Título: Uma luz no horizonte para Portugal
Autor: Favilla, Clara
Fonte: Correio Braziliense, 10/06/2012, Economia, p. 12

Entre as nações europeias em crise, o país é o primeiro a dar sinais de que pode superar mais rapidamente os estragos na economia Lisboa, Porto e Aveiro — O quadro é de desolação — ainda que uma ponta de esperança comece a se desenhar no horizonte de Portugal. Depois de um longo período no atoleiro, tornou-se motivo de comemoração país afora a queda de 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) nos primeiros três meses deste ano. Apesar de negativo, o número foi melhor do que previam os especialistas. Satisfação à parte, os portugueses têm a exata noção de que ainda terão tempos difíceis pela frente. O choque de realidade é visível onde quer que se olhe. Mesmo entre os mais velhos, que cortaram um dobrado no período de austeridade da ditadura salazarista e enfrentaram o isolamento econômico e social em relação ao restante da Europa, poucos imaginavam que a vida pudesse voltar a ser tão dura depois da bonança trazida pela democracia.

Portugal de hoje convive com desemprego elevadíssimo — a taxa deve fechar este ano em 15,5% da População Economicamente Ativa (PEA) —, greves constantes, combatidas com violência pela polícia, e empresas fechando num piscar de olhos. Parte da riqueza construída após a integração à União Europeia está se esvaindo. A entrada no bloco econômico, por sinal, deu ao país reconhecimento, status entre as nações locais. Portugal deixou de exportar mão de obra barata, mas, sim, executivos e pessoal especializado de empresas investidoras em países emergentes como o Brasil. Também passou a ser candidato sempre bem aceito a recursos baratos e, em alguns casos, nãos retornáveis, de fundos europeus. Dinheiro que recuperou edifícios monumentais e ajudou a construir outros tantos.

Diversificação

Em 1998, antes da entrada plena na Zona do Euro (2000), Portugal já vivia um boom de investimentos. Lisboa, a capital, sediou a Exposição Mundial e uma outra cidade foi criada ao lado da antiga. Os restaurantes tradicionais da parte baixa continuam os mesmos. Mas os novos alargaram-se e diversificaram os cardápios. Os portugueses, outrora tão apegados às suas sardinhas e ao bacalhau, passaram a valorizar as cozinhas italiana e japonesa. Começaram a viajar mais. Jovens, quarentões e cinquentões adotaram roupas e cortes de cabelos que não os diferenciam do resto do mundo. Aquelas senhoras de saias abaixo do joelho, blusas abotoadas até o pescoço e blazer compridos só são vistas nas missas dominicais. Portugal do passado, em se tratando de pessoas, não de museus, monumentos e casarios, só existe para turista ver, como as mulheres de sete saias ainda encontradas em Nazaré.

A maioria dos portugueses, durante as quatro décadas da ditadura salazarista, nem sequer sonhava com casa própria. Eles poupavam tudo o que podiam. Com a democracia, vieram governos que incentivaram o consumo da população. Mas a fatura de hoje é um país em frangalhos, em recessão, com as famílias superendividadas, um setor público com a corda no pescoço e um cabresto conduzido com rigor pelos credores, a troika, formada pela Comissão Europeia, pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que evitou o pior.

Impostos são alvo de críticas

A gritaria contra o governo, que aumentou os tributos de forma significativa, é grande. Especialmente contra o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) incidente sobre o consumo em restaurantes e sobre vários itens de supermercado, como bebidas, que passou de 12% para 23%. A sanha arrecadatória pune principalmente a classe média. Nem os visitantes que trazem renda para a economia escapam. É certo que muitos dos restaurantes, para não afugentarem os clientes, absorveram parte desses custos. Mas quem os conhece bem sabe que isso refletiu na qualidade e na quantidade do que é apresentado nos pratos. Além disso, foram instituídos pedágios nas autoestradas — um custo de, por exemplo, 60 euros na ida e volta entre Aveiro e Salamanca, na Espanha, o equivalente a uma diária de hotel.