O globo, n. 31125, 25/10/2018. País, p. 7

 

Em tom distinto do PT, Haddad diz concordar com crítica de rapper

Sérgio Roxo

Dimitrius Dantas

25/10/2018

 

 

Mano Brown afirmou que partido pode ter parado de falar ‘a língua do povo’; presidenciável viu ‘toda a razão’ em crítica, em dissonância com carta de Lula

A quatro dias da eleição, o candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad, ensaiou uma crítica ao partido pela falta de conexão com o “pessoal da periferia”. Indagado sobre declarações feitas na véspera pelo rapper Mano Brown durante comício no Rio de Janeiro, quando este disse que o PT estava falando apenas para sua própria torcida, Haddad deu razão ao artista, ontem, durante sabatina do G1 e da CBN e em ato realizado à noite em São Paulo.

— O Mano Brown tem toda a razão. Nós temos que abrir o coração para conversar com o pessoal da periferia. A periferia das grandes cidades não votou conosco no primeiro turno. Nós temos que reconectar com esse povo (...). Nós vamos voltar para a base para governar o país com a base, como sempre fizemos.

Ontem, o ex-presidente Lula , preso em Curitiba, divulgou uma carta que explicitou divergências com o tom usado por Haddad. O documento não reconhece erros cometidos pelo partido e atribui ao antipetismo a contrariedade com realizações de suas gestões.

“Tenho consciência de que fizemos o melhor para o Brasil e para o nosso povo, mas sei que isso contrariou interesses poderosos dentro e fora do país. Por isso tentam destruir nossa imagem, reescrever a história, apagar a memória do povo. Mas não vão conseguir”, afirmou Lula, que citou, como exemplo, o impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016. Na carta, Lula também fez ataques à imprensa e ao Judiciário.

Em um discurso de cerca de cinco minutos anteontem à noite, Mano Brown surpreendeu os petistas:

— Se em algum momento a comunicação do pessoal aqui (do PT) falhou, vai pagar o preço porque a comunicação é alma. Se não está conseguindo falar a língua do povo, vai perder mesmo. Falar bem do PT para a torcida do PT é fácil, tem uma multidão que não está aqui que precisa ser conquistada ou a gente vai cair num precipício —disse o rapper.

Da cadeia, onde está preso após condenação na LavaJato, Lula pediu a união de democratas a Haddad contra o que chamou de uma “aventura fascista”, mas Haddad tentou construir, no segundo turno, uma frente ampla contra seu adversário, Jair Bolsonaro (PSL). Só conseguiu, no entanto, “apoios críticos”do PDT, de Marina Silva (Rede) e de figuras isoladas de outros partidos. Aliados atribuem o fracasso da união em torno de Haddad justamente à falta de um meaculpa mais claro do PT sobre os próprios erros.

Na sabatina de ontem, Haddad disse que atendeu a pleitos de aliados na tentativa de angariar apoios, e citou o recuo na proposta de realizar uma Assembleia Constituinte:

— Foi retirada a pedido dos novos parceiros que nós temos no segundo turno, PSB, por exemplo, e PSOL, fizeram sugestões de alterações. E é assim que se faz política. Quando você amplia. O PCdoB se aliou a nós logo no primeiro tuno, fez sugestões de mudança. O PSB e o PSOL fizeram sugestões de mudanças de redação e nós próprios, vendo a malícia do adversário e a covardia de não enfrentar o debate, fizemos alterações. Mas a espinha dorsal é rigorosamente a mesma

"Serpente fascista"

Em artigo publicado no jornal “Folha de S. Paulo”, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, atacou fortemente o adversário na corrida presidencial. Ela chamou Bolsonaro de “serpente fascista” e atribuiu a ele o que chamou de “reinado do ódio". Gleisi fez uma breve autocrítica em relação a episódios envolvendo o partido. “Erros cometemos em nossa longa trajetória, mas em nenhum momento nos afastamos desses princípios ou desrespeitamos qualquer norma de pacto constitucional”.