O globo, n. 31130, 30/10/2018. País, p. 8

 

Bolsonaro busca líderes de direita no exterior

Eliane Oliveira

Janaína Figueiredo

30/10/2018

 

 

Presidente eleito pretende usar as primeiras viagens para Chile, EUA e Israel para se aproximar de potências e se apresentar como líder nacionalista disposto a fechar negócios sem o que chama de viés ideológico

O presidente eleito Jair Bolsonaro quer aproveitar as primeiras viagens internacionais já programadas para passar ao mundo a mensagem de que sua política externa será orientada pela busca de interesses nacionais e despida do que chama de viés ideológico dos governos do PT.

Os primeiros chefes de Estado que ele escolheu visitar são líderes de direita: os presidentes chileno e americano, Sebastián Piñera e Donald Trump, e o primeiroministro israelense Benjamin Netanyahu. Segundo auxiliares de Bolsonaro, o objetivo dele é entrar para o clube de líderes nacionalistas e conservadores dispostos a fechar negócios, mas sem comprometer setores estratégicos de seus países.

— O que interessa ao Brasil é ter a política externa mais aberta e mais plural possível, para que sejam aproveitadas todas as oportunidades de comércio e investimentos que estão circulando pelo mundo. A ideia é orientar as ações de política externa sem amarras ideológicas — diz Paulo Kramer, um dos colaboradores da campanha de Bolsonaro na área de relações internacionais.

Bolsonaro desenvolverá sua política externa sob inspiração do ex-estrategista de Trump, Steve Bannon. Nas últimas semanas, Bannon teceu elogios ao candidato do PSL, chamando-o de “brilhante”, “sofisticado” e “muito parecido” com Trump. Ele é mentor do Movimento, grupo que promove o nacionalismo econômico de direita no mundo.

Bolsonaro sinaliza que romperá com a política de integração Sul-Sul, criada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pautada pela maior integração do Brasil com outras nações em desenvolvimento. Para o presidente eleito, essa fase acabou. A auxiliares mais próximos, ele afirma que seu objetivo é manter relações “mutuamente vantajosas” com EUA, China, União Europeia, Japão, comunidade árabe e Israel.

Relação com países ricos

O objetivo de Bolsonaro é firmar acordos e tratados com a parte mais rica do planeta. Nem que para isso tenha que se desvencilhar do que ele chama de “amarras” do Mercosul. Atualmente, nenhum dos sócios do bloco pode negociar, em separado, a redução de tarifas de importação com outros mercados, por exemplo.

Isso não significa que serão feitos acordos a toque de caixa, observou um integrante da equipe de Bolsonaro. Essa fonte explicou que, hoje, o Brasil não estaria preparado para negociar com os EUA, por exemplo. O plano é fortalecer a relação com os americanos primeiro.

— Não somos entreguistas —disse a fonte.

As relações entre Brasil e EUA perderam força desde o governo Dilma Rousseff e poderão ser retomadas, com maior ênfase, durante visita de Bolsonaro a Washington, ainda sem data. Além de temas como comércio, defesa e investimentos, a crise política na Venezuela também faz parte da agenda bilateral.

Ontem, o presidente Donald Trump usou o Twitter para elogiar Bolsonaro: “Tive uma conversa muito boa com o recém-eleito Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que venceu sua eleição por uma margem substancial. Concordamos que o Brasil e os Estados Unidos trabalharão em estreita colaboração comercial, militar o tudo mais! Excelente conversa, dei-lhe parabéns”, escreveu. Já na Casa Branca, a porta-voz de Trump, Sarah Sanders, recusou ontem comparações que tratam Bolsonaro como um Trump tropical:

— Só existe um Donald Trump, em minha opinião

No caso de Israel, existe a possibilidade de o presidente eleito sofrer pressão para que o novo governo mude a embaixada brasileira para Jerusalém, tal como os EUA. A situação é delicada, pois retirar a representação de Tel Aviv para Jerusalém desagradaria a comunidade árabe e, principalmente, a Autoridade Palestina.

A eleição de Bolsonaro já começou a dar novos contornos aos relacionamentos entre governos da América do Sul. Ao contrário de Lula e Dilma, o futuro chefe de Estado não priorizou a Argentina para a primeira viagem. O presidente do Chile, o direitista Sebastián Piñera, é que será seu primeiro anfitrião, num encontro ainda sem data marcada. A Casa Rosada não sabe, sequer, se Bolsonaro prestigiará o encontro de líderes mundiais do G-20, que começa em 30 de novembro, em Buenos Aires.

A decisão de Bolsonaro e sua equipe não surpreende, levando em consideração a crise econômica que enfrenta o governo Mauricio Macri. Enquanto a Argentina se prepara para fechar 2018 com queda do PIB entre 2,5% e 3%, o Chile projeta crescer 3%. Paralelamente, Piñera foi enfático em seu respaldo a Bolsonaro durante a campanha —a atitude lhe custou uma enxurrada de críticas por parte da centro-esquerda chilena. Macri optou pelo silêncio.

