalho”. O plano diz que a lei seria feita “de forma negociada”, sem dar detalhes. O sistema de qualificação de trabalhadores seria reformado e os sindicatos, valorizados.

 

DIPLOMACIA

● O plano de Haddad propõe retomar a aproximação com países latino-americanos e da África, a chamada cooperação “sul-sul”, e fortalecer o BRICS, grupo que o Brasil integra com China, Rússia, Índia e África do Sul – citando a necessidade de o País sediar o fundo monetário do grupo.

 

INOVAÇÃO

● No capítulo que trata de investimentos em ciência, tecnologia e inovação, Haddad fala na “remontagem” de uma rede de colaboração que conecte universidades e centros de pesquisa públicos e privados, e na ampliação do sistema de financiamento da área, com recursos do pré-sal.

 

SAÚDE

● Além da regionalização de redes de atendimento, uma de suas principais propostas, fala em implantar um sistema universal de prontuários eletrônicos – também prometido pelo oponente. Promete mudar a lei que trata da terceirização da gestão para organizações sociais, sem entrar em detalhes.

 

ENERGIA

●Haddad coloca a questão energética dentro da área de sustentabilidade e fala em interromper privatizações no setor, além de fazer com que a Eletrobrás se torne um vetor de expansão da geração e transmissão. Propõe impulsionar a geração de pequeno porte em casas e indústrias.

 

ÁREA SOCIAL

● Haddad promete reforçar investimentos no Bolsa Família, para incluir famílias em condição de pobreza que tenham sido excluídas, e a outros programas sociais criados nos governos Lula e Dilma, como o Minha Casa Minha Vida e uma política nacional de segurança alimentar.