O globo, n. 31130, 30/10/2018. Economia, p. 21

 

Desafio fiscal

Gabriela Valente

30/10/2018

 

 

 

 

 

 Recorte capturado

 

 

Déficit cai, mas trajetória da dívida preocupa

Um controle mais rigoroso de gastos e um aumento na arrecadação ajudaram a reduzir o rombo das contas do governo em 2018. Num período de 12 meses fechados em setembro, o saldo negativo do setor público ficou em R$ 87,8 bilhões, bem abaixo do resultado esperado para o ano, de R$ 163 bilhões. De janeiro a setembro, as finanças estão no vermelho em R$ 59,3 bilhões, uma queda de 28% em relação ao mesmo período de 2017. Isso, no entanto, não diminui o desafio da equipe econômica do presidente eleito Jair Bolsonaro, pois o endividamento continua em trajetória de alta. Segundo dadosdo Banco Central, a dívida bruta, principal indicador de solvência observado pelos investidores, está em 77,2% do Produto Interno Bruto (PIB), ou R$ 5,246 trilhões.

Zerar o rombo das contas públicas foi um dos compromissos assumidos por Bolsonaro durante a campanha. Ele ressaltou a importância de o país voltara registrar superávits já em seu primeiro pronunciamento depois da apuração das urnas no domingo. “O déficit público primário precisa ser eliminado o mais rápido possível e convertido em superávit”, disse o presidente eleito.

O desafio foi ressaltado ontem por duas grandes agências de classificação de risco — Moody’s e Fitch —e por especialistas ouvidos pelo GLOBO. Todos recomendam que Bolsonaro use o capital político conseguido nas urnas para tocar as reformas necessárias para equilibrar as contas e interromper o crescimento da dívida.

Reformas são prioridade

Em comunicado, a Fitch Ratings afirmou que Bolsonaro tem de aproveitar o desempenho nas eleições para combater os profundos desafios estruturais do Brasil. E que o presidente eleito deve trabalhar para a construção de uma maioria legislativa com os partidos de centro para tocar as reformas. “A efetividade com que a nova administração conseguirá usar o período de lua de mel para priorizar e aprovar sua agenda econômica continua incerta”, destacou a agência.

A Moody’s foi na mesma linha. Afirmou que a eleição de Bolson ar ovai melhorara confiança do investidor e reduzira volatilidade cambial. No entanto, ressaltou que um Congresso fragmentado ainda traz riscos às reforma seque os detalhes da política econômica do novo governo não foram esclarecidos. Segundo a agência, as reformas são relevantes “poisa principal fraqueza do país está na área fiscal”.

— A gente precisa que passe para superávit para atingir o objetivo de estabilização da dívida e, posteriormente, reduzi-la —afirmou ontem o chefe do departamento econômico do Banco Central, Fernando Rocha, ao divulgar o resultado fiscal de setembro.

O economista Alberto Ramos, do Goldman Sachs, prevê que a dívida deve ultrapassar o patamar inquietante de 80% antes de se estabilizar:

— Tratar da dinâmica da insustentável dívida pública será, provavelmente, o desafio macroeconômico chave enfrentado pelo presidente eleito Bolsonaro.

Em 12 meses, as despesas do país com o pagamento de juros somaram R$ 401 bilhões, ou 5,90% do PIB. Com isso, o déficit nominal do setor público atingiu R$ 488,8 bilhões, ou 7,20% do PIB.

Indicado para ser o superministro que comandará a área econômica do governo Bolsonaro, o economista Paulo Guedes diz que é possível zerar o rombo das contas em apenas um ano. Durante a campanha, falou em vender empresas públicas e imóveis para levantar dinheiro. A ideia soou como música nos ouvidos dos economistas que sabem que o desequilíbrio fiscal é o maior entrave para a consolidação do crescimento do país.

Apesar da indicação, os especialistas ainda não conseguem enxergar como isso seria feito e, principalmente, se seria sustentável para os próximos anos.

