O Estado de São Paulo, n. 45667, 29/10/2018. Política, p. A16

 

Campanha vitoriosa rompe paradigmas

Matheus Lara

29/10/2018

 

 

Eleições 2018 Ineditismo / Bolsonaro se vale do ativismo digital da força das redes sociais para se eleger presidente: seu tempo na TV no 1º turno foi de 8 segundos

O fogo cruzado nas redes sociais no segundo turno da eleição deixou evidente o poder do ativismo político digital neste momento do País. Jair Bolsonaro (PSL) foi o representante mais bem-sucedido deste tipo de engajamento. Bolsonaro chega à Presidência da República após quebrar tabus e romper paradigmas consagrados pelo marketing eleitoral das últimas disputas. Superou o pouco tempo de TV no primeiro turno (apenas oito segundos), a união com um só partido (PRTB, do vice, general Hamilton Mourão) e uma campanha com poucos recursos financeiros. Após o atentado sofrido em Juiz de Fora (MG), fez a campanha de dentro de casa.

“Bolsonaro se tornou nas redes um produto discursivo. Um case interessante justamente pela sequência de fatores que foram dando certo sem parecer planejados. Ele ocupou o vácuo de representação deixado pelo PT, aproveitou a onda de conservadorismo, foi impulsionado pela tecnologia e se consolidou como um personagem sem ser um objeto de uma construção política, mas sim de um discurso”, avalia o cientista político Kleber Carrilho, da Universidade Metodista de São Paulo.

Para Carrilho, a ascensão de Bolsonaro põe em xeque a efetividade da propaganda eleitoral. “Os adversários achavam que quando começasse o horário eleitoral na TV, no primeiro turno ainda, o cenário mudaria. Mas as redes sociais deram conta de um eleitorado que descobria seu poder de participação. Mesmo sem experiência, sem formação política e às vezes sem leitura crítica das coisas, esses eleitores quiseram interagir e Bolsonaro foi quem conseguiu o maior sucesso com isso.”

A facada que impossibilitou a campanha nas ruas não foi a razão pela qual Bolsonaro investiu em sua presença nas redes. À semelhança do que Donald Trump fez nos EUA antes de se oficializar presidenciável, Bolsonaro e seus apoiadores adotaram as redes como ferramenta para a construção de sua imagem e expansão de suas ideias.

Discursos acalorados e o tom por vezes irônico atraíram adeptos que, munidos de aplicativos como o WhatsApp, passaram a replicar com rapidez as ideias do candidato – sob suspeita de disseminação paga de conteúdo atacando adversários e da possível disseminação de notícias falsas.

“No caso do Brasil, estão usando redes privadas, como o WhatsApp. É uma rede que apresenta muitas complexidades para que as autoridades possam acessar e realizar investigações”, disse a chefe da missão de observação eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA) no Brasil, Laura Chinchilla.

 

Questão de timing. Para chegar ao poder, o novo presidente do Brasil surfou na onda contra a corrupção, na onda de um governo de “autoridade” (que privilegie a ordem e garanta a segurança pública), mas nenhuma tão fundamental quanto a onda antipetista, de acordo com a coordenadora do curso de extensão em Marketing Político da PUC-SP, Vera Chaia.

“O que mais pesou foi ser contrário ao PT. Ele adotou o discurso de colocar Fernando Haddad como “poste” de Lula e se fortaleceu com isso”, analisa a cientista política. “Mas a campanha dele também soube aproveitar o momento do pensamento conservador, como ocorreu na Hungria, França, Itália e Estados Unidos. E as pessoas estão legitimando esse discurso.”

Apesar de ser deputado federal há 27 anos e de colocar três filhos na política, o novo presidente conseguiu vender a ideia de que é uma “novidade” em Brasília. “Ele só apareceu quando se envolveu em polêmicas, como aquelas com Maria do Rosário (PT-RS) e Jean Wyllys (PSOL-RJ), por exemplo. Pois fora isso, ele teve atuação pífia como deputado, sem significado nenhum. Por isso, não tinha visibilidade. Bolsonaro pôde vender a ideia de que era novidade porque a maior parte do eleitorado realmente não o conhecia.”

 

Anticorrupção. Carrilho diz que Bolsonaro adotou o discurso da negação da política e de ser contra a corrupção, mas não em atos. “Ele se mostrou viável do ponto de vista antipetista e honesto do ponto de vista anticorrupção. Mas não fez nada disso atendo-se a fatos, mas a palavras, discursos. Ganhou a confiança de parte da população por falar de formar diferente, como as coisas vêm à cabeça, e numa campanha pouco propositiva, mas efetiva de negação.”

 

Discurso eficaz

“Bolsonaro se mostrou viável sob viés antipetista e honesto do ponto de vista anticorrupção. Mas não fez nada disso atendo-se a fatos, mas com palavras”

Kleber Carrilho​, CIENTISTA POLÍTICO

 

Acertos

Antipetismo

Jair Bolsonaro ocupou o espaço que foi do PSDB em eleições anteriores, como símbolo do combate ao PT. A campanha enfraquecida do tucano Geraldo Alckmin, que foi perdendo votos a cada nova pesquisa eleitoral, ajudou o presidente eleito a apresentar uma imagem de novidade. Apesar de ser deputado federal há 27 anos, Bolsonaro nunca concorreu a cargos majoritários, o que contribuiu para se consolidar como um rosto novo na disputa presidencial.

 

Internet

Com apenas oito segundos de tempo de TV durante o primeiro turno, Bolsonaro baseou a campanha na internet. Na semana do primeiro turno, o candidato liderou as interações no Facebook, com mais de 5 milhões. Após a facada sofrida, houve mais de 800 mil menções no Twitter registradas em duas horas naquele dia. A impossibilidade alegada pelo candidato de ir às ruas e participar de debates contribuiu.

 

Campanha ativa

A predominância das redes sociais contribuiu para uma campanha constante, não limitada ao rádio e à TV. Além do candidato, os eleitores também tiveram relevância: reportagem do Estado apurou que a maior rede de apoiadores de Bolsonaro obtinha mais interações do que a cantora Madonna, antes de ser desmantelada por violar autenticidade de contas de usuários. A linguagem simples e direta de Bolsonaro também influenciou.

 

Debates

Relacionada ao atentado (uma facada) sofrido em Juiz de Fora (MG) em 6 de setembro, a ausência de Bolsonaro na maioria dos debates e sabatinas da campanha favoreceu o então candidato pela falta de exposição pública. A proteção gerada à campanha, que se limitou às próprias condições de saúde de Bolsonaro, evitou debandada de eleitores menos fiéis ao político que poderiam mudar de ideia em relação ao voto.

 

Paulo Guedes

Desde o momento em que definiu Paulo Guedes como futuro ministro da Fazenda, caso fosse eleito, Bolsonaro passou a atribuir responsabilidades e questões complexas de orçamento e balanço fiscal ao seu guru econômico. Além de agradar ao mercado com sinais de que haveria estabilidade, o político transpareceu humildade e simplicidade diante dos eleitores ao admitir que desconhecia o conteúdo dessas questões.