O globo, n. 31125, 25/10/2018. País, p. 8

 

'Sempre prezei pela discrição. Me senti usado'

Erick Witzel

Vera Araújo

25/10/2018

 

 

Jovem transexual de 24 anos afirma ter pedido ao pai para não aparecer na campanha e que foi desrespeitado; ex-juiz diz ter avisado que jamais o esconderia

A poucos dias das eleições, Erick Witzel , de 24 anos, filho do candidato Wilson Witzel (PSC), líder nas pesquisas para o governo do Rio, resolveu quebrar o silêncio. Desde que publicou um desabafo em seu Instagram, após o resultado do 1º turno, o jovem está de licença do restaurante de um hotel cinco estrelas da Zona Sul, onde trabalha como cozinheiro. Em seu stories na rede social, pouco depois de a apuração mostrar seu pai como primeiro colocado no primeiro turno, com mais de 40% dos votos, ele disse que era “um dia triste para a história do nosso estado e do nosso país”.

Erick, que chama o pai de Wilson, com som de “v”, diz que o candidato desrespeitou a sua privacidade ao mencioná-lo em reportagens como seu filho trans, algo que, segundo ele, havia pedido que não acontecesse. “Eu me senti usado nas entrevistas que ele deu”, afirma o jovem. À CBN em 12 de setembro, por exemplo, o exjuiz citou o filho, sem ser questionado: “Para mim, esse negócio de ideologia de gênero tem que ser resolvido em casa. Escola é para ensinar matérias propedêuticas, de formação profissional. Eu tenho um filho trans, e a gente discutiu em casa. Meus três filhos hoje chamam o meu filho de Erick — ele era Erika —, ea gente convive muito bem com isso”.

Cinco dias depois, o jovem enviou uma mensagem ao pai, pedindo que parasse de citá-lo em entrevistas. O exjuiz respondeu: “Ciente”. Os dois não se falaram mais desde então, e o candidato ao governo do Rio não voltou a mencionar o filho.

Procurado pelo GLOBO, Witzel afirmou que suas declarações não têm o intuito de fazer política , que “tem a maior admiração pelo que o filho é” e por sua determinação e que avisou a ele, ainda antes do início da campanha, que jamais o esconderia:

— Quando estive pessoalmente com o Erick em fevereiro, anunciei a ele a intenção de me candidatar. Naquele encontro, no bar Amarelinho, na Cinelândia, ele pediu que eu dissesse que tinha três filhos, o que rechacei imediatamente, dizendo que tenho quatro filhos, que os amo igualmente e que tenho orgulho do que cada um estava se tornando. Desde então, nós nos falamos e sempre reiterei que jamais o esconderia.

Por que você só decidiu dar entrevista agora, a poucos dias do pleito?

Eu sempre prezei muito pela discrição. Pedi ao Wilson para não me citar na campanha dele, mas ele quebrou isso. Não vou mais aceitar este tipo de exploração de pessoas como eu. Principalmente ele, para se promover de uma coisa que não é verdade. Muita gente veio me dizer: “que bom você ter um pai que é muito bacana com você”. Tenho muito respeito por ele, mas não existe todo esse carinho que ele diz ter por mim. É sujo você usar alguém. Eu me senti usado por ele nas entrevistas que ele deu.

Você está ressentido com isso?

Sim. Recebi algumas mensagens de pessoas que disseram que eu iria“estragara campanha dele” o ufa landoque“vão fazer da sua vida um inferno”. Felizmente, 90% me deram força. Quando você fala numa pessoa trans, você está falando de uma população queé muito marginalizada, muito hostilizada. Existem duas variações de trans. Há aquelas que militam, que são as vozes para brigar por direitos, e aquelas que ainda não chegaram a esse patamar por serem mais reservadas. São as que não têm coragem. Eu, erradamente, sou essa pessoa. Sempre tive receio por causa da violência. Tenho medo de que algo me aconteça. A população trans é aquela que mor remuito cedo e morre muito feio. Agora não vou ficar mais quieto.

A exposição prejudicou sua vida pessoal?

