O globo, n. 31131, 31/10/2018. País, p. 8

 

Moro diz que 'reflete' sobre possível indicação para Justiça ou STF

Cleide Carvalho

31/10/2018

 

 

Juiz da Lava-Jato diz que ficou ‘honrado com a lembrança’ do seu nome caso convite seja efetivado por Jair Bolsonaro

Um dia depois de o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) ter dito que pretende convidar o juiz Sergio Moro para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) ou para o Ministério da Justiça, o magistrado declarou que, se chamado, refletirá sobre o assunto. Moro disse que se o convite for formalizado “será objeto de ponderada discussão e reflexão".

“Sobre a menção pública pelo sr. presidente eleito ao meu nome para compor o Supremo Tribunal Federal quando houver vaga ou para ser indicado para Ministro da Justiça em sua gestão, apenas tenho a dizer publicamente que fico honrado com a lembrança. Caso efetivado oportunamente o convite, será objeto de ponderada discussão e reflexão", afirmou Moro, em nota.

Caso aceite participar do governo, o magistrado terá que pedir exoneração, como determina a Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Por essa lei, é permitido aos juízes federais apenas lecionar em universidades. Uma possível indicação para o Supremo Tribunal Federal demorará mais tempo, já que a primeira vaga será aberta apenas em 2020, quando o ministro Celso de Mello completará 75 anos.

A interlocutores, Moro não descartou aceitar o convite para o ministério. E tem dito que aceitaria de “bom grado” a indicação para o Supremo.

Após a eleição, sem citar o nome de Bolsonaro, Moro parabenizou o presidente eleito e desejou que ele faça “um bom governo” e resgate a confiança da sociedade brasileira nos políticos.

A mulher do magistrado, a advogada Rosângela Wolff Moro, também se manifestou favoravelmente à eleição do capitão reformado. Nas redes sociais, ela disse “não ter medo da mudança”.

O último juiz federal de carreira que se tornou ministro do STF foi Carlos Velloso. Caso Moro aceite o Ministério da Justiça, poderá fazer caminho semelhante ao do ministro Alexandre de Moraes, que chegou ao STF depois de ocupar o posto durante do governo do presidente Michel Temer.

Dirigentes do PT, reunidos ontem em São Paulo, criticaram Moro por cogitar assumir cargo no governo de Bolsonaro. O ex-ministro Alexandre Padilha, disse que, “se aceitar, dará mais um passo de parcialidade”.

—Iria para um governo que o presidente, num discurso, disse que os vermelhos têm que estar presos e exilados. Ele vai ser o operador disso? — disse Alexandre Padilha, um dos vice-presidentes do PT e deputado eleito.

Mas o juiz não considera a hipótese, por enquanto, de abrir mão de processos que têm Lula como réu, em Curitiba, por causa do convite.

Moro está à frente de dois processos contra o ex-presidente Lula. Na próxima quinta-feira, termina o prazo da defesa de Lula para as alegações finais na ação que envolve a compra de um prédio para o Instituto Lula e o apartamento vizinho à cobertura dele em São Bernardo do Campo. Segundo a denúncia, o pagamento foi feito pela Odebrecht. Com isso, o juiz já pode analisar o caso. O STF determinou que as delações da empreiteira sejam retiradas de Curitiba e a defesa de Lula entrou com recurso, mas Moro ainda não analisou o pedido.

No próximo dia 14 está previsto interrogatório de Lula por Moro, na ação que envolve o sítio de Atibaia.

O procurador Carlos Fernando Lima , que por quatro anos integrou aforça-tarefa, afirmou em nota que o convite a Moroéum “re conhecimento do trabalho” deleà frente da operação. Disseque a Lava-Jato não pode ser “maculada” pelo convite, como argumentam alguns. A polêmica, disse, é fruto da“pouca institucionalidade” com que esses assuntos são tratados no Brasil.

O convite de Bolsonaro para que Moro ocupe uma vaga no STF pode frustrar outros magistrados envolvidos na Lava-Jato. Fontes ouvidas pelo GLOBO dizem que, apenas no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, há dois aspirantes para a vaga no STF: João Gebran Neto, relator da LavaJato na segunda instância, e o presidente do TRF-4, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, que fez carreira no Ministério Público até ser nomeado a juiz federal em 2001. 

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Juiz poderá enfrentar questionamentos após convite

Dimitrius Dantas

31/10/2018

 

 

Criminalistas afirmam que decisões já proferidas não seriam prejudicadas, porém há risco de nulidade de novos depoimentos

“O mais prudente seria adiar (o depoimento) de Lula. É o mais prudente, até para evitar eventual pedido de nulidade” _ Paulo Martinelli, professor do Instituto de Direito Público de SP
“A hipótese da defesa do ex-presidente é que Moro nunca foi isento” _ Davi Tangerino, professor da FGV-SP

Ao mesmo tempo em que avaliam que julgamentos já proferidos na Lava-Jato não seriam prejudicados por uma indicação de Moro, criminalistas ouvidos pelo GLOBO acreditam que advogados de réus na operação podem suscitar novos questionamentos.

Em tese, a defesa dos investigados pode questionar futuros interrogatórios e tentar usar argumentos de falta de parcialidade do juiz. Caso seja indicado para o STF, Moro estaria impedido ainda de julgar casos que já passaram por ele na primeira instância.

Para o criminalista João Paulo Martinelli, professor do Instituto de Direito Público de São Paulo, a situação do magistrado pode provocar pedidos de nulidade de interrogatórios. No próximo dia 14, por exemplo, Moro vai comandar o depoimento do expresidente Lula no processo que investiga o recebimento de vantagens indevidas pelo petista por meio da aquisição de um terreno que serviria de sede para o Instituto Lula.

Martinelli pondera que, se houver um convite por parte de Bolsonaro antes do depoimento e a situação não estiver resolvida até a data marcada, Moro deveria adiar o interrogatório:

— O mais prudente seria adiar (o interrogatório) para outro juiz. É om ais prudente, até para evitar eventual pedido de nulidade —diz Martinelli.

Para o criminalista, uma eventual chegada ao STF poderia, em tese, provocar críticas sobre a participação do magistrado em julgamentos relacionados, por exemplo, à prisão de réus condenados em segunda instância. A tese é defendida e aplicada por Moro, mas encontra resistência importante dentro do STF.

Professor da FGV, Davi Tangerino diz que, com a eventual ida de Moro para o governo, advogados de Lula poderiam tentar usar argumentos políticos em processos judiciais.

— A hipótese da defesa do ex-presidente é que Moro nunca foi isento.

No caso do tríplex, Lula não foi condenado apenas por Moro, mas também pelos desembargadores do TRF-4.