O globo, n. 31072, 02/09/2018. Economia, p. 33

 

Frota encalhada

Ramona Ordoñez

Bruno Rosa

02/09/2018

 

 

Embarcações de R$ 17,6 bi enferrujam em estaleiros

A euforia do setor naval na última década, a reboque da indústria do petróleo, deu lugara um cenário melancólico em alguns dos principais estaleiros do país. Eles se tornaram cemitérios de plataformas, sondas e navios petroleiros, essenciais para ampliara exploração e a produção de petróleo e gás, sobretudo no pré-sal. A crise financeira da Petrobras e os casos de corrupção envolvendo construtoras e fornecedoras do setor nos últimos anos levaram à suspensão de contratos bilionários. Embarcações que receberam investimentos de pelo menos US$ 4,3 bilhões (R$ 17,6 bilhões) enferrujam inacabadas no cais. Em alguns casos, a construção foi interrompida com 90% das obras concluídos.

Enquanto as autoridades do setor e o governo federal não encontram uma solução, pelo menos quatro sondas de perfuração, duas plataformas e três navios petroleiros estão abandonados em estaleiros na costa brasileira, entre o Sul e o Nordeste, sob o risco de virar sucata. Todo esse desperdício envolve recursos públicos. Nos últimos dez anos, o Fundo de Marinha Mercante (FMM) desembolsou R$ 34,4 bilhões em crédito subsidiado para o setor naval.

Do total, R$ 2,4 bilhões foram destinados justamente à construção dessas unidades inacabadas, assim comoà ampliação de estaleiros. Os contratos interrompidos inviabilizaram financeiramente os estaleiros, alguns construídos do zero para atender à demanda do pré-sal sob o regime que privilegiava o conteúdo nacional na cadeia de petróleo e gás. Entre eles, o Enseada, na Bahia, e o Jurong, no Espírito Santo. Milhares de vagas foram fechadas. Vice-presidente do Sinaval, Sérgio Bacci diz que todo esse equipamento parado corre o risco de virar ferro-velho se as obras não forem concluídas:

—É isso que estamos vendo na indústria naval. É tudo dinheiro público apodrecendo. Sobre a responsabilidade de empresas do setor nos casos de corrupção, que envolveram pagamento de propina de fornecedores a diretores da Petrobras e forçaram a estatal a rever os contratos, Bacci diz que é preciso punir os executivos envolvidos, não as empresas. Magda Chambriard, ex-diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e consultora da Fundação Getulio Vargas (FGV), concorda:

— Basta olhar o que acontece em casos de irregularidades nos Estados Unidos ou na Europa, onde se prende, pune e o envolvido paga, mas a empresa continua. Não podemos destruir toda essa infraestrutura que foi feita, com qualificação de pessoal. Mas avalio que não podemos ter tantos estaleiros.

Risco de virar sucata

O caso mais grave envolve a Sete Brasil, empresa criada para viabilizara construção de 28 sondas em estaleiros nacionais. O projeto naufragou, afetada pelo esquema de corrupção revelado pela Operação Lava-Jato. Das 17 sondas que chegaram a ser iniciadas, apenas quatro, com mais de 50% de obras feitos, devem ser concluídas coma ajuda de um novosócio, co moestá previsto no novo plano de recuperação judicial da Sete, que será apresentado no próximo dia 11. — As demais sondas vão potencialmente virar sucata, pois não terão contrato e ainda precisam de muito dinheiro para serem concluídas — destacou uma fonte a parda negociação. Estima-se que somente quatro sondas paradas há três anos nos estaleiros Brasfels, em Angra dos Reis (RJ), e Jurong, em Anchieta (ES), estejam avaliadas em cerca de US$ 3,4 bilhões.

As duas do Brasfels têm 90% e 70% das obras concluídas. As outras duas, no Jurong, têm os mesmos níveis de construção. Com as obras paradas, a Enseada Indústria Naval, que construiu um estaleiro em Paraguaçu, na Bahia, para fabricar seis sondas, viu o número de funcionários cair de oito mil para 250. — Reduzimos os custos e renegociamos as dívidas com credores, em um processo de reestruturação que levou três anos. Ainda não sei se haverá novas construções no Brasil —diz Maurício Almeida, presidente da empresa, que vem buscando outras atividades, como operar um terminal de líquidos a granel. Na lista de equipamentos abandonados estão ainda plataformas (FPSOs) de produção de petróleo. É o caso do estaleiro Rio Grande (Ecovix), no Rio Grande do Sul, do Grupo Engevix, que teve a recuperação judicial pedida em 2016 homologada no mês passado. Contratado pela Petrobras, o estaleiro viu suas encomendas de FPSOs revistas após ser alcançado pela Lava-Jato.

Três plataformas tiveram o contrato cancelado, mesmo já tendo consumido US$ 600 milhões (R$ 2,4 bilhões). O plano de recuperação da Ecovix prevê a conclusão de uma delas, a P-71, enquanto a P-72 será vendida como sucata. Já o projeto da P-73, em fase de engenharia, será abandonado. Outras duas FPSOs que seriam produzidas ali foram redirecionadas para a China. A Petrobras diz que, por questões técnicas, jurídicas e econômicas, não há possibilidade de retomar a construção dessas unidades. Sobre a Sete Brasil, a estatal informou que já aprovou os principais termos para um possível acordo.

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Estaleiro Mauá soma dívidas de R$ 1,5 bi e tenta novo investidor

02/09/2018

 

 

Empresa tem três petroleiros semiacabados parados há três anos no cais

Fundado em 1845 e responsável por fabricaras primeiras plataformas de petróleo do país, na década de 1960, o Estaleiro Mauá, em Niterói, tenta um novo capítulo em sua história emmeio a dificuldades financeiras. A atual cri sena empresa ganhou força há três anos, quando a Transpetro cancelou o contrato de construção de três navios petroleiros. Com isso, o estaleiro acumulou dívidas de R$ 1,5 bilhão e enfrenta um processo de recuperação judicial, cujo plano prevê a possibilidade de atrair um sócio estrangeiro para concluir as unidades.

Canteiro vazio

No estaleiro, o cenário é desolador, com seis funcionários fazendo a segurança do local interditado que abriga os três navios e a manutenção de toneladas de aço. Nesse espaço, que corresponde a cerca de metade da área de todo o estaleiro, dois petroleiros estão no mar à espera de uma solução. Um, batizado de Irmã Dulce, tem 95% das obras concluídos. O outro, chamado Zélia Gattai, está com 89% prontos. Situação pior tem o terceiro petroleiro, ainda localizado no pátio (chamado de carreira), com 60% das obras feitas. O espaço em que já transitaram 3.500 funcionários é hoje um grande vazio, com o navio inacabado cercado de tubos, correntes e uma chaminé com o logotipo da Petrobras desbotado. Estima-se que os ativos tenham valor de US$ 300 milhões, cerca de R$ 1,2 bilhão, segundo fontes do setor. Ricardo Moreira Vanderlei, diretor-presidente do Estaleiro Mauá, diz que todo esse equipamento está enferrujando há três anos. — Os dois navios estão sendo destruídos. É dinheiro público que está derretendo na Baía de Guanabara—diz.

—A Transpetro cancelou os contratos e, com isso, não conseguimos arcar com os salários dos funcionários. Hoje, temos duas ações na Justiça contra a empresa questionando o fim do contrato e pedindo indenização devido ao desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos. A Transpetro disse que os contratos foram rescindidos “em decorrência do inadimplemento das obrigações contratuais ”. A subsidiária da Petrobras informou ainda que as avaliações indicaram como melhor alternativa anão continuidade da construção.

Nos últimos quatro anos, pelo menos 60 mil empregos, boa parte de mão de obra qualificada, foram eliminados das estatísticas da indústria naval brasileira. Foi a consequência do novo declínio do setor, que havia sido revitalizado no início dos anos 2000 com a política de priorizar equipamentos nacionais na exploração e produção de petróleo. De acordo com o Sinaval, que reúne as empresas do setor, os estaleiros brasileiros empregam atualmente 25 mil trabalhadores no país. Eram 84 mil em 2014. A expectativa da entidade é que esse número seja reduzido ainda mais, para cerca de seis mil pessoas em 2020.

A grave crise financeira da Petrobras — agravada pelos casos de corrupção desvendados pela Operação Lava-Jato envolvendo executivos da estatal, políticos e fornecedores —e a queda dos preços do petróleo, a partir de 2014, levaram ao cancelamento de muitas encomendas da estatal a estaleiros nacionais. Para cortar custos, a Petrobras passou a buscar na Ásia, sobretudo na China, plataformas mais baratas como forma de cortar custos. Desde 2016, foram pelo menos nove unidades contratadas de estaleiros chineses. Segundo consultores, esse número tende a aumentar a curto prazo, com novas encomendas para atender à demanda da produção no pré-sal, que está crescendo. Outras empresas do setor que atuam no Brasil fazem movimentos semelhantes.