O globo, n. 31074, 04/09/2018. Rio, p. 10

 

O preço do descaso

04/09/2018

 

 

Repasses ao Museu Nacional caíram, mas verbas para a UFRJ aumentaram

Tristeza, luto e, por fim, uma profunda indignação diante de falhas de gestão e falta de recursos. A destruição de 90% do acervo do Museu Nacional, consumido por um incêndio em pouco mais de duas horas, teve efeito devastador sobre corações e mentes de brasileiros, que guardam desde a infância recordações do palácio da Quinta da Boa Vista. Ontem, no dia seguinte ao incêndio, só restavam cinzas e um gigantesco esqueleto, no qual se sobressaía a fachada imponente de blocos de pedra do século XIX. Um prejuízo inestimável, que expõe problemas na gerência de verbas.

Contas oficiais mostram que o dinheiro necessário para guardar em segurança o acervo de 20 milhões de peças era pouco diante das perdas irreparáveis que ainda estão sendo somadas. Considerado uma incomensurável descoberta para a civilização, o crânio de Luzia, o mais antigo fóssil humano das Américas, até ontem estava desaparecido sob os escombros. Mas já se tem a certeza de que toda a coleção egípcia, com preciosidades como o sarcófago de Sha-Amum-Em-Su, foi perdida. Apenas o meteorito Bendengó, de 4 bilhões de anos e cinco toneladas, que ficava no saguão, estava intacto.

 

DESEQUILÍBRIO FINANCEIRO

Antes de ser queimado em praça pública, diante dos olhares de funcionários e curiosos que correram na noite de domingo para o parque, onde sequer havia água suficiente nos hidrantes para combater o avanço do fogo, o Museu Nacional já vinha minguando. A verba pública destinada à instituição fez uma curva descendente nos últimos anos, até chegar a uma situação de quase penúria. Um levantamento feito pela Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados, com base no Sistema Integrado de Administração Financeira, mostrou que, em termos nominais, sem levar em consideração a inflação, os recursos destinados pela União à manutenção da instituição despencaram 34,3% entre 2013 e 2017. No período, os valores pagos passaram de R$ 979.952 para R$ 643.657. Este ano, só foram gastos efetivamente R$ 98.115. As despesas com pessoal são uma conta à parte, e ficam dentro do orçamento da UFRJ, à qual o museu estava subordinado.

Apesar de os repasses para ao Museu Nacional terem diminuído, o Ministério da Fazenda informou à Rede Globo que as transferências de recursos para a UFRJ aumentaram de R$ 2,6 bilhões para R$ 3,1 bilhões entre 2014 e 2017. Os cerca de R$ 500 milhões a mais, segundo o governo federal, foram usados para cobrir um crescimento de despesas com pessoal, que passaram de R$ 2,1 bilhões para R$ 2,6 bilhões no período. Os gastos com custeio passaram de R$ 464 milhões para R$ 497 milhões, enquanto as verbas para a universidade fazer investimentos caíram de R$ 65 milhões para R$ 14 milhões.

Depois do desastre, o Ministério da Educação anunciou que vai liberar R$ 10 milhões para sua reconstrução, que só deverá começar no ano que vem. A Unesco, em parceria com outros órgãos, prometeu R$ 5 milhões.

Enquanto bombeiros tentavam resfriar as paredes do museu e avaliavam riscos de desabamento, a Quinta da Boa Vista entrava em ebulição. Centenas de pessoas que protestavam contra a destruição do museu enfrentaram guardas municipais que queriam impedir a manifestação dentro do parque. Ao mesmo tempo, havia gente ali alheia ao clima de tensão. Uma mulher levou a filha de 10 anos para ver os escombros e, abraçadas, caíram em lágrimas. E, entre autoridades e acadêmicos, tinha início uma troca de acusações sobre a responsabilidade pelo incêndio. Em frente ao prédio em ruínas, o reitor da UFRJ, Roberto Leher, e o diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, atribuíram a tragédia ao descaso do poder público, e lembraram que nenhum ministro marcou presença nas comemorações pelo bicentenário da instituição, em junho.

— É forçoso reconhecer que, no Brasil, os museus não dispõem de recursos compatíveis com sua importância —disse Leher.

Ao ser questionado sobre o que poderia ter sido feito para evitaratr agé dia, Kellnerperg untou a um repórter oque ele farias e estivesse em seu lugar:

—A verdade é que, tão logo nós assumimos a direção, colocamos a situação como ela é. Lutamos, tivemos a oportunidade de fazer um curso para os funcionários contra incêndios. Qual o sentimento que você teria nome ulugar? Éo sentimento de não teros meios necessários par afazer aquilo queé preciso. Não adianta chegar e dizer “a UFRJ faz”, porque e latemos seus problemas. Faltou um olhar diferencia dodo governo federal para esta instituição (o museu), queéagênes edonos so país.

Por sua vez, o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, criticou a administração do Museu Nacional:

— Temos problemas bastante graves em museus universitários. Eu acho que falta aos gestores das universidades que são responsáveis pela gestão desses museus empreender, de fato, ações no sentido de aumentar a base de recursos com que trabalham. Ficar apenas dependendo dos recursos orçamentários não dá mais. Esse modelo 100% estatal está falido no Brasil.

Em Brasília, o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, entrou no debate questionando a comoção provocada pelo incêndio.

—Agora que aconteceu tem muita viúva chorando. Eu não tenho visto ultimamente, na televisão, por exemplo, pelo menos em um horário, alguém destacando o museu, para que ele se tornasse mais amado por nossa população. Está aparecendo muita viúva apaixonada, mas, na verdade, essas viúvas não amavam tanto assim o museu —afirmou o ministro, um dos principais interlocutores do presidente Michel Temer.

O governo federal anunciou a criação de uma força-tarefa para resgatar e restaurar peças do museu.