O globo, n. 31127, 27/10/2018. Economia, p. 28

 

Na BRF, Parente repete receita de gestão adotada na Petrobras

Renato Andrade

João Sorima Neto

27/10/2018

 

 

Considerado um gestor de crise, executivo tem investido na combinação de venda de ativos e corte de custo para recuperar a companhia após Operação Trapaça

O cenário mudou, mas o modelo de gestão, não. Pedro Parente trocou os campos de petróleo da Petrobras pelas fábricas da BRF, na qual acumula a presidência da companhia e a do Conselho de Administração, e aposta na mesma receita de gestão baseada na venda de ativos e administração rigorosa de custos para recuperar a credibilidade da dona das marcas Sadia e Perdigão.

A empresa, maior processadora de carne de frango do mundo, passou recentemente por más notícias. Neste mês, a Polícia Federal indiciou ex-executivos da BRF por organização criminosa, falsidade ideológica e estelionato no âmbito da Operação Trapaça, que investiga supostas fraudes em resultados de exames de amostras da produção na gestão anterior da companhia e como o antigo comando da companhia agiu diante das irregularidades. Na última quinta-feira, o Ministério da Agricultura fez uma ação de fiscalização em seis fábricas da BRF e abriu investigação com base na Lei Anticorrupção.

Meta de levantar R$ 5 bi

A atual administração da BRF iniciou um diálogo com o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União (CGU) para fechar um acordo de leniência, e colocar um ponto final nas investigações. A tentativa de acordo com as autoridades é mais um exemplo de como os caminhos de recuperação de Petrobras e BRF se aproximam. —Ele é um gestor de crises. E não foi só na Petrobras.

Teve também a questão do apagão, no governo Fernando Henrique Cardoso —lembra Gabriel Fonseca Francisco, analista de petróleo e elétricas da XP Investimentos.

Um acordo de leniência tem como objetivo fortalecer a governança da companhia. A empresa admite os erros cometidos no passado e abre caminho para uma melhor avaliação da nova gestão. —O acordo de leniência dá a ele poder para mexer nas “caixas pretas” do poder que são relevantes. Se houve envolvimento do alto escalão, ele poderá fazer ajustes —explicou Luiz Marcatti, sócio da Mesa Corporate, consultoria especializada em governança corporativa. Na estratégia para melhorar as contas, mais um traço em comum: nas duas empresas, o executivo buscou se desfazer de ativos que não são relacionados ao negócio principal da companhia. A meta na BRF é levantar R$ 5 bilhões, dos quais R$ 4 bilhões viriam da venda de unidades em Argentina, Europa e Tailândia e mais R$ 1 bilhão seria resultado de mudanças na gestão de estoques e outras ações.

Para Maurício Pedrosa, estrategista da Áfira Investimentos, a venda de ativos é parte da receita clássica de gestão de empresas com alto nível de endividamento. —Deixa a empresa mais enxuta, mais produtiva, mais rentável. Será preciso acompanhar os próximos passos para saber como ele vai administrar o portfólio de produtos —disse, ressaltando que a magnitude dos problemas da BRF é relativamente menor do que os encontrados na Petrobras pós-Lava-Jato.

Questão de preço

Na gestão de Parente na estatal, o número de funcionários diretos recuou de 78,4 mil, em 2015, para 62,7 mil, no fim de 2017, entre cortes e programa de demissão voluntária (PDV). Os terceirizados, por sua vez, passaram de 132 mil para cem mil. Parente vendeu ativos no valor de US$ 17 bilhões.

Preço é outro fator-chave nesta estratégia. Na BRF, os produtos foram reajustados no segundo trimestre, e, com a alta do dólar, a empresa passou a ganhar mais com exportações. O objetivo é claro: recuperar as margens da companhia. Na Petrobras, a definição de uma política de preços que repassava ao consumidor as oscilações no dólar e no petróleo no mercado internacional foi justificativa para a greve dos caminhoneiros em maio. Diante dos questionamentos ao modelo e do risco de ingerência política, o executivo acabou deixando a estatal. Segundo analistas, Parente tem agora o desafio de resolver três problemas de uma só vez na BRF: credibilidade, estrutura de capital e gestão, mas nenhum deles tem solução da noite para o dia. Procurada, a BRF preferiu não comentar o assunto.