As pessoas não sabiam que eu era trans. Estou preocupado com isso. Eu implorei ao Wilson para não me usar de palanque. Eu pedi: “Por favor, me respeita”. Ele não me respeitou. Não adianta ter um filho trans, porque isso não faz de você uma pessoa que não seja preconceituosa. Não adianta você ter um filho assim, se você não é coerente.

Agora você está cobrando por entender qu e ele não o respeitou?

Sim. Nenhum candidato me colocou na mídia. Ele me expôs. Eu pedi muito para ele não fazer isso. Eu estava em pânico. Ele chegou a me pedir que saísse na foto de família feita pelo partido. Eu disse: “não me meta nisso”. É horrível para mim, quando ele me apresenta: “tenho quatro filhos, este é o Erick, o trans". É como se fosse um sobrenome.

Você chegou a falar isso com o candidato Wilson Witzel?

Sim, no dia 17 de setembro, eu liguei para o Wilson e disse de novo que não autorizava a divulgação do meu nome, nem menção sobre mim, na imprensa ou em redes sociais. Mandei também por WhatsApp, para ficar registrado. Pedi para ele preservar a minha privacidade e ele me respondeu: “Ciente”. Desde então, nunca mais ele falou comigo.

Por que você só chama o seu pai de Wilson?

Tem muita coisa absurda sobre mim que não tem nada a ver. Ele é meu pai, lógico. Chamo ele de pai, às vezes. Eu vivi com ele até os 10 anos. A gente era muito apegado na infância. Enquanto o Wilson viveu comigo, ele era um ótimo pai. Ele me levava para jogar tênis. Foi um ótimo pai até então. O problema foi depois da separação (2004). A partir daí, ele foi muito ausente. Ele mudou muito, mas muito mesmo. Ele se afastou muito. Ele não mostrava mais interesse. Eu era criança. Senti falta. Muita falta. Chorei, chorei, chorei.

Há informações circulando nas redes sociais de que ele batia em você. Isso é verdade?

Ele nunca bateu em mim, nem quando eu era criança.

Como foi que você se assumiu como pessoa trans?

Eu entendo que isso não é uma coisa fácil. As pessoas poderiam pensar: “É tranquilo, se aceita”. É complicado. Na época dos meus pais, lá atrás, isso era difícil. Tenho que entender isso, mas eu comecei nessa caminhada como pessoa trans com meus 18 anos. Já não morava com o Wilson há muito tempo. Eu resolvi sair da casa da minha mãe com 19, e ele nunca mais foi me visitar. Quando você é jovem, às vezes, não sabe das coisas direito. Você não sabe nem a carreira que vai escolher, quanto mais descobrir se é trans. Fiquei muito perdido. Tive um apoio familiar, pelo lado da minha mãe. Só isso. Saber como fazer um tratamento hormonal, uma cirurgia. Enfim, você vai se descobrindo no mundo como pessoa. Quem você é.

Como Witzel reagiu?

Então, sinceramente, a gente nunca conversou sobre isso (a transição). Há três anos, eu fui poucas vezes na casa dele. Num ano, umas três vezes. Era sempre eu indo na casa dele. Nunca o contrário. Nunca teve uma conversa franca, solta. Acho que ele procurou entender da maneira dele, mas eu também não falei abertamente. A gente fica com medo quando está nessa situação. Desde que ele entendeu o que estava acontecendo, sem perguntar diretamente, ficou aquela coisa indefinida. Ele perguntava: “Você vai mudar o seu nome?” ou “Como é que eu te chamo?”.

Não houve DR (discussão da relação) com seu pai?

Não teve. Nunca. Senti falta disso com ele. Uma pessoa com quem eu pudesse conversar. Tipo: explicar realmente o que estava acontecendo.

Mas qual era a preocupação dele com relação ao que ocorria com você na época?

Conversar com os outros filhos dele (duas meninas e um menino do segundo casamento), meus outros irmãos. Não sei exatamente o porquê. Wilson não dava ponto sem nó. De repente, ele falou para todo mundo. Achei o máximo no começo, mas vi que não era por aí. Imaginei que era para não prejudicá-lo na campanha. Em relação aos outros filhos, eu sempre tive uma boa relação. São crianças ótimas. São meus irmãos, acima de tudo.

Você vai votar no Wilson Witzel para governador?

Ele representa o PSC e toda a bancada conservadora. Nossas visões de política são completamente diferentes. Prefiro não responder a essa pergunta.

