O globo, n. 31123, 23/10/2018. País, p. 4

 

Ao judiciário, as desculpas do Capitão

Carolina Brígido

André de Souza

23/10/2018

 

 

Após reação dura do STF, Bolsonaro tenta desfazer mal-estar de fala do filho

Diante da reação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) às declarações do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que falou, em vídeo, sobre a possibilidade de fechar a Corte, o candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, disse ontem que o filho reconheceu o erro. Ao Jornal Nacional, o capitão da reserva se desculpou pelo episódio.

— Isso ocorreu há quatro meses, eu não tinha conhecimento. Ele diz que respondeu a uma pergunta sem pé nem cabeça, até houve a palavra brincadeira no meio daquilo. Conversei com ele, ele reconheceu o seu erro, pediu desculpas. Eu também, em nome dele, peço desculpas ao Poder Judiciário. Não foi a intenção dele atacar quem quer que seja. E eu espero que, como todos nós podemos errar, que os nossos irmãos do Poder Judiciário deem por encerrada essa questão — disse, pedindo que a Justiça dê por “encerrada a questão”.

Bolsonaro também enviou ontem uma carta ao decano do tribunal, ministro Celso de Mello, para tentar desfazer o mal-estar. No documento, ele afirma que o Supremo “é o guardião da Constituição e todos temos de prestigiar a Corte”. A carta do presidenciável tenta contornar o clima criado depois que o filho dele afirmou que, “para fechar o Supremo”, bastariam “um soldado e um cabo”. A fala, gravada em julho, foi classificada por Mello de “inconsequente e golpista”.

Mais cedo, Bolsonaro disse, em entrevista ao SBT, que já havia conversado com o seu filho.

— Eu já adverti o garoto, o meu filho, a responsabilidade é dele —disse.

Ontem, na esteira das declarações de Celso de Mello, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, divulgou nota em defesa do tribunal. Toffoli disse que “o STF é uma instituição centenária e essencial ao Estado Democrático de Direito” e afirmou que “atacar o Poder Judiciário é atacar a democracia”. Ele também disse que “não há democracia sem um Poder Judiciário independente e autônomo”. “O país conta com instituições sólidas e todas as autoridades devem respeitar a Constituição”, escreveu Toffoli.

O ministro Alexandre de Moraes também comentou o caso e defendeu que a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigasse o parlamentar. Ontem, o PSOL pediu à PGR a abertura de uma investigação.

— É algo inacreditável que, no Brasil, no século XXI, a Constituição com 30 anos, e ainda tenhamos que ouvir tanta asneira vinda da boca de quem representa o povo. (As afirmações) merecem, por parte da procuradoria-geral, imediata abertura de investigação porque, em tese, isso é crime tipificado na Lei de Segurança Nacional. Incitar animosidade entre Forças Armadas e instituições civis, isso é crime previsto pela Lei de Segurança Nacional —disse Moraes.

Regras claras

Em nota enviada ao jornal “Folha de S.Paulo”, Celso de Mello disse que a “declaração, além de inconsequente e golpista, mostra bem o tipo (irresponsável) de parlamentar cuja atuação no Congresso Nacional, mantida essa inaceitável visão autoritária, só comprometerá a integridade da ordem democrática e o respeito indeclinável que se deve ter pela supremacia da Constituição da República”.

Pelo princípio da harmonia dos Poderes previsto na Constituição, não há hierarquia entre um e outro. Portanto, o STF, que comanda o Judiciário, não poderia ser extinto pelo representante de outro Poder. “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, diz o artigo 2º da Constituição, que ainda descreve os Poderes do STF, sendo o primeiro deles “a guarda da Constituição”.

O STF foi criado em 1890 e está em funcionamento ininterrupto desde então. O período mais conturbado da Corte ocorreu durante a ditadura. Quando os militares depuseram o presidente João Goulart em 1964, o ministro Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa, então presidente do STF, apoiou o golpe e os demais ministros não fizeram declarações públicas sobre o assunto.

No ano seguinte, o governo militar editou o Ato Institucional 2, que aumentou de 11 para 16 o número de ministros. Com a medida, o Executivo indicou mais nomes alinhados aos militares, como uma forma de garantir a maioria em votações importantes. Ao longo de todo o regime militar, três ministros foram cassados e outros dois foram forçados a se aposentar.

Ontem, o ex-ministro do Supremo Ayres Britto também criticou as declarações do filho de Bolsonaro e lembrou que a condição do exercício da Presidência é o respeito e a defesa da Constituição. Ele afirmou ainda que, na democracia, a última palavra é do Judiciário, em especial o STF, que é o seu órgão máximo.

— A meu juízo, o mais grave é a revelação de um modo de ser autoritário, prepotente, antidemocrático. O modo descontraído, e até debochado com que ele falou parece revelador de uma natureza assim prepotente, autoritária, antidemocrática. Não foi uma conduta isolada — avaliou o ex-ministro.

“Eu também, em nome dele, peço desculpas ao Poder Judiciário. E eu espero que, como todos nós podemos errar, que os nossos irmãos do Poder Judiciário deem por encerrada essa questão”

Jair Bolsonaro, candidato do PSL a presidente

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O candidato e o confortável papel de moderador

Thiago Prado

23/10/2018

 

 

Jair Bolsonaro fez um pedido aos seus aliados para a última semana de campanha presidencial: com essas palavras, disse que é hora de “parar de ter ideias” e de se colocar em “ponto morto”. Desde que teve alta após o atentado à faca em Juiz de Fora (MG), Bolsonaro diz a aliados que não precisariam fazer mais nada para vencer a eleição. Apenas deixar os dias passar.

Mesmo assim, o entorno desandou a dar declarações que provocaram ruídos na campanha. E aí, fora de entrevistas profundas e dos debates na televisão, surgiu uma nova janela de oportunidade para o presidenciável. O de aparecer sempre na confortável posição de moderador das falas desastradas de aliados. Diante da péssima repercussão das

declarações, o eleitor fica sem saber se os recuos ocorrem por divergências de opinião ou por conveniência eleitoral.

Funcionou assim nas últimas semanas: Paulo Guedes propôs superpoderes a partidos com o chamado voto de bancada. Bolsonaro, então, o desautorizou a falar sobre política. O filho Eduardo Bolsonaro falou em fechar o Supremo Tribunal Federal. O pai disse depois que quem tem a ideia precisa de psiquiatra. O general Hamilton Mourão criticou o 13º salário e citou a possibilidade de um autogolpe e a criação de uma constituinte de notáveis. Veio o capitão da reserva e desautorizou cada ponto abordado pelo seu vice.

A ordem é de cautela na reta final. Mourão, que casou recentemente, foi passar lua de mel com a esposa: “Vai curtir a sua mulher”, recomendou o deputado. O general voltou de viagem nos últimos dias e já deu declarações ontem. “Continue curtindo a sua mulher”, segue recomendando Bolsonaro.