O globo, n. 31074, 04/09/2018. Economia, p. 21
Pacote argentino
Janaína Figueiredo
04/09/2018
O presidente argentino, Mauricio Macri, anunciou ontem um pacote emergencial de medidas para conter a desvalorização da moeda e promover um forte ajuste fiscal. Uma drástica mudança de cenário para um governo que assumiu em 2015 com as bênçãos dos mercados globais e, no ano passado, sediou a cúpula da Organização Mundial do Comércio (OMC). As medidas incluem corte de gastos do governo, redução à metade do número de ministérios e a taxação das exportações. Hoje, em Washington, o país começa uma renegociação, também emergencial, com o Fundo Monetário Internacional (FMI), motivada pela disparada do dólar nos últimos dias. Só este ano, a moeda americana teve valorização de 100% frente ao peso argentino. Ontem, o dólar subiu 2,74%, aos 39,04 pesos.
SEM AUTOCRÍTICA
No discurso mais realista desde que assumiu, Macri anunciou a redução de ministérios do seu gabinete, de 23 para dez, e a imposição de um novo tributo sobre o comércio exterior. Este incide sobre qualquer exportação, inclusive de serviços. O cinto foi apertado ao máximo, e a meta de déficit fiscal para 2019 passou de 1,3% do PIB para zero. O governo pretende acelerar desembolsos do acordo com o FMI e receber o total dos US$ 50 bilhões até o fim do ano que vem. Resta saber que condições o organismo vai impor e se as medidas conseguirão acalmar o mercado cambial e iniciar um processo de retomada da confiança em um país ainda profundamente dependente de financiamento externo.
— A euforia que geramos quando ganhamos a eleição, com a promessa de frear um caminho que nos levaria a ser uma Venezuela, ajudou-nos por um tempo. Mas, depois de dois anos e alguns meses, a situação mudou — admitiu o chefe de Estado.
Macri fez pouca autocrítica. Justificou acrise com“uma mudança de cenário externo”, mencionando como fatores negativos para a Argentina a disputa entre Turquia e Estados Unidos, que recentemente arrastou as moedas emergentes, e acrise econômica no Brasil. Na frente interna, assegurou que os escândalos da corrupção kirchnerista contribuíram para prejudicara imagem do país no exterior.
Para economistas locais, a explicação é mais complexa do que o exposto por Macri.
—O governo cometeu vários erros, entre eles, o de ter aplicado um tributo sobre a renda financeira. O mercado foi perdendo a confiança e vendo um presidente que não tinha força para aprovar reformas como a trabalhista. Ada Previdência passou por pouco, e a tributária foi menos abrangente do que se esperava. Os dólares, sem confiança e com uma estrutura fiscal tão vulnerável como a nossa, acabaram — afirmou Martin Tetaz, professor da Universidade Nacional de La Plata.
PAÍS ‘CONTINUA FRÁGIL’
Tetaz lembrou que o déficit consolidado do país está em torno de 7% do PIB, e a capacidade de crédito do sistema financeiro é de 14% do PIB:
— A Argentina continua sendo frágil. Se você olhar para o Chile, o déficit é de 2%, e a capacidade de crédito interna é de 24%. É claro que o mercado estará aberto para o Chile e fechado para a Argentina.
Para o economista Jorge Puig, da mesma universidade, “acabou o financiamento externo para todos os emergentes, e nós éramos os mais vulneráveis”.
— Todos os que apoiaram Macri no começo esperavam uma política econômica mais agressiva. Quando viram que esse não seria o caminho, começaram a surgir as dúvidas. O presidente está fazendo agora o que se esperava em 2016 —disse Puig.
O governo vai reduzir investimentos públicos e estima uma economia de 20% com o congelamento de vagas no funcionalismo.