Como você se vê?

Sou um homem trans. Quero continuar cozinheiro e microempresário na confecção de queijos veganos. Seguir a minha vida em paz. Além disso, quero chamar a atenção para os homicídios relacionados à transfobia entre 2008 e 2016. Foram 868 no Brasil, segundo a Transgender Europe. Já que me expuseram, quero mostrar que estão matando LGBTs.

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Partidos da base de Paes faz adesivos pró-Bolsonaro

Lucas Altino

Luiz Ernesto Magalhães

25/10/2018

 

 

Legenda, que integra a coligação do candidato, tenta atrair eleitorado bolsonarista; ex-prefeito afirma que não sabia

Ato do candidato Eduardo Paes (DEM) teve adesivo, feito pelo PHS, com seu nome e o de Bolsonaro. Paes reafirmou neutralidade. Ocandidato ao governo do Rio, Eduardo Paes (DEM), fez campanha ontem em Jacarepaguá com distribuição de material de eleitoral no qual seu nome aparecia associado ao do candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL). A distribuição ocorreu um dia após Paes aparecer acompanhado do coronel Salema — deputado recém-eleito pelo PSL e próximo a Bolsonaro — em uma reunião no quartel-general da PM.

Os adesivos foram encomendados pelo PHS, partido da coligação do DEM no Rio. Paes alegou que as peças de campanha foram feitas sem seu conhecimento. O candidato tem se declarado neutro na disputa presidencial, em uma tentativa de evitar perder votos de eleitores da esquerda.

— Tem muita gente que vota em mim e no Bolsonaro, então essa é uma decisão individual — afirmou Paes, no Largo da Taquara. — Tenho votos na esquerda também. Votam dizendo que vão fazer oposição quando começar meu governo, inclusive. A neutralidade do Bolsonaro foi importante para a gente discutir a eleição do estado. Aqui é Paes contra Witzel —justificou.

O secretário-geral adjunto da executiva estadual do PHS no Rio, Leonardo Lia, explicou que a decisão de confeccionar o material foi tomada porque no segundo turno a direção nacional do partido liberou os representantes nos estados para apoiarem os candidatos a presidente que desejassem. No primeiro turno, o PHS integrou a chapa de Henrique Meirelles (MDB).

—O Dr. João (Ferreira Neto) preside o PHS no Rio e é prefeito de São João de Meriti. Tem uma antiga relação de amizade com Jair Bolsonaro. Inclusive, os dois foram deputados federais juntos —explicou Leonardo.

A ofensiva de Paes para os últimos dias da eleição se dará em duas frentes. Na capital, continuará associando a “inexperiência” de Wilson Witzel (PSC) como gestor público ao prefeito do Rio, Marcelo Crivella. A avaliação, segundo pessoas ligadas a Paes, é que a tática deu certo. Na pesquisa divulgada pelo Ibope na terçafeira, Paes aparecia com 52% dos votos validos entre os eleitores da capital e contra 48% do ex-juiz.

No interior, a tarefa de intensificar os contatos tem sido do deputado estadual Comte Bittencourt (PPS), vice na chapa de Paes. No levantamento do Ibope, Witzel ainda aparece com 61% de vantagem contra 39% de Paes fora do Rio. Integrantes da campanha acham pouco provável que haja tempo para que Paes supere Witzel na maioria dos municípios. Por isso, a capital teria que compensar os votos que faltariam no interior para uma virada se concretizar. No entanto, os estrategistas acreditam que a diferença tende a diminuir por causa de uma maior participação de prefeitos do interior na campanha de Paes, que no primeiro turno se desdobraram também em cumprir agendas com candidatos a deputado.

Um grupo especial

Outra preocupação é com a força do eleitorado evangélico, principalmente da Baixada Fluminense. Como parte dessa estratégia, o deputado estadual reeleito Samuel Malafaia (DEM), irmão do pastor Silas Malafaia, apareceu no horário eleitoral de ontem defendendo Paes. Silas também gravou um vídeo para a internet apoiando o ex-prefeito. Como contraponto, Witzel exibiu a declaração de voto do senador eleito Arolde de Oliveira (PSD), que acabou derrotando Cesar Maia (DEM).