Título: Espanha terá socorro de até 100 bi de euros
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Fonte: Correio Braziliense, 10/06/2012, Economia, p. 11

Quarta economia da Zona do Euro será resgatada para evitar uma quebradeira de seus bancos, o que levaria o mundo a uma profunda recessão. O governo brasileiro vê a decisão com alívio, sobretudo, pela forte presença do Santander no país

Uma semana depois de muitas informações contraditórias, pressões e desmentidos, a Espanha, quarta economia da Zona do Euro, se colocou de joelhos e pediu socorro à União Europeia para salvar seus combalidos bancos e tentar recuperar o crescimento econômico. A ajuda será de até 100 bilhões de euros (US$ 125 bilhões). O país é o quarto do bloco econômico a ser resgatado desde 2008 — os outros foram Portugal, Grécia e Irlanda —, quando o mundo foi sacudido pelo estouro da bolha imobiliária norte-americana. O temor era de que uma quebradeira geral no sistema financeiro espanhol levasse a economia global, que já agoniza, para as trevas — anos seguidos de profunda recessão.

"O governo espanhol declara a sua intenção de solicitar ajuda financeira europeia para a recapitalização dos bancos que precisarem", afirmou o ministro da Economia da Espanha, Luis de Guindos, depois de uma teleconferência de quase três horas entre 17 representantes da Zona do Euro. Em contrapartida ao socorro, o governo de Mariano Rajoy terá as suas contas acompanhadas com rigor pelas autoridades europeias, para que um forte ajuste fiscal seja efetivado. A dívida pública espanhola ronda os 80% do Produto Interno Bruto (PIB), mas poderia disparar se a administração federal fosse obrigada a aportar, sozinha, mais recursos nos bancos. Apenas o Bankia recebeu, em maio, uma injeção histórica de 23,5 bilhões de euros para tentar ficar de pé. Foi justamente a fragilidade do sistema financeiro e do setor público que levou a agência de classificação de risco Fitch a rebaixar a Espanha em três níveis, deixando o país a dois degraus do selo de especulativo.

Na noite de sexta-feira, o Fundo Monetário Internacional (FMI) informou que a necessidade de capital dos bancos espanhóis seria de 40 bilhões de euros. Mas, internamente, a instituição admitia que, para dar a segurança que os investidores exigiam, o socorro teria de ser pelo menos o dobro. E foi exatamente essa a decisão que prevaleceu na reunião de ontem dos ministros do Eurogrupo. Ou se tomava uma medida drástica, ou o mundo continuaria sofrendo com a possibilidade de o setor bancário da Espanha ruir, comprometendo o crescimento econômico global. O FMI não contribuirá para o plano de resgate, mas foi convidado "a ajudar na implantação e no monitoramento da ajuda financeira com pareceres regulares".

Soberania

Mesmo de joelhos ante a União Europeia e as evidentes exigências impostas pelos sócios da Zona do Euro, Luis de Guindos tentou manter a fleuma. Ele se esforçou para passar a visão de que "não haverá nenhum resgate à Espanha", mas, sim, aos bancos espanhóis, e que não há nenhum tipo de condições de reformas econômicas fora do âmbito do setor financeiro. "As condições serão impostas aos bancos, não à sociedade espanhola", disse. "Não há condições de ajuste nem de gasto público, apenas condições para os bancos, unicamente", reiterou. Assim, ele buscou reforçar o entendimento de que a ajuda supõe uma solução intermediária que satisfaz a todos, já que o governo espanhol não vê a sua soberania ameaçada, por não ser submetido a uma intervenção tão dura como as da Grécia. Além disso, a Alemanha restringiu o socorro aos fundos de resgate europeus.

O ministro espanhol explicou que os 100 bilhões de euros devem cobrir as necessidades de capital dos bancos com uma margem de segurança adicional, sendo que 30% dos recursos irão para os que apresentam mais dificuldades. O financiamento europeu implicará em uma injeção de dinheiro no fundo público espanhol de ajuda ao setor bancário, que, por sua vez, repassará os recursos às instituições problemáticas. "Trata-se de uma cifra máxima com ampla margem de segurança", disse. E acrescentou: "Graças a essa ajuda, vão se dissipar as dúvidas e serão cobertas as necessidades dos bancos espanhóis. Essa decisão manifesta o absoluto compromisso dos países do euro com o projeto do euro".

