O Estado de São Paulo, n. 45660, 22/10/2018. Política, p. A10
Doria e França repetem Alckmin em promessas
Adriana Ferraz, Fabio Leite e Túlio Kruse
22/10/2018
Eleições 2018 Palácio dos Bandeirantes / Candidatos ao governo de SP baseiam programas em promessas já feitas por ex-governador tucano; só com obras, gastos vão a R$ 30 bi
Os dois bem que tentam se descolar da imagem de Geraldo Alckmin, mas tanto o exprefeito João Doria (PSDB) como o atual governador Márcio França (PSB), que busca a reeleição, reciclaram uma série de promessas já feitas pelo ex-governador ao longo da atual campanha pelo governo de São Paulo. Como ocorreu há quatro ou oito anos, o eleitor paulista, mais uma vez, ouve compromissos relacionados, por exemplo, à conclusão do Rodoanel e das linhas 4 e 5 do metrô. O que muda é o preço a se pagar por elas. Somadas, as contas de Doria e França ultrapassam R$ 30 bilhões só em obras.
A comparação das listas mostra que um eventual governo Doria investiria ao menos R$ 26,4 bilhões durante os próximos quatro anos, enquanto França aplicaria no mínimo R$ 19,3 bilhões – para se chegar à soma de R$ 30 bilhões, o Estado excluiu promessas iguais (mais informações nesta página). O mesmo foi feito em relação a despesas com manutenção e contratação de pessoal. Com elas, o valor seria até três vezes maior, já que o custeio de um equipamento público vale, por ano, o mesmo investido em sua construção.
A regra é usada para hospitais, creches e linhas de metrô, desde que administradas pelo Estado. A reportagem também não considerou propostas genéricas, como despoluir os Rios Pinheiros e Tietê, promover integração entre secretarias e valorizar financeiramente os servidores – Doria e França já se comprometeram a dar aumento a policiais e professores.
Neste contexto, ambos os candidatos teriam dificuldades para encaixar suas promessas no orçamento do Estado. Nos últimos quatro anos, a gestão Alckmin investiu cerca de R$ 40 bilhões e não conseguiu terminar parte das obras agora novamente prometidas pelos candidatos, especialmente as ações na área de transportes rodoviário e público. O mesmo atraso ocorreu com a promessa de entregar mil creches em quatro anos – só 300 ficaram prontas desde 2015.
Especialista em Direito Administrativo, Adib Kassouf Saad considera a legislação eleitoral falha no sentido de não impedir que políticos em campanha prometam programas e serviços que não possam ser cumpridos em função da Lei de Responsabilidade Fiscal. “Sabe como isso se chama? Estelionato político. Os planos de governo aceitam tudo, mas a prática é outra”, afirma Saad.
Empatados tecnicamente segundo pesquisa Ibope/Estado/TV Globo divulgada no dia 17, com 52% e 48% das intenções de voto, respectivamente, Doria e França prometem ampliar a rede paulista de hospitais e a malha rodoviária, mais vagas em ensino a distância, base comunitárias da polícia e delegacias da mulher, entre outros serviços.
Palanque duplo. Considerados aliados de Alckmin até o início da campanha, nenhum dos dois candidatos fez uma defesa do legado de 13 anos do ex-governador à frente do Estado. A seis dias do segundo turno das eleições, a disputa pelo Palácio dos Bandeirantes tem se baseado principalmente em ataques mútuos nos comerciais e debates de TV.
Doria abandonou o padrinho político já no final do primeiro turno e passou a estimular o voto no presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), hoje sua principal estratégia de campanha contra França. O atual governador, por sua vez, prega o discurso da “mudança” e aposta todas as fichas na rejeição do ex-prefeito na capital, após ele descumprir a promessa de permanecer no cargo por quatro anos.
Para o cientista político José Alvaro Moisés, da USP, houve pouca ênfase durante a campanha para propostas caras ao eleitorado paulista. “Era preciso um plano muito mais proponente e incisivo para poder assegurar melhoria na mobilidade urbana, por exemplo, que São Paulo tanto precisa. Algo muito mais elaborado do que isso”, afirmou o analista, em referência ao repeteco de promessas.
Ontem, França prometeu moradia popular no centro da capital paulista. “O governo vai comprar apartamentos já reformados e pagar em torno de R$ 120 mil cada. Dá para fazer 10 mil unidades por ano”, disse. Doria esteve em ato pró-Bolsonaro na Avenida Paulista. Em discurso, além de pedir voto para o presidenciável do PSL, ele voltou a ligar França ao PT e à esquerda.
A campanha de França afirmou que a “filosofia” do candidato é terminar as obras em andamento – são cerca de 700 – e aprimorar a qualidade do serviço público, o que explica o repeteco de promessas. A assessoria de Doria disse que “alguns compromissos firmados por gestões anteriores, como a conclusão das obras do Rodoanel, foram apoiados por todos os candidatos pois são demandas da população”. “Já a expansão de Baeps e Deics regionais são propostas de João Doria originadas nos debates dos grupos de trabalho da campanha, criados para debater as necessidades da população e formular soluções.”
’Estelionado político’
“Sabe como isso (apresentação de promessas durante a campanha eleitoral que não cabem no Orçamento do governo) se chama? Estelionato político. Os planos de governo aceitam tudo, mas a prática é outra.”
Adib Kassouf Saad, ESPECIALISTA EM DIREITO ADMINISTRATIVO
“Era preciso um plano muito mais proponente e incisivo para poder assegurar melhoria na mobilidade urbana, por exemplo, que São Paulo tanto precisa. Algo muito mais elaborado do que isso.”
José Alvaro Moisés, CIENTISTA POLÍTICO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO