O globo, n. 31131, 31/10/2018. Colunas, p. 6

 

O juiz e o capitão

Bernardo Mello Franco

31/10/2018

 

 

Sergio Moro não disfarça. O juiz da Lava-Jato está animado com o convite para virar ministro de Jair Bolsonaro. Em nota, ele se declarou “honrado com a lembrança” do presidente eleito. Em conversas informais, foi além. Disse que sua presença no governo dissiparia temores em relação ao capitão.

O magistrado foi um personagem chave na corrida presidencial. A seis meses do primeiro turno, ele prendeu o candidato que liderava as pesquisas. Três meses depois, suspendeu as férias para contestar a decisão de um desembargador que mandou soltá-lo.

A liminar era exótica, mas um juiz de primeira instância não tinha poderes para derrubá-la. Moro não se limitou a afrontar a hierarquia judicial. Ainda orientou a polícia a descumprir a ordem que o contrariava.

Na semana da eleição, o juiz voltou a interferir na político. Ele divulgou trechos de uma delação antiga, mas com potencial para atingir um dos lados da disputa. Mais uma vez, o lado que oferecia risco a Bolsonaro.

As três decisões facilitaram a chegada do capitão ao poder. Em todos os casos, os petistas acusaram Moro de parcialidade. Se ele aceitar o convite para servir ao novo regime, ficará muito difícil discordar.

O jurista Wálter Maierovitch, que apoiou o juiz na batalha de liminares, diz que ele cometerá um erro grave se virar ministro de Bolsonaro. “Seria muito estranho e eticamente reprovável. Estamos vivendo uma época de patifarias, mas isso não dá”, critica.

O professor lembra que um ministro da Justiça “não tem autoridade própria”. “Ele é subordinado ao presidente e pode ser demitido com um balançar de cabeça. Como diz a sabedoria portuguesa, não se deve passar de cavalo a burro”, conclui.

Ao anunciar que o novo governo terá 15 ministérios, Onyx Lorenzoni disse que Bolsonaro promoverá um “enxugamento como nunca aconteceu no Brasil”. O deputado se esqueceu de outro presidente que prometeu renovar a política e reduziu a Esplanada a 12 pastas. Chamava-se Fernando Collor.

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Agricultura e meio ambiente serão unificados

Jussara Soares

Mariana Martinez

31/10/2018

 

 

Bolsonaro havia recuado dessa proposta, depois de críticas de ambientalistas e preocupação do setor produtivo com o mercado internacional; 80% dos nomes para os ministérios estariam definidos

O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) voltou atrás na sua promessa de rever a fusão dos ministérios da Agricultura e Meio Ambiente. Depois da proposta, que consta do plano de governo, ser criticada por ambientalistas e gerar preocupação no setor produtivo, o capitão da reserva havia sinalizado, na reta final da campanha, que recuaria.

Ontem, porém, o futuro ministro da Casa Civil, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), confirmou que será uma única pasta.

—Agricultura e Meio Ambiente estarão no mesmo ministério como desde o primeiro momento —disse Lorenzoni, após uma reunião de Bolsonaro com sua equipe na casa do empresário Paulo Marinho, na zona sul do Rio.

O parlamentar negou que houvesse recuo na promessa de fusão. Na semana passada, no entanto, o presidente eleito, em transmissão ao vivo pela internet, admitiu que havia “um certo atrito” sobre a união das pastas e disse que estava “pronto para negociar.”

A proposta de fusão de Agricultura e Meio Ambiente foi incorporada por sugestão do presidente da União Democrática Ruralista, Luiz Antonio Nabhan Garcia, principal consultor de Bolsonaro para o agronegócio. Na semana passada, até ele admitiu recuar da ideia, após uma visita ao então candidato.

— Ninguém pode ter um governo duro, autoritário, sem flexibilidade, com arrogância. Se for o melhor para o Brasil, depois de eleito todos vão sentar e ele vai ouvir toda a sociedade. É inevitável a fusão de várias pastas. Porém, estamos ouvindo a todos. Se tiver que haver flexibilização, haverá —disse Nabhan, na ocasião.

Reação

REAÇÃO

A fusão havia sido reavaliada depois que setores do agronegócio e ambientalistas fizeram alertas sobre o impacto da proposta. Os primeiros reconhecem possíveis prejuízos em negociações internacionais, que levam em conta práticas ambientais dos países exportadores, enquanto o segundo grupo entende que a medida prejudica o controle do desmatamento.

Ex-presidente do PSL, Gustavo Bebianno, que vai integrar a equipe de transição, informou que já estão definidos os nomes para cerca de 80% dos ministérios.

— Hoje já foram decididos alguns nomes, teve um significativo avanço. Em torno de 80% dos ministérios já estão definidos. Por questão estratégica nossa, vamos passar os nomes um pouquinho mais pra frente.

A presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputada Tereza Cristina (DEM-MS), afirmou ontem que a bancada ruralista montou uma equipe para começar a receber indicações de nomes para comandar o Ministério da Agricultura. De acordo com ela, o bloco parlamentar deve apresentar as sugestões durante uma reunião com o presidente eleito, prevista para a próxima semana.

O pesquisador Paulo Amaral, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), reagiu com preocupação à volta do plano de unir as duas pastas. Para ele, há risco de retrocesso das políticas socioambientais no país.

— Caso essa posição seja mantida, a tendência é que a visão seja pensar na produção a qualquer custo. Durante a campanha, essa sinalização já se refletiu numa retomada do crescimento do desmatamento na Amazônia. É preciso abrir um diálogo com os produtores agrícolas para mostrar a importância de o Brasil manter sua agenda ambiental. Se ela for enfraquecida, a mensagem para o resto do munto é muito ruim —disse ele.

Coordenadora de Política e Direito do Instituto Sócio Ambiental (ISA), Adriana Ramos afirmou que o novo formato gera dúvidas:

— O Ministério do Meio Ambiente vai muito além da agenda da Agricultura e, por isso, não fica claro como será dada a solução para as várias demandas da área.

Para Malu Ribeiro, da SOS Mata Atlântica, se o objetivo é enxugar a máquina, haveria saídas melhores:

— Poderia unir meio ambiente ao turismo, por exemplo, como fez a Costa Rica e outros países que exploramo patrimônio natural para um turismo sustentável. Há ainda dentro do Ministério do Meio Ambiente a questão da água, que não diz respeito apenas à agricultura, mas também às áreas urbana e de saúde.

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O autointitulado 'posto Ipiranga' da ciência e tecnologia

Cesar Baima

Roberto Maltchik

31/10/2018

 

 

Primeiro e único astronauta brasileiro, Marcos Pontes afirma que será ministro de Bolsonaro; anúncio oficial ainda não foi feito

Em vídeo publicado ontem em uma rede social, o astronauta Marcos Pontes, primeiro, e até agora único, brasileiro a viajar para o espaço, afirmou que será ministro da Ciência e Tecnologia do governo de Jair Bolsonaro. Ele se autointitulou como o “posto Ipiranga" do setor. É dessa forma que o presidente eleito se refere a Paulo Guedes, seu guru na área econômica e futuro ministro.

—Eu estou muito feliz de ter participado não só da campanha, mas também pela oportunidade de participar deste novo governo em uma área que tem sido a minha vida por 41 anos. Como vocês sabem, ele (Bolsonaro) tem falado sempre no meu nome, mais ou menos como o “posto Ipiranga” da Ciência e Tecnologia. E agora só falta o anúncio oficial da minha indicação para ministro — disse ele, que gravou o vídeo após deixar a casa de Bolsonaro, no Rio.

Pontes, que também é engenheiro e oficial da reserva da Aeronáutica, elencou uma série de desafios e objetivos para a pasta, alvo de fortes cortes no orçamento pelo governo nos últimos anos:

—Muitas coisas a fazer. Educação para formar cidadãos qualificados, ciência para desenvolver ideias e soluções específicas para o Brasil, tecnologia para transformar essas ideias em inovações que vão se transformar em novos produtos, em novas empresas, em novos empregos.

Se confirmado no ministério, ele terá pela frente desafios maiores do que o próprio programa espacial, conhecido pelos repetidos problemas de gestão e de orçamento.

Junto à academia, a pasta tem como prioridade aumentar a qualidade e o impacto das pesquisas científicas brasileiras, que perdem relevância no cenário internacional, mesmo em um cenário de volumosa produção —na última década, o Brasil é um dos países que tem o maior crescimento no número de trabalhos publicados, ficando atrás de China e Coreia do Sul.

Dez dias no espaço

Pontes fez concurso para a Agência Espacial Brasileira (AEB) em 1998. Já em agosto daquele ano, ele partiu para o Centro Espacial Johnson, em Houston, no Texas. Lá, Pontes integrou a turma 17 de astronautas da Nasa, apelidada de “Os Pinguins”, junto a outros 31 “candidatos a astronautas”.

Em 2006, ele se tornou o primeiro brasileiro a ir ao espaço. Após negociações do governo Lula com a Roscosmos, a agência espacial da Rússia, Pontes conseguiu uma vaga numa cápsula Soyuz, a um custo de US$ 10 milhões.

Partindo do Centro de Lançamento de Baikonur, no Cazaquistão, ele levou 15 quilos de carga da Agência Espacial Brasileira, compondo dez experimentos escolhidos em conjunto pela AEB e a Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Depois de dez dias de missão —dois na viagem a bordo da Soyuz e oito na Estação Espacial Internacional —, Pontes voltou à Terra.

Após a missão espacial e já fora da Aeronáutica, ele chegou a colaborar com a AEB. Nos últimos anos, Pontes vem ministrando palestras e também tem uma fundação que leva seu nome.