Antes de pedir apoio publicamente, o governo de Mariano Rajoy assegurava que esperaria o resultado da auditoria dos bancos espanhóis, feita pelas empresas alemã Roland Berger e norte-americana Oliver Wyman. O resultado sairia em 21 de junho, no mais tardar. Contudo, diante do caos que tomou conta dos mercados, a ponto de as portas se fecharem para o financiamento da dívida espanhola, não restou outra opção a não ser gritar por socorro. Está certo, porém, que o valor a ser usado dos 100 bilhões de euros será definido com base na auditoria.

O problema das instituições espanholas se agravou desde o estouro da bolha imobiliária nos Estados Unidos. Elas passaram a carregar uma pesada carga de ativos tóxicos, entre créditos de retorno duvidoso e imóveis confiscados em um mercado desvalorizado. Os balanços dos bancos mostram que, até o fim de 2011, eles tinham 184 bilhões de euros em operações problemáticas, correspondentes a 60% de suas carteiras.

Fatura de 500 bilhões

Bruxelas e Madri — Com o socorro à Espanha, à Grécia, a Portugal e à Irlanda, a União Europeia (UE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) já comprometeram cerca de 500 bilhões de euros nos resgates. Apesar da quantia elevada, o mundo respirou mais aliviado ontem, especialmente o Brasil. A presidente Dilma Rousseff não escondia a preocupação com a possível quebra do Santander no país de origem, o que resultaria em graves consequências para a filial brasileira. O banco espanhol chegou a negociar a venda de 49% de suas operações no Brasil, mas o negócio não teve o aval do Palácio do Planalto. Passou, então, a flertar com o Bradesco, mas o namoro não prosperou, diante da insistência da instituição nacional de assumir o controle total das transações do Santander.

Assim que a ajuda de até 100 bilhões de euros à Espanha foi anunciada oficialmente, uma onda de apoio se tornou pública. O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, foi taxativo. "Recebemos bem o anúncio da Espanha de pedir ajuda à Zona do Euro e a resposta positiva do Eurogrupo", afirmou. "Com a reestruturação do setor bancário, estamos certos de que a Espanha poderá, gradualmente, reconquistar a confiança dos investidores e do mercado", acrescentou.

A diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, que participou da teleconferência entre os ministros de Finanças da Zona do Euro, se disse aliviada com a ajuda "confiável" prometida à Espanha. "Felicito a declaração da Eurozona, que completa as medidas tomadas pelas autoridades espanholas nas últimas semanas, para reforçar seu sistema bancário e que providenciarão uma barreira confiável às instituições mais fragilizadas", disse. Para o ministro de Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, a Espanha está agindo corretamente aos olhos de seu país. Por isso, ele acredita que outras nações e instituições da Zona do Euro e, provavelmente, o FMI apoiarão o governo de Mariano Rajoy no processo de saneamento do setor bancário da quarta economia do bloco econômico.

Schäuble destacou, porém, que "parte do princípio" de que o socorro pedido pela Espanha será o único que o país precisará. "A Espanha está, em termos gerais, em um bom caminho, pois foram empregadas grandes medidas estruturais", afirmou. Já a ministra finlandesa de Finanças, Jutta Urpilainen, disse que pedirá garantias caso a ajuda ao governo espanhol saia do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (Feef). No entender do ministro francês de Finanças, Pierre Moscovici, o resgate da Espanha constitui "um forte sinal de solidariedade". O secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner, endossou o discurso.Irlanda quer benefícios A Irlanda pedirá à União Europeia que lhe seja concedido, em caráter retroativo, o mesmo tratamento recebido pela Espanha, para recapitalizar seus bancos. O socorro não embute contrapartidas formais, como a imposição de um plano de austeridade. "Dublin quer discutir esse ponto na próxima reunião de ministros de Finanças da região, em 21 de junho", disse um dos participantes da teleconferência de ontem do Eurogrupo.