O globo, n. 31129, 29/10/2018. País, p. 10

 

Haddad: ‘Sou representante de 47 milhões de brasileiros’

Thiago Herdy

Sérgio Roxo

29/10/2018

 

 

Petista não liga para Bolsonaro após votação, promete ‘não fugir da luta’ e pede para apoiadores ‘não terem medo’

No primeiro discurso depois do anúncio oficial da derrota para Jair Bolsonaro, o candidato Fernando Haddad (PT) prometeu fazer oposição ao novo governo considerando “os interesses nacionais e do povo brasileiro”, dedicando-se à defesa do exercício da cidadania, da reconexão com as bases de seu partido e “com os mais pobres”.

O petista disse se considerar representante “do pensamento e das liberdades” dos 47 milhões de brasileiros que votaram nele, “que divergem da maioria e tem um outro projeto de Brasil na cabeça”.

— Lembrando o nosso hino nacional, verás que um professor não foge à luta, nem teme quem adora a liberdade à própria morte. Nosso compromisso é um compromisso de vida com este país —disse o petista.

O petista relatou ter sentido durante a campanha “angústia e medo” na expressão de muitos apoiadores, “que chegavam a soluçar, de tanto chorar”. Segundo ele, um sentimento decorrente, em boa parte, do discurso de Bolsonaro.

—Não tenham medo. Nós estaremos aqui. Nós estamos juntos. Nós estaremos de mãos dadas com vocês. Nós abraçaremos a causa de vocês. Contem conosco. Coragem, a vida é feita de coragem — discursou, ao fim da apuração dos votos, ao lado da mulher, dos filhos, da vice Manuela D’Ávilla e de aliados.

Ontem, Haddad decidiu não realizar a tradicional ligação para parabenizar o adversário. No discurso, disse que este é o momento de defender a Nação “daqueles que de forma desrespeitosa pretendem usurpar o nosso patrimônio”:

— Entendemos a democracia não apenas do ponto de vista formal, embora isso seja muito importante de lembrar no Brasil de hoje. São os direitos civis, políticos, trabalhistas e sociais que estão em jogo nesse momento —afirmou o candidato, considerando se tratar de momento de “manter a democracia, não aceitar provocações e não aceitar ameaças”.

O petista agradeceu aos militantes que apoiaram a candidatura e que, segundo ele, trabalharam “de cabeça erguida, determinação e coragem” para tentar reverter o quadro eleitoral.

Rincões e Periferia

Haddad citou que muitos não pertenciam a partido político e ainda assim levaram a mensagem da campanha na reta final aos “rincões, às periferias e às cidades”. Petistas atribuem a esse engajamento o fato de Haddad ter diminuído pela metade a vantagem de Bolsonaro projetada pelas pesquisas de intenção de voto.

Haddad lembrou que daqui a quatro anos haverá uma nova eleição e disse ser o momento de “não deixar de exercera cidadania ”.

—Talvez o Brasil nunca tenha precisa domais do exercício da cidadania que agora. Eu coloco a minha vida à disposição deste país. Tenho certeza que falo por milhões de pessoas, que colocam o país acima da própria vida, acima do próprio bem-estar —disse.

“Lembrando o nosso hino nacional, verás que um professor não foge à luta, nem teme quem adora a liberdade à própria morte”

Fernando Haddad, candidato derrotado no segundo turno da eleição presidencial

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Derrotado, ex-prefeito se firma como liderança no PT de Lula

Sérgio Roxo

29/10/2018

 

 

Para dirigentes, sigla terá, pela primeira vez, nome à altura do ex-presidente

A disputa eleitoral fez nascer uma nova liderança política nacional, na avaliação de dirigentes petistas, apesar da derrota do partido para Jair Bolsonaro (PSL). Para integrantes da sigla, ao alcançar 47 milhões de votos, Fernando Haddad se reconectou com a militância do PT, dois anos depois de sofrer uma derrota acachapante em sua tentativa de se reeleger prefeito de São Paulo.

Dirigentes petistas viajam hoje a Curitiba (PR) para visitar o ex-presidente Lula e discutir o futuro da legenda. Amanhã, a executiva do partido se reúne em São Paulo com duas pautas em vista: como combater o antipetismo e detalhes sobre o papel de Haddad na oposição ao governo Bolsonaro.