—Zerar o déficit não é impossível, mas é bem difícil — diz o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Octávio Leal, que ressalta que o governo eleito não pode perder tempo.

Leal sugere que a nova equipe negocie com o atual governo para que seja votada a reforma da Previdência ainda neste ano. As mudanças nas regras da aposentadoria são consideradas cruciais para o equilíbrio das contas. O economista argumenta que o projeto que foi apresentado pelo governo Temer(já aprovado em comissão especial) poderia ser votado nos plenários da Câmara e do Senado rapidamente. Coma estratégia, o país ganharia um ano e poderia reduzira dívida antes do esperado.

Para a Instituição Fiscal Independente (IFI), o Brasil não conseguirá equilibrar as contas antes de 2023. A entidade projeta que o endividamento público ultrapassará a casados 84% do PIB até lá. Isso impedirá que os juros caiam, que os investimentos retornem eque o país cresça. Os cálculos, entretanto, não levam em consideração as medidas estudadas por Paulo Guedes.

— O governo pode tomar medidas emergenciais, mas resta saber se é sustentável. Pode ajudar em um ano ou dois, e depois faz o quê? — questiona o diretor executivo da IFI, Felipe Salto.

De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a dívida bruta de países emergentes que estão no mesmo estágio de desenvolvimento do Brasil está num patamar de 50% do PIB.

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Governo gasta quase R$ 15 bi em subsídios a estatais

Martha Beck

30/10/2018

 

 

Já lucro repartido com o Tesouro ficou em R$ 5,5 bi. Enquanto subvenção vem crescendo, pagamento de dividendos está caindo

Embora tenham conseguido melhorar seus resultados e pagar mais dividendos à União em 2017, as empresas estatais continuaram consumindo recursos públicos num patamar bem maior do que o ganho obtido pelo governo. De acordo com o Boletim das Participações Societárias da União de 2017, divulgado ontem pelo Ministério da Fazenda, as estatais pagaram o equivalente a R$ 5,498 bilhões em dividendos no ano passado. No entanto, o valor gasto pela União com subvenções (repasses para o pagamento de despesas com pessoal, custeio ou investimentos) de empresas dependentes do Tesouro Nacional atingiu R$ 14,840 bilhões.

O documento mostra que os desembolsos com subvenções estão em trajetória crescente, pelo menos, desde 2012. Naquele ano, essa despesa foi de R$ 6,531 bilhões. Ela subiu para R$9,856 bilhões em 2014 e para R$ 13,348 bilhões em 2016. Em seis anos, o crescimento foi de 127%.

Já o pagamento de dividendos veio na trajetória oposta. Em 2012, a União recebeu R$ 27,775 bilhões das estatais. No entanto, coma deterioração do cenário econômico, o número foi encolhendo e chegou a R$2,835 bilhões em 2016. No ano passado, o quadro voltou a melhorar. Em 2018, a expectativa é que o número alcance R $7,1 bilhões. Mesmo assim, a avaliação do boletim é que é preciso reduzir o grau de dependência das estatais do Tesouro para que os recursos públicos sejam aplicados de forma mais eficiente:

“A situação fiscal do poder público também exige a redução do grau de dependência de diversas estatais que hoje sobrevivem praticamente de subvenções para custeio. É necessário também que os benefícios sociais sejam melhor quantificados e explicitados para possível avaliação da melhor forma de intervenção do setor público”, diz o texto.

A avaliação vai na linha do que defendem economistas ligados ao presidente da República eleito, Jair Bolsonaro (PSL). No plano de governo apresentado pelo PSL ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Bolsonaro propôs privatizar ou extinguir estatais como uma das formas de dar maior eficiência ao Estado e obter receitas para reduzir o estoque da dívida pública. O programa destaca, no entanto, que algumas empresas precisam ser mantidas por terem “caráter estratégico”.

Em 2017, a estatal que mais recebeu subvenções foi a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), R$ 3,640 bilhões; seguida pela Embrapa, R$ 3,323 bilhões; e pelo Hospital das Clínicas de Porto Alegre (HCPA), R$ 1,293 bilhão.