— O Chile é o que chamamos país boutique e o que interessa a Bolsonaro é nossa experiência em reformas e políticas neoliberais — diz Guillermo Hollzman, professor da Universidade do Chile, que também destaca a ligação de seu país com mercados do Pacífico, como a China.

O que o Presidente eleito quer de líderes que pretende visitar

Donald Trump, presidente dos EUA

Bolsonaro tem interesse em aumentar exportações para os EUA e atrair investimentos.Na manhã de ontem, Trump elogiou o brasileiro no Twitter: “Concordamos que Brasil e os EUA trabalharão em estreita colaboração comercial.”

Benjamin Netanyahu, premier de Israel

Cerca de 80% da água potável consumida em Israel vêm do mar. Bolsonaro tem interesse em trazer para o Nordeste essa tecnologia. O Brasil também pode aumentar suas exportações de produtos agrícolas para aquele país.

Sebastián Piñera, presidente do Chile

O Chile está se abrindo para o Pacífico e uma aliança com o Brasil pode facilitar as exportações brasileiras para a região. Outro ponto de interesse são as reformas que estão sendo feitas naquele país, como a da Previdência.

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Propostas polêmics devem ser questionadas no STF

Bruno Góes

Daniel Gullino

30/10/2018

 

 

Para especialistas, três projetos do presidente eleito na área de segurança pública poderão ser considerados inconstitucionais

O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), deve ter problemas na Justiça caso consiga aprovar no Congresso algumas das suas principais promessas.

O GLOBO selecionou sete propostas, expostas em seu plano de governo ou em entrevistas, e pediu a opinião de quatro especialistas em Direito Constitucional sobre elas. Eles consideram que a chance é alta de três delas serem questionadas no Supremo Tribunal Federal( STF ). Sobre as outras quatro, há uma divisão: alguns as consideram inconstitucionais, outros defendem que cabe ao Congresso, e não ao STF, decidir.

Uma das principais propostas de Bolsonaro é a ampliação do chamado“excludente de ilicitude” para policiais militares que matarem alguém durante confrontos: o candidato quer que seja aplicado automaticamente o princípio da legítima defesa.

A subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, coordenadora da Câmara Criminal, disse que a medida será questionada se for aprovada. Os quatro especialistas ouvidos consideram o projeto inconstitucional.

— O excludente de ilicitude existe no Código Penal, como legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal. Isso já é contemplado. É difícil compreender uma proposta que vá além disso. Se a proposta forde não haver nenhuma investigação do excludente, se for para evitar que Ministério Público e outros órgãos possam aferir e verificar o caso concreto, aí há sim inconstitucionalidade— opina Gustavo Binenbojm, professor da UERJ.

Outras propostas com chances altas de serem questionadas são os planos de acabar coma progressão de penas de condenados — tema que já foi discutido pelo STF — e de não fazer nenhuma demarcação de terra indígena — determinação estabelecida expressamente pela Constituição.

Alguns pontos dividiram os especialistas. É oca soda redução da maioridade penal: alguns consideram que isso infringiria uma cláusula pétrea —ou seja, que não pode ser alterada — da Constituição, mas isso não é um consenso.

— Fere uma cláusula pétrea, sim, da proteção da criança e do adolescente, que é um direito fundamental. Mas é uma questão delicada, não é uma inconstitucionalidade tão chapada — afirma Daniel Sarmento, também da UERJ.

Também há dúvidas em relação à ideia de tipificar como terrorismo as invasões de propriedades rurais e urbanas, já que poderia levara uma punição desproporcional.

— Pode ser considerado inconstitucional, porque a Constituição tratada proporcionalidade dos atos delitivos. As invasões causam um tipo de transtorno que pode não ter a ver com terrorismo. O legisla dornão pode usara legislação sem levarem conta a noção de simetria — ressalta Oscar Vilhena, professor da FGV Direito São Paulo.

—A conceituação do que é terrorismo é complicada, mesmo no direito internacional. Querer dar uma amplitude que não existe em lugar nenhum ao ato terrorista é punir de maneira indiscriminada — diz Mamede Said, da UnB.

Algumas proposições de Bolsonaro

> Excludente de ilicitude para policiais militares

Bolsonaro quer que, toda vez que um policial militar mate alguém em combate, seja aplicado automaticamente o princípio da legítima defesa, sem a investigação da ocorrência

> Estatuto do Desarmamento

Em seu plano de governo, Bolsonaro defende a reformulação do Estatuto do Desarmamento, mas não entra em detalhes. Em entrevistas, defendeu a flexibilização das regras de posse e porte das armas

> Maioridade penal

Bolsonaro defende reduzir a maioridade penal para 16 anos. Durante a campanha, ele admitiu reduzir inicialmente para 17 anos

> Progressão de penas e saídas temporárias

Em seu plano de governo, Bolsonaro defende que é preciso “prender e deixar preso”

> Tipificar como terrorismo as invasões de propriedades rurais e urbanas

Bolsonaro defendeu essa tipificação no seu plano de governo e em diversas entrevistas

> Demarcação de terras indígenas

Bolsonaro afirmou que, se eleito, “não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou pra quilombola”