A avaliação de caciques é que, pela primeira vez em seus 38 anos de história, o PT terá um líder à altura do ex-presidente Lula. Apesar de ter sido eleita duas vezes presidente da República, Dilma Rousseff nunca exerceu esse papel.

De acordo com um deputado federal, no entanto, a sigla ainda assim deixará claro que a maior liderança petista é o ex-presidente. Esse parlamentar defende, inclusive, que o partido inicie desde já campanha internacional para pressionar as autoridades brasileiras a libertarem Lula, condenado na Operação Lava-Jato.

Tanto pessoas do círculo mais próximo de Haddad como dirigentes petistas não conseguem imaginar que ele venha a assumir o comando do partido. O mandato da atual presidente, Gleisi Hoffmann, termina em junho do próximo ano. Um dos caminhos para manter Haddad em evidência, mesmo sem um cargo, seria retomar caravanas pelo país como Lula fez antes de ser preso.

Haddad confidenciou a aliados que aposta em um fracasso rápido do governo Bolsonaro. Entende que isso elevaria a sua popularidade por ter conseguido, durante a campanha, confrontar o presidente eleito, sobretudo na reta final da disputa eleitoral.

A força política do PT a partir de 2019 estará reforçada principalmente nos nove estados da região Nordeste, onde Haddad obteve entre 63% e 76% dos votos. O partido ou aliados venceram todas as disputas para governador da região, com destaque para Rui Costa (BA), Wellington Dias (PI), Camilo Santana (CE) e Fátima Bezerra (RN).

Dos 56 deputados federais do partido, 21 são de estados no Nordeste. Dos seis senadores representantes do partido em Brasília, quatro vêm da região.

Na Câmara federal, o papel de destaque na bancada deve caber a presidente do partido, Gleisi Hoffmann, eleita pelo Paraná, e ao expresidente Rui Falcão, eleito por São Paulo. No Senado, o papel de maior destaque deve ser de Jaques Wagner, eleito pela Bahia. 

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Presidente começa com duas faces

Míriam Leitão

29/10/2018

 

 

O presidente Jair Bolsonaro teve uma vitória convincente, que permite a ele levar com sucesso a sua agenda ao Congresso e ao país. Mas na festa de ontem houve alguns problemas. Primeiro, o presidente eleito mostrou duas faces nos pronunciamentos iniciais. Primeiro, falou de improviso, usando palavras de divisão com ataques à imprensa e aos “comunistas”. No segundo discurso, escrito, falou seguidamente em liberdade, democracia, Estado de Direito. Só em uma terceira fala é que ele foi mais explícito ao falar de conciliação e se referira todos os brasileiros. Esse era um gesto importante aos 47 milhões que não votaram nele eques e assustaram com o tom da sua campanha contra as minorias. Por outro lado, o candidato derrotado, Fernando Haddad, falou apenas para os que votaram nele, um discurso ainda de combate, e não de respeito aos 57 milhões de eleitores que preferiram Jair Bolsonaro.

Esta foi uma eleição tão intensa que demoraremos a processar todos os aspectos. Ela tirou inúmeras peças do lugar. Revogou as velhas clivagens e deu força e corpo à direita. Provocará um realinhamento partidário. Convocou os cidadãos a reencontrar as questões esquecidas. Mas pela própria dinâmica da campanha, ela acabou fortalecendo a democracia. As instituições se pronunciaram, como ontem o presidente do STF, Dias Toffoli, e o compromisso com a democracia continuará sendo cobrado do vencedor.

A movimentação dos eleitores nos últimos dias, melhorando a votação do candidato derrotado, foi fundamental para reforçar os limites constitucionais no qual o presidente eleito governará. Ele, em termos de diferença para o segundo colocado, só ganha da Dilma no segundo mandato. Bolsonaro não recebeu uma donataria, mas sim a chefia do executivo de uma República, por um tempo e com regras estabelecidas há 30 anos na Constituição.

O novo presidente precisará urgentemente tratar de economia, sem os clichês com que o tema foi tratado até agora. Ontem no discurso ele fez boas promessas, de ataque ao ajuste fiscal e de reversão da trajetória da dívida. O Brasil, é bom que a política não esqueça, está enfrentando a sua pior crise da era do real. O ajuste terá que ser de R$ 300 bilhões para que o país saia do vermelho.