O globo, n. 31073, 03/09/2018. Rio, p. 9

 

A história do Brasil em cinzas

03/09/2018

 

 

Fogo destrói o bicentenário Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista

Uma catástrofe cultural sem precedentes. O acervo do Museu Nacional, uma das mais importantes instituições científicas e antropológicas da América Latina, tinha 20 milhões de itens. Quase tudo foi devastado pelo fogo ontem à noite, no ano das comemorações de seu bicentenário. O incêndio começou por volta das 19h e rapidamente destruiu o prédio que, antes de museu, foi a primeira casa da Família Real portuguesa no Brasil e onde nasceu a Princesa Isabel. Um trágico desfecho para um passado recente de orçamento precário, que impedia condições mínimas de preservação. O estado de abandono chegou ao ponto de, no começo de 2015, provocar um fechamento temporário das exposições.

Em poucos minutos, viraramcinzas relíquias da monarquia brasileira, além departe da nossa Pré-História. No museu estavam, por exemplo, os restos do primeiro brasileiro, o crânio fossilizado de Luzia, além centenas de outros esqueletos e artefatos, sem que se saiba o que pode ter resistido às chamas.

“Incalculável para o Brasil a perda do acervo do Museu Nacional. Hoje é um dia trágico para a museologia de nosso país. Foram perdidos duzentos anos de trabalho, pesquisa e conhecimento. O valor para nossa História não se pode mensurar, pelos danos ao prédio que abrigou a Família Real durante o Império. É um dia triste para todos brasileiros”, afirmou, em nota, o presidente Michel Temer.

Segundo funcionários do museu, localizado na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, a visitação transcorreu normalmente ontem, até as 17h. Quando as chamas foram detectadas, havia quatro vigilantes no prédio, que conseguiram escapar sem ferimentos.Eles contaram ter visto um clarão no primeiro andar.

Produtos inflamáveis

Até ontem à noite, no entanto, as causas do incêndio eram desconhecidas. A investigação ficará acar goda Polícia Federal. A formação de uma nuvemde fumaça levou a direção do vizinho Rio Zoo a convocar funcionários, mas os animais não foram afetados. Durante o combate às chamas, apenas duas escadas Magirus eram vistas. Para piorar, havia pouca água nos hidrantes do entorno, o que levou o Corpo de Bombeiros a pedir a juda à Ce da e. A companhia enviou carros pipas ao local, emangueiras foram estendidas até o lago da Quinta da Boa Vista. O esforço, no entanto, não impediu que as chamas se alastrassem rapidamente pelos três andares do museu.

Muito emocionada, a vice diretor a da instituição, Cristiana Cerezo, se atirou ao chão quando chegou à Quinta. Ela contou que havia muitos produtos inflamáveis no interior do prédio:

—Agente tinha um plano para evacua ressas substâncias do museu, mas, infelizmente, isso aconteceu. Estávamos trabalhando também coma atualização da prevenção de incêndio. É muito triste.

Criado por Dom João VI, em 6 de junho de 1818, o Museu Nacional inicialmente funcionou no Campo de Sant’Ana. A partir de 1892, atendendo a uma solicitação de Dom Pedro II, o Palácio de São Cristóvão passou ase rase deda instituição. Foi em maio de 1900 que suas portas abriram ao público para exposições permanentes. E, desde então, o lugar recebeu personalidades como Albert Einstein e Santos Dumont. Em 1946, foi incorporado à Universidade do Brasil, atual UFRJ.

Par atentar revertera situação de abando nodos últimos anos, o BNDES assinou, em junho, um contrato de R$ 21,7 milhões para restaurar o museu. Averba seria usada na reformada biblioteca ena restauração de estruturas como o telhado e os aposentos de Dom Pedro II.

De acordo com o contrato do BNDES, uma parcela da verba também deveria ser investida em segurança contra incêndios. Além disso, em maio, Alexander Kellner, presidente do museu, lançou uma campanha de financiamento coletivo para remontar peças corroídas por cupins.

Nas celebrações do bicentenário, o museu foi o enredo do desfile da Imperatriz Leopoldinense na Sapucaí.